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A Guerra Omnidimensional: novas concepções do pensamento estratégico militar

Rui Martins da Mota¹ E Carlos E. Franco Azevedo²

Revista da Escola Superior de Guerra

Resumo

Há certo consenso no Pensamento Estratégico Militar tradicional em classificar as guerras ocorridas no Período Moderno em quatro gerações, de acordo com as mudanças qualitativas ocorridas nas condutas táticas.

No entanto, este método de análise compreende uma abordagem ex-post, focada nas características que se sobressaíram de guerras já ocorridas, o que a torna pouco adequada para a análise dos conflitos atuais e futuros.

Considerando o surgimento das “novas” ameaças e desafios que, atualmente, impactam a percepção de segurança da sociedade, bem como seus reflexos, que estão ocasionando verdadeiras revoluções nos assuntos militares, faz-se imperativo buscar uma abordagem ex-ante, focada não mais em fatos arrematados, mas sim num espectro mais amplo de possibilidades.

Em função disso, o presente artigo apresenta uma proposta de abordagem focada no campo de batalha, como espaço de conflito, caracterizando as dimensões que, ao longo do tempo, foram sendo incorporadas por meio do desenvolvimento das inovações tecnológicas, procurando evidenciar, também, a importância da absorção das inovações não tecnológicas, caracterizadas por soluções inovadoras no âmbito da doutrina militar, da organização das forças militares e do preparo e emprego da Expressão Militar do Poder Nacional.

Além disso, o trabalho questiona se as ambiências espacial e tecnológica continuarão servindo para a classificação das guerras e apresenta, de forma sucinta, o conceito de Guerra Omnidimensional.

Para isso, utiliza-se uma abordagem qualitativa de natureza exploratória, seguindo um modelo de ensaio teórico, baseado em Severino (2000), o que permite maior liberdade para a argumentação, interpretação e julgamento dos autores, com vistas a suscitar reflexões inovadoras sobre essas instigantes questões.

1 – Introdução

Desde 1989, com a queda do Muro de Berlim, em função do trabalho desenvolvido pelos pesquisadores William Lind, Keith Nightengale, Joseph Sutton, Gary Wilson e John Schmitt, tem se formado certo consenso no Pensamento Estratégico Militar tradicional em classificar as guerras ocorridas no Período Moderno em quatro gerações, de acordo com as mudanças qualitativas ocorridas nas condutas táticas.

Esta classificação ordenou as guerras segundo a primazia de um dos princípios doutrinários, estabelecidos por pensadores e estrategistas reconhecidos, como Sun Tzu (1983) e Clausewitz (CLAUSEWITZ apud PARET, 2003), ou foram dispostas por critérios de semelhança de suas características fundamentais ou proximidade no período histórico.

No entanto, este método de análise e classificação das guerras com base em gerações é uma abordagem ex-post , focada nas características que se sobressaíram de guerras já ocorridas, o que a torna pouco adequada para a análise dos conflitos atuais e futuros.

Considerando que, na atualidade, as “novas” ameaças e desafios impactam, diuturnamente, a percepção de segurança da sociedade e que elas têm ocasionado verdadeiras revoluções nos assuntos militares e têm gerado a necessidade de serem realizadas profundas transformações dos sistemas de defesa dos países (BERKOWITZ, 2003), faz-se imperativo buscar uma abordagem exante, focada não mais em fatos arrematados, mas, sim, num espectro mais amplo de possibilidades.

Tal abordagem deve permitir a prospecção das ameaças e das oportunidades dos cenários futuros para proporcionar melhor condução da transformação militar e dos sistemas de segurança e de defesa nacionais, tornando-os mais aptos às faces da guerra do século XXI.

Em função disso, o presente artigo apresentará uma proposta de abordagem focada no campo de batalha, enquanto espaço de conflito, caracterizando as dimensões que, ao longo do tempo, foram sendo incorporadas por meio do desenvolvimento das inovações tecnológicas, mas também procurando evidenciar a importância da absorção das inovações não tecnológicas, caracterizadas por soluções inovadoras no âmbito da doutrina militar, da organização das forças militares e do preparo e emprego da Expressão Militar do Poder Nacional.

