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Guerra das Águas II – Exército controla poços e caminhões-pipa no Nordeste

Nota DefesaNet

O jornal O Estado de São Paulo começou, no dia 02 Fevereiro 2020, curiosamente dia de Iemanjá, a Série Guerra das Águas.

Ufanisticamente o Brasil adota a posição que tem 20% do vólume de água doce do mundo. Porém a distribuição e o desleixo com o cuidado dos mananciais tem levado a Crises Sistêmicas. Mais sentida nas áreas urbanas (São Paulo, Rio de Janeior, Brasilia, Belo Horizonte, etc).

Leitura recomendada no site onde há vários elementos gráficos com o excelente texto de Patrik Camporez e fotos e vídeos de Dida Sampaio

Site o Estadão A Guerra das Águas Link

 

Guerra das Águas

I  –  Sede Escassez e Mortes no Interior do Brasil

II –  Exército controla poços e caminhões-pipa no Nordeste

Texto  Patrik Camporez

Fotos e vídeos de Dida Sampaio

 

Barracas militares são armadas na Caatinga. Homens fardados jogam reagentes químicos nos tanques de água dos caminhões. Jipes com soldados cortam as estradas empoeiradas. A operação de guerra do Exército para controlar a água do subsolo virou rotina no sertão nordestino.

 

O sol é rigoroso em São José do Belmonte, cidade de 30 mil habitantes no semiárido de Pernambuco. Por causa da formação geológica privilegiada e do subsolo rico em água, o município é uma exceção no Polígono da Seca, que abrange nove Estados, e passou a ser cobiçado por exploradores. Todos os dias, por volta das 5 horas da manhã, a entrada da cidade fica congestionada de caminhões-pipa.

 

A farra dos poços criou duas figuras no sertão. Os “outorgados” têm licença para usar a água e vendê-la ao Exército. Na outra ponta, os “mercenários” saem à caça de locais propícios à perfuração clandestina do solo. A corrida desenfreada pelos poços de Belmonte levou o governo federal a chamar o Exército para controlar e distribuir a água da região, que também é levada em pipas do Exército para a Paraíba e o Ceará. O município tem mais de mil grandes buracos de até 150 metros de profundidade. Em cada ponto de captação há uma equipe do Exército.

Um desses poços controlados em Belmonte pertence a Célio Assis Mariano, o Mano, de 40 anos. Com 170 metros de profundidade, jorra 38 mil litros de água por hora e é considerado um dos mais produtivos do município. “É como se eu tivesse acertado na ‘loto’”, comparou Mano. “Todo jovem quer ser dono de um poço artesiano e não precisar trabalhar na água dos outros, ser dono de um poço que jorra água docinha.”

Mano contou que, desde criança, sonhava em ser dono de poço e disse temer pelo futuro do lençol de água do município. A perfuração começou faz uns 30 anos. “Só que agora tem que dar uma freada, não é? Tem muitos poços aí que a gente sabe que estão a 30 metros um do outro, sendo que o limite é 500.”

 

Todo jovem quer ser dono de um poço artesiano e não precisar trabalhar na água dos outros, de um poço que jorre água docinha.

 

O poço de Mano atende de 90 a 130 caminhões-pipa por dia. Ele vende cada carga a R$ 10, o que lhe garante até R$ 1.300. Nas proximidades, os “mercenários” perfuraram pelo menos dez outros poços. “O negócio deles é lucrar com a água. Vendem para qualquer um que aparece”, reclamou Mano, que ostenta em seu escritório o certificado de outorga.

 

A região em volta da propriedade dele parece uma área produtora de petróleo. Tratores e caminhões entram e saem carregando brocas desmontadas de perfuração – com as peças engatadas, as brocas chegam a ter o tamanho de um prédio de cinco andares. A busca pela água é incessante. “Está imoral”, lamentou Mano, em tom de indignação.

 

As carradas de água, como os pipas são chamados, dominam a paisagem do sertão. “Primeiro carregavam água em jumento. Era a maior dificuldade do mundo. Os jumentos foram substituídos pelos caminhões”, relatou Francisco Ferreira Fraga, pipeiro, 67 anos. “As pessoas gostam de beber a água do Exército, pois é de poço profundo, colhida todo dia. Não é igual água de açude, que tem gosto de velha. Essa água não acaba, não. Só Deus é que acaba com água. Todo dia surge um poço.

O governo de Pernambuco afirmou que o Exército distribuiu, em 2019, água a 500 mil pessoas, em cem cidades do Estado. Levantamento feito pela Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa), a pedido do Estado, identificou gastos do governo estadual da ordem de R$ 82.403.882,97 com pipas, nos últimos cinco anos.

O gerente executivo do Distrito de Irrigação Nilo Coelho, Paulo Sales, afirmou que o trabalho de vigilância é necessário para evitar vandalismo nas estações de bombeamento e retiradas clandestinas de água. Ao Estado, ele observou que os canais cortam uma área onde moram 60 mil pessoas. “A gente definiu a equipe de segurança por questões de furto de água”, disse. “Há um trabalho educativo principalmente quando a abordagem é com criança”, completou. “Dentro do projeto tem 22 vilas de moradores. Então, é natural que ocorram problemas com a questão urbana.”

Há 12 anos no projeto, Sales argumentou que os custos da água estão relacionados à manutenção do canal, à energia, ao bombeamento e à segurança das máquinas. “A água não é cara”, disse. “O valor cobrado é necessário para manter o projeto em pleno funcionamento.”

Em nota, o Centro de Comunicação Social do Exército informou que as denúncias de irregularidades recebidas são apuradas por sindicâncias internas. Em caso de comprovação de irregularidade, diz o comunicado, os envolvidos respondem de acordo com a legislação, seja administrativa, pela Lei de Licitações, seja por processo penal militar. “O denunciante é informado a respeito do andamento da apuração da denúncia.”

 

Água é retirada de poços artesianos profundos 

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