Vinicius Sassine
11/11/2019
BRASÍLIA — O comando do Exército da Colômbia afirma que o maior grupo guerrilheiro armado em atuação na América Latina, o Exército de Libertação Nacional (ELN), tem parceria com a maior facção criminosa do Rio , com objetivo de viabilizar o tráfico de drogas e fazer com que cocaína chegue a Manaus. Além disso, integrantes do ELN têm “presenças esporádicas” no Brasil, com o propósito de controlar atividades ilícitas mantidas pelo grupo de extrema esquerda, segundo o Exército colombiano.
As acusações foram trazidas ao Brasil pelo comandante do Exército, general Nicácio Martínez Espinel , que esteve em Brasília nos últimos dias 8 e 9 de outubro. Ele se encontrou com o comandante do Exército brasileiro, general Edson Leal Pujol, que ofereceu um jantar ao colega de farda.
O GLOBO esteve com Martínez. Em entrevista ao jornal, ele confirmou o teor das acusações trazidas. O general colombiano não quis dizer se os relatos foram repassados ao comandante brasileiro. O Exército do Brasil se recusou a responder aos questionamentos da reportagem sobre os assuntos tratados entre os dois comandantes.
— O centro de gravidade dos grupos armados na Colômbia é o narcotráfico. O narcotráfico une esses grupos com outros grupos criminosos, como a facção no Brasil e alguns narcotraficantes mexicanos. Há pessoas que, em troca de armas e de dinheiro, levam ou trazem cocaína — disse à reportagem o comandante colombiano.
A acusação feita pelos colombianos ocorre num momento de crise e desconfiança nas Forças Armadas no país, depois da entrega de um relatório à Organização das Nações Unidas (ONU) com fotos adulteradas sobre a presença do ELN na Venezuela. O relatório foi fornecido no fim de setembro pelo presidente Iván Duque e continha fotos do grupo guerrilheiro na Colômbia, mas com afirmação de que os registros eram na Venezuela. A adulteração levou à demissão do chefe de inteligência militar das Forças Armadas.
Ameças de conflito
Além disso, Colômbia e Venezuela estão em constante estado de tensão, com ameaça de invasão de território e conflito armado. O governo de direita de Duque vem buscando o apoio do governo de direita de Jair Bolsonaro; ambos são opositores ao regime de Nicolás Maduro na Venezuela. Até agora, os militares brasileiros se opõem a qualquer tipo de ação armada na fronteira ou em território venezuelano.
O ELN é um grupo armado de extrema esquerda, que recorre ao narcotráfico e à mineração ilegal para financiar suas atividades. Depois do acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, o ELN ocupou vácuos deixados pelas Farc, com forte presença na Venezuela.
O próprio acordo, porém, está sob risco, diante de mudanças de entendimento do governo de Juan Manuel Santos para o governo de Duque, além das fraturas dentro das próprias Farc — uma parte da guerrilha não aderiu à ideia de conversão em partido político e anunciou o retorno às armas, inclusive em parcerias com o ELN.
Uma reportagem de o GLOBO em 1º de setembro (republicada abaixa), ver revelou detalhes sobre a atuação do ELN a 250 quilômetros da fronteira com o Brasil, no estado venezuelano de Bolívar, colado a Roraima. Guerrilheiros exploram e controlam a extração de ouro ilegal em cidades como Las Claritas, El Callao, Tumeremo e El Dorado. Parte desse ouro — ou dos dividendos a partir de um mercado negro do minério ainda na Venezuela — ingressa em Roraima e movimenta a economia local.
O Exército da Colômbia vai além e diz que está em curso uma parceria do ELN com a maior facção criminosa do Rio, que também tem forte atuação no Norte, com o controle de presídios da região. Até agosto deste ano, fontes da Polícia Federal (PF) relatavam que as investigações em curso e as operações já deflagradas não constataram relações entre traficantes brasileiros e integrantes da guerrilha.
Parceria no tráfico
Segundo o comando do Exército da Colômbia, o ELN tem parceria com a facção criminosa brasileira para transporte e venda de cocaína em Manaus. Os guerrilheiros estariam originalmente no estado colombiano do Amazonas, que faz fronteira com o estado brasileiro do Amazonas. O Exército afirma que a região onde eles estão é a de La Pedrera, próxima à fronteira com o Brasil.
Um outro grupo armado organizado, Los Caqueteños, utiliza no Brasil o Rio Solimões para dar vazão ao tráfico de cocaína, ainda conforme o comando militar colombiano. A área seria a da fronteira Leticia (Colômbia) — Tabatinga (Brasil). O grupo tem conexão com uma segunda facção criminosa brasileira, nascida na região Norte, segundo as autoridades colombianas.
Ainda conforme o Exército da Colômbia, o Brasil é destino de ouro ilegal extraído na fronteira. Ex-guerrilheiros do ELN teriam relatado ao Exército que facções criminosas brasileiras pagam em barras de ouro pela droga adquirida. A cocaína sai da Colômbia, entra na Venezuela e vai para Manaus, segundo o comando militar colombiano, que diz ainda que uma frente do ELN, a de Guerra Oriental, tem presenças “esporádicas” no Brasil. A criação de uma nova frente de guerra estaria em curso na área de fronteira entre Brasil e Colômbia.
— Eles usam a fronteira e sabem usar as leis quando lhes são convenientes. É fácil passar pela fronteira com o Brasil e com a Venezuela, de um lado a outro. Os rios permitem o envio de cocaína e maconha, com destino final até Europa, África — afirmou o general Martínez.