Além disto, aplicando esta abordagem, serão discutidas algumas características das guerras e conflitos da atualidade e do futuro, fazendo um paralelo com o surgimento das referidas inovações, que potencializam a ocorrência de transformações militares (doutrina, competências dos recursos humanos e sistemas de armas e equipamentos), em ruptura ao status quo vigente.

Além disso, o trabalho questionará se as ambiências espacial e tecnológica para classificação das guerras e apresentará, de forma sucinta, o conceito de Guerra Omnidimensional. O artigo utiliza a abordagem qualitativa de natureza exploratória, no entanto segue um modelo de ensaio teórico segundo Severino (2000), o que permite maior liberdade para a argumentação, interpretação e julgamento dos autores para defender sua posição com vistas a suscitar reflexões inovadoras sobre estas instigantes questões.

Assim, para atingir aos objetivos, o ensaio foi dividido em 5 seções: esta introdução, uma segunda que traz reflexões sobre o fenômeno da guerra, uma terceira que discute as dimensões do campo de batalha, uma quarta na qual é apresentado o conceito de Guerra Omnidimensional e a última que tece as considerações finais do trabalho.

2 – O Fenômeno da Guerra e as Linhas Estratégicas

A guerra é um fenômeno social que se caracteriza pelo choque violento entre vontades coletivas conflitantes, dispostas a empregar todos os meios, recursos e capacidades que lhe estejam disponíveis para submeter, debelar ou transformar a vontade oponente e, assim, satisfazer a sua própria.

Deste conceito, destacam-se dois elementos: o caráter violento da guerra e sua origem com base em vontades coletivas divergentes (CLAUSEWITZ apud PARET, 2003). O entendimento preciso a respeito destes dois elementos é muito importante para a definição das estratégias a serem utilizadas na condução das guerras ou na maneira de evitá-las e interpretá-las.

Basicamente, as estratégias relativas às guerras seguem uma das três seguintes linhas estratégicas fundamentais – a linha das estratégias dissuasivas, a das persuasivas e a das destrutivas.

As dissuasivas são as que buscam impedir a formação de vontades coletivas conflitantes ou a desestimular que tais vontades, já existentes, concorram para o emprego do choque violento como alternativa para efetivação de seus objetivos.

Isto ocorre fazendo saber ou crer ao oponente que essa alternativa lhe custaria um preço muito elevado em perdas de toda ordem. São exemplos dessa linha estratégica as ações da diplomacia, a utilização dos mecanismos de pressão econômica internacional, a demonstração de força militar, a presença militar, a projeção do poder e a dissuasão nuclear (ARON, 1962; BEAUFRE, 1998).

Já as estratégias persuasivas dizem respeito àquelas que buscam a mudança das estratégias já implementadas ou em andamento por parte dos oponentes, particularmente, aquelas estratégias que se valem do conflito armado deflagrado.

Assim, esta linha estratégica visa debelar ou a transformar a vontade coletiva oponente, desgastando-lhe tanto em seus meios, recursos e capacidades, quanto em sua possibilidade de atuação por meio da ação violenta. São exemplos deste tipo de estratégia as já citadas (diplomacia, pressão econômica, etc.), mas também as guerras irregulares de resistência, os movimentos de insurgência e as ações terroristas, cujos perpetradores não possuem recursos suficientes para optarem por uma estratégia destrutiva definitiva (SUN TZU, 1983).

Entretanto, destaca-se que esta opção não é exclusiva de coletividades sem meios suficientes para empreender uma linha destrutiva. A opção persuasiva também poderá ser adotada por coletividades que julguem ser suficiente conduzir um conflito violento limitado, visando tão somente à transformação da vontade oponente por meio da combinação de ações diretas e indiretas, buscando a surpresa e o desgaste do oponente (LIDDELL HART apud PARET, 2003).

