Legítima Defesa Preemptiva no Cenário Internacional
Sérgio de Oliveira Netto
Procurador Federal. Mestre em Direito Internacional (Master of Law), com concentração na área de Direitos Humanos, pela American University – Washington College of Law. Especialista em Direito Civil e Processo Civil. Professor do Curso de Direito da Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE (SC).
Conforme informações que vem sendo difundidas, na noite do dia 02 de janeiro de 2020, os Estados Unidos da América conduziram uma operação em território iraquiano, que teria sido realizada com o emprego de DRONES (veículos aéreos não tripulados), e que resultou na morte do General Qasem Soleimani. Que seria, hierarquicamente, a segunda autoridade mais importante do Irã.
Ao que consta, tratou-se de uma operação visando a neutralização de um “alvo de alto valor” (High Value Target – HVT), que seria responsável pelo planejamento e execução de atos terroristas contra pessoas e interesses norte-americanos.
No caso específico atual, estes atos terroristas teriam relação direta com os recentes ataques a Embaixada dos Estados Unidos sediada no Iraque. Que teria sido perpetrado com influência iraniana, e também por militantes do Hezbollah (ou Hisballah – Partido de Deus). Grupo terrorista sediado no Líbano e que recebe apoio militar e financeiro do Irã e Síria (MOURA, Eliane Schroder de. “O PARTIDO DE DEUS NO LÍBANO: histórico e atividades” Revista Brasileira de Inteligência, V.3 – N. 4 setembro 2007, ISSN 1809 – 2632. Brasília. Disponível em http://www.abin.gov.br/conteudo/uploads/2018/05/RBI4-Artigo10-O-PARTIDO-DE-DEUS-NO-LÍBANO-histórico-e-atividades.pdf. Acesso 03 jan 2020)
As questões envolvendo o Oriente Médio são particularmente intrincadas, e majoritariamente decorrem de conflitos entre correntes religiosas divergentes do Islã (Sunitas x Xiitas), motivo pelo qual não serão aqui abordadas. Não haveria como em poucas linhas, pretender esboçar algumas considerações sobre os motivos pelos quais os então rivais Irã e Iraque, estariam, agora, unindo esforços (pelos menos setores iraquianos) e os direcionando contra os norte-americanos.
O que importa, para esta breve análise é inspecionar se, sob a ótica do Direito Internacional, haveria fundamento jurídico para a condução desta operação que culminou com a neutralização de uma autoridade militar iraniana.
O ponto de central relevância passa pela análise do contexto fático no qual esta operação foi realizada, que poderia ser resumidamente alinhado nos seguintes tópicos: 1) ataques contra a Embaixada Americana no Iraque; 2) presença de uma autoridade militar iraniana de alto escalão em território iraquiano, General Soleimani; 3) esta autoridade militar iraniana estava nas proximidades do aeroporto internacional de Baghdad no Iraque, na companhia de Abu Mahdi al-Muhandis, apontado como sendo uma liderança de milícias iraquianas (Popular Mobilization Forces – PMF), e que também foi neutralizado nesta operação.
Este cenário, por si só, é bastante revelador, e demonstra com alto grau de certeza, que realmente estaria havendo influência do Governo Iraniano, em colaboração com as milícias iraquianas, para a prática de atentados contra a Embaixada Americana no Iraque.
Em sendo confirmada esta premissa, a fundamentação jurídica para um ato de defesa antecipado contra novas investidas a Embaixada Americana e seus agentes, encontra suporte na própria Carta das Nações Unidas. Isto porque, por mais que a Carta da ONU estipule como regra o “não uso da força”, abre exceções para debelar situações extremas, nas quais não haja tempo para se adotar uma deliberação pelo Conselho de Segurança da ONU, conforme dispositivos abaixo transcritos:
Art. 2º, §4º: “Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas”.
…
Art. 51 Nada na presente Carta prejudicará o direito de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais…
Em outras palavras, a incursão realizada com o emprego de DRONES para a neutralização destes alvos de alto valor, estaria lastreada como uma forma de legítima defesa preventiva (ou preordenada ou antecipada). Ou mesmo sob a indumentária de uma legítima defesa preemptiva. Dentro de uma concepção mais ampla, que faz a diferenciação entre guerra justa e injusta, como sustentado por Michael Walzer, na obra “Just and Unjust Wars” (New York: Basic Books – 2 ed., 1992). Para quem, em suma, a guerra preemptiva estaria baseada em fatos reais e irrefutáveis (hard evidence) reveladores da iminência de um ataque. Enquanto a guerra preventiva, seria destinada a impedir o surgimento do próprio risco iminente. Ou seja, teria por finalidade debelar o risco, antes mesmo da efetiva materialização da possibilidade do ataque.
Pelos fatos que ainda estão sendo apurados e divulgados, tudo leva a crer que se tratou de um ato de DEFESA americano (preemptive strike) para evitar outros ataques em solo iraquiano, contra cidadãos ou interesses americanos.
Juridicamente, portanto, o fundamento, com base na Carta das Nações Unidas, art. 51, seria uma LEGÍTIMA DEFESA PREEMPTIVA (não se tratamento propriamente de legítima defesa antecipada, e muitos menos de ataques deliberados contra autoridades iranianas).
O nível de tensão certamente aumentará com estes recentes acontecimentos, que já vinha se elevando como consequência dos questionamentos sobre o programa nuclear iraniano.
O que se espera é que haja uma rápida intervenção da ONU (em especial do seu Conselho de Segurança), para evitar o escalonamento da crise por toda a região, e com consequências globais.