O comandante colombiano resumiu assim o encontro com o comandante do Exército do Brasil:
— Tenho uma grande amizade com general Pujol. Falamos sobre várias coisas importantes sobre a fronteira da Colômbia com o Brasil e alguns temas dos nossos Exércitos. E falamos de inteligência com seu Estado-Maior.
O Exército do Brasil se recusou a responder aos questionamentos do GLOBO sobre o que foi tratado no encontro entre os dois comandantes e sobre a importância que dá às acusações do general colombiano. O Centro de Comunicação Social do Exército (CCOMSEx) afirmou que a visita foi “protocolar”.
‘Vínculo de guerrilha colombiana com Brasil é de negócios ilegais’, diz general
Luis Fernando Navarro, comandante-geral das Forças Militares da Colômbia, foi nomeado há oito meses para impedir expansão de dissidentes das Farc
Vinicius Sassine e Leticia Fernandes*
01/09/2019 – 04:30 / Atualizado em 01/09/2019 – 10:02
COLÔMBIA e BRASÍLIA — O general Luis Fernando Navarro foi nomeado há oito meses comandante das Forças Militares da Colômbia para “estancar a expansão de dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia ( Farc ) e atacar as bases do ELN ”, segundo descrição de autoridades diplomáticas brasileiras em Bogotá em comunicado a Brasília. Em sua ampla sala no 16º andar de um edifício no centro de Bogotá, Navarro deu uma entrevista ao GLOBO na última sexta-feira. Ele apontou a existência de tráfego de integrantes do ELN na Amazônia brasileira.
O que o governo vai fazer diante do anúncio de dissidentes das Farc de que voltarão a pegar em armas?
Isso não é nada novo. Já havia uma frente afastada do processo de paz. As mesmas Farc que já estavam imersas no processo excluíram das negociações alguns integrantes. Começaram a surgir grupos em regiões do país ao redor de economias ilícitas como o narcotráfico e a exploração de ouro ilegal. Então, esses bandidos já estavam delinquindo. O pronunciamento e a ameaça ao Estado colombiano feita pelo bandido conhecido como Iván Márquez (que foi um dos principais negociadores do processo de paz) não devem ser encarados como o surgimento de um novo grupo. Eles simplesmente estão se juntando aos outros grupos que já estavam organizados.
Há uma aliança com o ELN?
Há alianças com o ELN no departamento de Arauca e foram encontrados na Venezuela líderes de uma das frentes de guerra do grupo, além desses personagens obscuros que vimos ontem [quinta-feira, 29]. Queremos reiterar ao povo colombiano e à comunidade internacional, especialmente aos nossos vizinhos, que o Estado colombiano vai seguir fazendo controle territorial, combatendo o narcotráfico, a extorsão, o sequestro e a exploração de ouro ilegal.
O acordo de paz está ameaçado?
O governo tem sido firme em reafirmar o compromisso de acolher as pessoas que participam do acordo de paz, e os compromissos estão avançando. Nos ETCR (espaços territoriais de capacitação e reincorporação, onde estão concentrados ex-guerrilheiros das Farc em processo de negociação), não temos nenhuma ameaça.
Quantos dissidentes das Farc estão hoje na Venezuela?
Calcula-se mais ou menos 600 bandidos na Venezuela. Eles se sentem seguros lá, longe do alcance das autoridades colombianas.
E quantos integrantes do ELN estão em território colombiano e venezuelano?
São aproximadamente 2.400 bandidos do ELN no total, sendo mil na Venezuela. Estamos falando de Táchira e Apure, onde mais permanecem. E também do Amazonas venezuelano e, em número pequeno, do Amazonas brasileiro. Essa presença no Brasil não é significativa, porque a missão deles não é controle territorial. É muito mais de coordenação com as estruturas de crime organizado brasileiro para temas de narcotráfico, exploração de minas ilegais, tráfico de armas, munições e explosivos. Eles controlam pistas de voos da Amazônia venezuelana e levam drogas até Manaus e depois para os principais portos do país. Também há registro dessas atividades na região do Triângulo Mineiro.
O ouro explorado ilegalmente pelo grupo chega ao Brasil
Sim, o vínculo desse grupo com o Brasil é mais esse dos negócios ilegais. Acredito que podemos neutralizá-lo com os mecanismos de cooperação entre os dois países.
Como é a atuação do ELN na Venezuela? Como se organizam?
A presença do ELN na Venezuela é determinada por algumas variáveis. A primeira é o uso do território venezuelano como uma retaguarda estratégica. Segundo, uma clara conivência das autoridades do regime de Nicolás Maduro com essa organização. E, terceiro, eles não são combatidos e se sentem seguros. Na Venezuela não há um controle fronteiriço em relação aos grupos armados, e as estruturas que mais delinquem ou permanecem na Venezuela são algumas frentes de guerra do ELN. Isso facilita o refúgio de seus líderes.
Qual o tamanho da exploração de ouro ilegal em território venezuelano?
É muito grande, eles estão presentes principalmente nos estados do Amazonas venezuelano e de Bolívar, explorando a região conhecida como Arco Mineiro. Também há presença dessa exploração ilegal nos estados de Apure e Zulia. O ELN controla toda a cadeia da exploração ilegal. Obviamente há também crime organizado, delinquência comum, é uma mescla total e absoluta de ilegalidade e, aliadas a isso, autoridades corruptas.