Por último, têm-se as estratégias destrutivas , que são aquelas que empregam o choque violento, em sua plenitude máxima, visando eliminar os meios, os recursos e as capacidades oponentes a fim de submeter definitivamente a vontade coletiva conflitante.

São exemplos desta linha as guerras regulares clássicas e os conflitos convencionais, mas também as operações militares de contraterrorismo e de contrainsurgência, empreendidas por tropas numérica e materialmente superioras contra coletividades restritas, uma vez que, via de regra, a estratégia comum do lado superior é a destruição definitiva da capacidade de violência do oponente (CLAUSEWITZ, 1993).

O Brasil, por suas tradições pacíficas e de conciliação, alinha-se com a estratégia da dissuasão e isso se torna um fator indutor das ações políticas, econômicas, militares e sociais que envolvem a função Defesa. No campo militar, em particular, este posicionamento influencia o comportamento organizacional e doutrinário das Forças Armadas, impactando o que Durkhein (1973) chamou de “consciência coletiva”.

3 – Análise Estratégica pelas Dimensôes do Campo de Batalha

Feitas essas considerações, verifica-se que, ao longo do tempo, de um conflito para outro, novas dimensões de atuação militar foram sendo incorporadas ao campo de batalha, induzindo mudanças e impondo constantes modernizações na estruturação e nos meios de emprego dos exércitos.

Sem dúvida, as inovações foram as grandes responsáveis pela incorporação destas novas dimensões no campo de batalha. Se, por um lado, as inovações tecnológicas, graças à ampliação das capacidades dos elementos beligerantes, desempenharam um papel muito relevante na incorporação das novas dimensões do campo de batalha, por outro, no entanto, foram as inovações não tecnológicas os fatores determinantes para que as transformações dos exércitos fossem concretizadas.

Foi, portanto, a combinação das inovações tecnológicas com as não tecnológicas[3] que possibilitou o avanço das concepções estratégicas, a modernização material dos exércitos e a transformação militar. Em decorrência disso, a incorporação de novos espaços de atuação do poder militar permitiu o estabelecimento de objetivos mais ousados, cuja conquista se refletiu em efeitos favoráveis aos detentores das melhores capacidades tecnológicas e das doutrinas militares mais originais, desequilibrando sobremaneira os desdobramentos das guerras seguintes.

Num primeiro momento, a limitação tecnológica dos armamentos em termos de alcance e letalidade restringiu tão somente o espaço de combate à frente de batalha , que se constituía, portanto, na única dimensão empregada nos combates daquele momento.

Os objetivos se limitavam aos pontos físicos do terreno à frente do dispositivo da tropa inimiga ou aos elementos de manobra do primeiro escalão. Nesses conflitos, de dimensão linear, em que os dois exércitos oponentes se desgastavam mutuamente em confronto direto, o valor e a capacidade guerreira da Infantaria e da Cavalaria, bem como a capacidade de concentrar tropas nos pontos decisivos se constituíam nos fatores preponderantes para a vitória militar ( CLAUSEWITZ , 1993).

Posteriormente, as inovações tecnológicas, tais como o desenvolvimento dos canhões e dos tiros de Artilharia e o aumento do alcance das armas de fogo, em conjugação com as inovações não tecnológicas, como a concepção de novo emprego doutrinário para os carros de combate, possibilitaram a incorporação de uma segunda dimensão ao campo de batalha (2ª DCB) – a profundidade.

Assim, objetivos em profundidade em relação ao dispositivo inimigo foram sendo estabelecidos, de modo a permitir a obtenção da surpresa e a conquista de alvos estratégicos no seio do dispositivo inimigo. O desenvolvimento tecnológico da Artilharia em alcance estratégico, proporcionados por lançadores de foguetes e mísseis de longo alcance, muito bem caracteriza a exploração da profundidade (2ª DCB).

