Roberto Rodrigues
Ex-Ministro da Agricultura e Coordenador
do Centro de Agronegócios da FGV
Está para ser votado no Congresso Nacional um projeto de lei tratando da aquisição de terras por estrangeiros. Trata-se de assunto aparentemente polêmico, embora não exista nenhuma razão econômica sensível para isso. A legislação que trata do tema sofreu diferentes interpretações ao longo dos anos, mas a última, feita em 2008, terminou inibindo a compra de terras por estrangeiros. Essa mudança se deveu basicamente a fatores ideológicos.
Mas ninguém virá comprar terra no Brasil para levá-la embora: o estrangeiro que adquirir uma fazenda aqui vai ter de exercer atividade agropecuária nela, ou terá a área desapropriada por não cumprir o papel social previsto na Constituição de 1988; e estará sujeito a todas as demais regras que afetam o setor, sejam jurídicas, sejam trabalhistas, ambientais, tributárias e fiscais, sejam quais forem.
E, ao produzir, estará comprando insumos, máquinas e equipamentos nacionais, contratando trabalhadores brasileiros de todos os níveis, gerando riqueza e renda para o País.
Alguns mitos sobre a questão merecem análise.
Por exemplo, existe a falácia de que o uso da terra por longo tempo a esgotaria. Bobagem: com tecnologia adequada, sobretudo no uso de fertilizantes e corretivos, a terra até melhora ao longo do tempo. Bom, mas e se não for usada a tecnologia preservacionista indicada? Nesse caso, o investidor não terá produtividade e acabará quebrando, estrangeiro ou brasileiro.
Também se diz que a venda de terras a estrangeiros produziria correntes migratórias indesejáveis. Errado: temos mão de obra suficiente para as práticas agrícolas, e quem vier de fora para investir aqui traria eventualmente apenas gente para gestão e governança, ajudando a formar uma cultura melhor nesse aspecto.
Ou que há o risco de um indivíduo de fora vender para seu país alimentos aqui produzidos por preços sub-faturados. Ora, existe legislação altamente eficaz contra esse desvio de conduta. E, ainda pior, exportar sua produção traria fome ao nosso povo, hipótese absurda: basta verificar que somos hoje um dos maiores exportadores mundiais de alimentos que sobram da enorme quantidade gerada para o consumo interno.
Por outro lado, fala-se na possibilidade do encarecimento das terras, o que inviabilizaria sua aquisição por brasileiros. Nosso território é tamanho que essa hipótese é irreal, segundo avaliam grandes compradores nacionais de terra. Em suma, não há nenhuma razão econômica para esse impedimento. Ao contrário, há boas razões a favor: seriam gerados empregos para trabalhadores brasileiros, seriam consumidos fatores de produção nacionais, haveria aumento das exportações, da renda e da riqueza do País.
Afinal, aceitando a tese do USDA de que temos de aumentar nossa produção de alimentos em 40% em 10 anos para que o mundo cresça a metade e assim haja segurança alimentar global, temos mais é que ampliar a produção para cumprir essa missão de forma sustentável, como exigem consumidores do mundo todo.
A legislação pré-existente já estabelece limites da área de um município que pode ser adquirida por estrangeiros. Também está claro que uma larga faixa de fronteira não pode pertencer a estrangeiros, especialmente vizinhos, porque isso dificultaria o combate ao contrabando, tráfico de drogas e também o controle sanitário. Faz todo sentido. Também parece evidente que compras de áreas muito grandes demandariam investimentos em infraestrutura, o que poderia ser realizado pelos compradores, em benefício dos produtores brasileiros da região.
Fica um tema para discussão: fundos soberanos poderiam comprar terra aqui? Há grande oposição a essa hipótese, e talvez ela deva ser aceita em busca de um consenso político quanto à matéria, mesmo que tal decisão implicasse estabelecer mecanismos rigorosos para verificar se o investidor teria recursos dessa origem “disfarçados” de alguma maneira.
No mais, o que precisamos é desenvolver o setor rural cada vez mais, para que ele continue a ser um importante vetor do crescimento nacional. Por isso é desejável que o nosso Parlamento se debruce cuidadosamente sobre o tema e decida de uma vez por todas as regras a serem seguidas.
Nosso Parlamento precisa decidir de uma vez por todas as regras a serem seguidas
Matéria Relevante