Esta nova capacidade resultou em transformações militares profundas, uma vez que se tornou possível atingir o centro de gravidade do inimigo valendo-se de meios indiretos ou de aproximação indireta, que potencializam a surpresa (LIDDEL HART apud PARET, 2003).

Da mesma forma, a nova doutrina de emprego de blindados, que se constitui num exemplo de inovação não tecnológica, permitiu a exploração da segunda dimensão do campo de batalha, possibilitando a multiplicação do poder de combate.

As tropas blindadas e mecanizadas, já existentes e tradicionalmente utilizadas na primeira dimensão do campo de batalha, tiveram seu emprego remodelado e passaram a ser empregadas de modo a evitar os pontos mais fortes do dispositivo inimigo, localizados na frente de batalha (LIDDEL HART apud PARET, 2003).

A Blitzkrieg nazista, termo alemão para guerra-relâmpago, e a guerra de movimento, utilizando as manobras de desbordamento e envolvimento, tornaram- se os modelos táticos clássicos do melhor exemplo de exploração da profundidade do campo de batalha (2ª DCB) (HOUSE, 2008).

Em função disso, a “área” (Teatro de Operações) foi gradativamente sendo ampliada em profundidade, caracterizando a bidimensionalidade do campo de batalha. Ainda em relação à incorporação da 2ª DCB, o desenvolvimento da doutrina de emprego de Forças de Operações Especiais, que se constitui num exemplo de inovação não tecnológica, permitiu a exploração da profundidade do campo de batalha (DENÉCÉ, 2009).

A capacidade dos elementos de forças especiais em se infiltrar em território hostil e atingir a retaguarda do dispositivo inimigo, de onde passariam a interditar alvos localizados no centro do “sistema nervoso” oponente, por meio de ações diretas ou valendo-se de ações subterrâneas perpetradas por elementos selecionados da própria população do país inimigo, revela o domínio sobre a dimensão de profundidade.

Ininterruptamente, as inovações continuaram a conjugar e a impulsionar a dinâmica das guerras e a organização dos exércitos e, assim, uma terceira dimensão foi incorporada.

O desenvolvimento dos meios da aviação militar e dos submarinos permitiu a atuação militar nos vetores aeroespacial e subaquático , dando forma à terceira dimensão do campo de batalha (3ª DCB). Vale ressaltar que a exploração da 3ª DCB não ocorreu historicamente após o surgimento dos conflitos da 2ª DCB.

Os conflitos explorando a segunda e a terceira dimensão do campo de batalha se desenvolveram de forma simultânea, ao mesmo tempo em que eram desenvolvidas e implementadas as invenções tecnológicas que possibilitaram sua exploração.

Destaca-se que a exploração da 3ª DCB se caracteriza por sua utilização como vetor de ataque com capacidade de interditar alvos na frente e em profundidade do campo de batalha. Portanto, são exemplos da incorporação da 3ª DCB a realização das campanhas aeroestratégicas, a utilização de helicópteros e dos Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT’s), e ainda os assaltos de tropas aeroterrestres e aeromóveis, os ataques dos submarinos torpedeiros e de mergulhadores de combate.

O desenvolvimento recente de inovações tecnológicas, como o domínio do espectro eletromagnético e das redes lógicas, conjugadas com a implantação de inovações não tecnológicas, particularmente de caráter doutrinário, tais como a exploração dos vetores psicológicos e humanos, tornou possível a exploração de aspectos não físicos do campo de batalha, caracterizando o início da incorporação de uma quarta dimensão ao campo de batalha (4ª DCB) – a dimensão não tangível.

Portanto, os vetores do espectro eletromagnético, as estruturas das redes lógicas, os sistemas de comando e controle e o processo decisório inimigo se tornaram alvos a serem conquistados.

De forma semelhante, o próprio pensamento do oponente, suas opiniões e a disposição de seus soldados e de sua população para um conflito passaram a se constituir em objetivos estratégicos de guerra. Alvos anteriormente inimagináveis e até mesmo inatingíveis foram estabelecidos, a partir de então, tendo em vista sua vulnerabilidade, com efeitos favoráveis surpreendentes.

Com base na 4ª DCB, novos conceitos de guerra estão em desenvolvimento: Guerra Eletrônica, Guerra Cibernética, Guerra Psicológica, Guerra da Informação, Guerra Biológica e outros. Em síntese, as inovações continuarão a promover as transformações da guerra e dos exércitos, incorporando novos elementos de combate ao campo de batalha.

Certamente, algumas vezes, retrocessos ocorrerão e algumas invenções não se converterão em inovações militares, bloqueando o processo de transformação militar. Diante disso, como devemos analisar as guerras do futuro? Será que somente as dimensões físicas (espaço) e/ou as tecnologias poderão continuar a rotular a guerra sem perder sua finalidade em curto prazo?

O fato é que o método de análise baseado nas gerações de guerra se apresenta como lente de curto alcance para se analisar e classificar as novas ambiências que continuamente são incorporadas nas guerras do futuro.

4 – A Guerra Omnidimensional

Que tipo de guerra se espera para o século XXI – linear ou em profundidade? Serão conflitos de segunda, terceira ou quarta dimensão? Que o tipo de conflito ou de crise se pode esperar diante das novas formas de ameaças e da enorme velocidade dos avanços tecnológicos?

De fato, parece muito complexo realizar a análise das guerras, levando-se em conta somente a ambiência física ou tecnológica de forma estanque. De acordo com Amarante (2009), a humanidade, em seu “voo”, observou uma evolução tecnológica assimétrica em termos quantitativos.

Segundo o autor, até meados do século XVIII, o mundo assistia a uma mudança tecnológica a cada 228 anos. Porém, segundo ele, “nos últimos 258 anos, surgiram 66 tecnologias de impacto, ou seja, uma nova tecnologia a cada quatro anos”.

Em realidade, com a explosão tecnológica vivenciada, especialmente, nos últimos 50 anos, os especialistas tentam conceituar e explicar os conflitos pela tecnologia empregada: eletrônica, cibernética, biológica, etc.

Com a exceção das armas nucleares[4] , nenhuma arma atual por si só, mesmo as mais revolucionárias, conseguiram a magnitude e perenidade para denominar a guerra do futuro.

Obviamente, tais conceitos são importantes para entender o presente, mas não dão nenhuma indicação de como serão travadas as guerras do futuro, embora tal convenção seja uma boa ferramenta para análise e planejamento de tendências de curto e médio prazo.

O conceito de “guerra assimétrica” tentou retirar ou camuflar as ambiências físicas e tecnológicas. Entretanto, qual guerra não é assimétrica, já que sempre existe superioridade de uma das partes, favorecendo o resultado em vencedores e vencidos?

No momento em que se vivencia apenas o início da Era da Informação ou do Conhecimento (CASTELLS, 1996), as guerras recentemente travadas, como a Guerra do Golfo (1990), a Guerra do Iraque (a partir de 2003) e do Afeganistão (a partir de 2001) e a Guerra Global Contra o Terror (a partir de 2001), têm revelado que os conflitos estão ocorrendo em todas as dimensões do campo de batalha, o que permite defini-los como Guerras Omnidimensionais.

Se no nível tático, as operações atuais são de amplo espectro, conforme nomenclatura americana, no nível estratégico as guerras são cada vez mais omnidimensionais. Tal fato demonstra a importância fundamental de que todas as Expressões do Poder Nacional estejam habilitadas e comprometidas em atuarem nos novos espaços criados pela incorporação de novas dimensões do campo de batalha, conforme sugere a nova Estratégia de Defesa Nacional, que foi entregue ao Congresso Nacional para aprovação em 2012.

Ou seja, a Defesa Nacional deixou de ser função exclusiva dos poderes naval, terrestre e aeroespacial, passando a depender de todas as expressões do Poder Nacional operando conjuntamente por meio de seus órgãos e agências.

No cenário atual, marcado por novas formas de ameaças, que surgem pelo incremento tecnológico e informacional, ao invés de aumento de efetivos militares, verifica-se uma redução de efetivos militares ao mínimo indispensável para garantir a presença territorial. Isto significa o fim da Guerra?

Ou as nações tecnologicamente mais desenvolvidas perceberam uma nova forma de obterem vantagens e outros meios de coerção sobre as demais nações?

Há uma aceitação da redução do uso da violência armada para resolução de conflitos e a interpretação de que há outro caminho para se atingir o mesmo resultado. Este caminho é representado pela Guerra Ominidimensional.

Uma guerra que não será caracterizada por dimensões ou espaços (tangíveis ou não); nem por uma ou por outra tecnologia. Será uma guerra caracterizada pela multidimensionalidade e pela utilização de toda tecnologia disponível em todo espaço possível. A guerra parece estar renascendo com outro formato.

O ataque financeiro realizado por George Soros no Sudeste Asiático, os ataques terroristas conduzidos por Osama Bin Laden às embaixadas norte-americanas e ao World Trade Center , o ataque com gás Sarin no metrô de Tókio, realizado pelos discípulos de AumShinriKyo, os ataques cibernéticos de 2007 e 2009 e a devastação causada por Morris Jr. na Internet, todos esses são eventos cujos graus de destruição são comparáveis aos de uma guerra convencional.

Esses acontecimentos representam uma forma embrionária de um novo tipo de guerra, na qual os Princípios de Guerra não mais indicarão “o emprego da força armada para compelir um inimigo a submeter-se”, e sim, “a utilização de todos os meios, militares e não militares, letais e não letais, para compelir o adversário a submeter-se” (LIANG e XIANGSUI, 1999).

Infere-se, portanto, que toda nação, ainda que de índole pacífica, como o Brasil, precisará estar preparada para se defender em todas as dimensões do campo de batalha, ou seja, defender-se contra a Guerra Omnidimensional.

A análise da Guerra Omnidimensional é diacrônica, ou seja, deve ser realizada levando-se em consideração a evolução temporal do conflito: ataques financeiros; cibernéticos; batalhas baseadas em rede, com alvos estratégicos; suspensão temporária ou total da rede de internet ou de suas funcionalidades; ataques terroristas discretos ou de grande impacto. Todas estas ações fazem parte de uma escalada do conflito, que pode culminar num combate militar tradicional de segunda e terceira dimensão.

Em outras palavras, em dado momento, a guerra pode ser travada em uma dimensão e, em outro momento, ser consolidada em uma dimensão distinta. O conflito poderá ser vencido sem um único disparo, evidenciando competência de uma das partes para obter a vitória sem a violência militar, o que não quer dizer que não tenha havido violência política, econômica, tecnológica ou de outra ordem.

A guerra está se submetendo às mudanças tecnológicas e do sistema de mercado e será desencadeada de formas atípicas. No entanto, a despeito das formas que a violência possa assumir, a guerra continuará sendo um confronto violento, e as mudanças, em sua aparência externa, não impedirão que ela continue a ser regida pelos Princípios de Guerra que sempre nortearam as ações militares.

Da mesma forma, o axioma de Clausewitz (1993) – “A guerra é a continuação da política por outros meio…” (CLAUSEWITZ, 1993) – continuará a valer e até se fortalecer.

A grande diferença é que, num futuro previsível, as operações militares não constituirão mais a totalidade da guerra e, ao contrário, formarão uma das dimensões de um espectro multidimensional. Tal espectro poderá incorporar a dimensão da guerra não militar: guerra ecológica; comercial; financeira; centrada em redes interativas e outras (LIANG; XIANGSUI, 1999).

Conjectura-se, também, que a guerra do futuro desenvolver-se-á, simultaneamente, tanto no espaço macroscópico, como também no espaço mesoscópico e no espaço microscópico, cada qual definido por suas propriedades físicas e tecnológicas específicas, e que no seu todo configurarão um extraordinário campo de batalha, sem precedentes nos anais da história da guerra. (LIANG; XIANGSUI, 1999).

Pode-se dizer, ainda, que, com a ambiência tecnológica dos tempos que estão por vir, onde o “espaço nanométrico[5]” já se manifesta no rastro das redes interativas, há algum indício de que a guerra pode ocorrer, até, sem o envolvimento direto de seres humanos. As armas de hoje podem ser consideradas anacrônicas, pelo fato de suas características básicas de emprego ainda serem mobilidade e poder letal.

Até mesmo as chamadas “bombas inteligentes”, dotadas de sistemas de guiamento de precisão e outras armas semelhantes ditas de “alta-tecnologia”, não acrescentaram inovações concepcionais, ou seja, apenas os seus elementos de arquitetura estrutural e de inteligência foram inovados ou aprimorados.

Para o futuro, serão necessárias armas com novas concepções, capazes de fornecer vantagem competitiva aos exércitos, pela agregação de poder não letal ao tradicional poder da “pólvora”. Isso garantirá poder dissuasório.

Desse modo, é por este motivo que algumas nações com visão prospectiva, ao invés de única e simplesmente priorizarem os cortes de efetivos, estão enfatizando: a elevação da qualificação técnica do seu pessoal; o incremento do nível de tecnologia avançada e semi-avançada incorporada ao seu armamento; e a atualização do pensamento militar e doutrinário.

O Quadro 3, apresenta o relacionamento das inovações tecnológicas com as não tecnológicas. Nele, podem ser observados alguns exemplos de que foi a combinação das inovações tecnológicas com as não tecnológicas que possibilitou o avanço das concepções estratégicas, a modernização material dos exércitos e a transformação militar.

Em decorrência disso, a incorporação de novos espaços de atuação do poder militar permitiu o estabelecimento de objetivos mais ousados, cuja conquista se refletiu em efeitos favoráveis aos detentores das melhores capacidades tecnológicas e das doutrinas militares mais originais, desequilibrando sobremaneira os desdobramentos das guerras seguintes.

De acordo com Amarante (2008), até o início da Revolução Industrial, a humanidade observava o surgimento de uma única tecnologia de impacto a cada 228 anos. Porém, nos últimos 260 anos, surgiram em média uma a cada 4 anos.

Com esta explosão tecnológica, que caracteriza o início da Era da Informação ou do Conhecimento (CASTELLS, 1996), constatamos que as guerras recentemente travadas, como a Guerra do Golfo (1990), a Guerra do Iraque (a partir de 2003) e do Afeganistão (a partir de 2001) e a Guerra Global Contra o Terror (a partir de 2001), têm revelado que os conflitos estão ocorrendo em todas as dimensões do campo de batalha, o que permite defini-los como Guerras Omnidimensionais.

Este fato demonstra a importância fundamental de que todas as Expressões do Poder Nacional estejam habilitadas e comprometidas em atuarem nos novos espaços criados pela incorporação de novas dimensões do campo de batalha, conforme sugere a nova Estratégia de Defesa Nacional, que foi entregue ao Congresso Nacional para aprovação em 2012.

Ou seja, a Defesa Nacional deixou de ser função exclusiva dos poderes naval, terrestre e aeroespacial, passando a depender de todas as expressões do Poder Nacional operando conjuntamente por meio de seus órgãos e agências.

O fenômeno da Guerra Omnidimensional demonstra, também, a importância de uma gestão única e integrada das inovações tecnológicas e não tecnológicas no setor de Defesa.

5 – Considerações Finais

Enfim, o futuro da guerra terá como limitação ou estímulo tão somente a criatividade das invenções, convertidas em inovações tecnológicas de uso militar, e a originalidade do pensamento estratégico, convertido em inovação não tecnológica, cuja combinação de uma e outra conduzirá as transformações militares.

Indiscutivelmente, esta nova agenda deverá levar em consideração o surgimento das novas dimensões do campo de batalha, que foram, ao longo do tempo, sendo incorporadas não somente em decorrência do desenvolvimento das inovações tecnológicas, mas também por conta das inovações não tecnológicas.

O caráter omnidimensional das guerras do futuro induz a que todas as Expressões do Poder Nacional estejam habilitadas a atuarem nos espaços criados por estas novas dimensões do campo de batalha, que não são mais aquelas convencionais com as quais se está habituado.

A Defesa, não é função exclusiva dos poderes Naval, Terrestre e Aeroespacial. E, por isso, todo aparato de Segurança e Defesa do Estado-Nação deve conhecer, com profundidade, as diversas dimensões em que são ou serão travados os novos conflitos, sejam eles bélicos ou não.

Sinteticamente, pode-se dizer que tais dimensões são: tangíveis e intangíveis. As tangíveis durante um longo tempo, antes mesmo do advento das armas de fogo, eram formadas por campos de batalha pequenos e compactos, onde o enfrentamento se dava a curta distância entre dois Exércitos, podendo ser executado em uma pequena área de terreno plano, desdobrando-se por trilhas entre montanhas ou, para dentro dos limites de uma cidade.

Na perspectiva militar atual, esta dimensão representaria uma locação pontual e linear no âmbito de um mapa militar e não teria tanta relevância. Enfim, o caráter omnidimensional da Guerra está trazendo nova configuração para análise e planejamento das guerras.

Os especialistas em Defesa (civis e militares) não podem estar limitados a elaborar cenários com base em uma ou outra dimensão do combate e devem envidar esforços para desenvolver na sociedade a mentalidade de Defesa.

3 – As inovações não tecnológicas são aquelas soluções inovadoras, obtidas por meio de um pensamento original, fora dos padrões convencionais da época, por meio das quais a estrutura dos exércitos é reorganizada e a doutrina militar vigente é readaptada às novas possibilidades tecnológicas, às novas demandas e aos novos desafios surgidos, gerando uma vantagem estratégica (ou tática) fundamental para a obtenção da vitória militar.

4 – De fato, a tecnologia nuclear foi uma inovação suficientemente capaz de classificar por si só um tipo específico de guerra – a Guerra Nuclear. No entanto, suas características de grande letalidade e de baixa capacidade de controle sobre os resultados levaram a um paradoxo estratégico, denominado impasse nuclear, que, de certa forma, impediu sua utilização de outra forma que não fosse tão somente como meio de dissuasão estratégica, minimizando sua validade como um tipo de guerra independente.

5 – De nanotecnologia. Vale dizer o termo “nano” (do grego: “anão”) é um prefixo usado nas ciências para designar uma parte em um bilhão e, assim, um nanômetro (1nm) corresponde a um bilionésimo de um metro.

Referências:

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AMARANTE, José Carlos Albano do. O voo da humanidade . Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército (BIBLIEX), RJ, 2009.

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BEAUFRE, André. Introdução à estratégia . Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército (BIBLIEX) Editora, 1998.

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DENÉCÉ, Éric. A história secreta das forças especiais – de 1939 a nossos dias. São Paulo: Larousse, 2009.

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Os Autores:

¹Mestre em Operações Militares pelo Departamento de Ensino e Cultura do Exército, da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (ESAO). Atualmente, é doutorando pela Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME). Contato: ruimartinsmota@gmail.com

²Mestre em Ciências Militares pelo Departamento de Ensino e Cultura do Exército, da Escola de Comando e Estado Maior do Exército (ECEME), onde atualmente leciona. Doutorando pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (Ebape-FGV). Contato: francoazevedo@globo.com

Fonte:

MOTA, Rui Martins da; AZEVEDO, Carlos E. Franco. A GUERRA OMNIDIMENSIONAL:.

Revista da Escola Superior de Guerra, [S.l.], v. 27, n. 55, p. 55-68, aug. 2017. ISSN 0102-1788. Disponível em: http://bit.ly/2lWXFKQ . Acesso em: 05 sep. 2019.

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