Brian Frey e Lucas Queiroz Pires
são, respectivamente, sócio e advogado de
Comércio Internacional do Alston & Bird, LLP, nos EUA
As sanções dos EUA têm ocupado lugar de destaque no noticiário recentemente, como por exemplo a expansão das sanções contra a Venezuela e o Irã. As últimas inclusive afetaram empresas no Brasil, em razão da importação de ureia por uma empresa brasileira e da disputa judicial envolvendo o abastecimento de embarcações iranianas pela Petrobrás (que culminou no Supremo Tribunal Federal). Esses acontecimentos reforçam a necessidade de discutir os programas de sanções dos EUA e suas potenciais implicações para empresas brasileiras.
As sanções são impostas pelos EUA como instrumento de pressão política e econômica, pautada pela política externa americana e por razões de segurança nacional. Ainda que não haja impedimento na legislação brasileira para que uma empresa brasileira transacione com uma empresa iraniana ou venezuelana, as sanções americanas podem ser aplicáveis sobre a empresa.
Cabem aos operadores de comércio exterior se alertarem sobre os riscos de violar essas sanções, tais como de restringir o acesso ao mercado norte-americano ou ao sistema financeiro internacional. Dada a centralidade da economia dos EUA e do dólar como moeda de transações internacionais, esses riscos são extensos.
Há dois tipos de sanções nos EUA. Sanções primárias ocorrem quando os EUA detêm jurisdição sobre a pessoa ou empresa. Penalidades ao violar sanções primárias podem ser multas ou encarceramento. O outro tipo são as sanções secundárias, que aplicam ainda que não haja jurisdição dos EUA. As penalidades das sanções secundárias podem se dar de diversas formas, tais como pelo controle de exportações ou importações dos EUA, proibição de viagens, congelamento de ativos, remoção do sistema financeiro americano ou outras restrições na atividade econômica de certos países e entidades sancionados.
A lei americana confere ao Presidente vasta autoridade no direcionamento das sanções. A extensão das atuais sanções ao Irã foi imposta pela administração de Trump a partir maio de 2018, após a saída unilateral dos EUA do Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA, na sigla em inglês, também conhecido como acordo nuclear do Irã). O acordo previa o alívio das sanções em troca de limitação iraniana nas suas atividades nucleares.
Com a saída dos EUA do JCPOA em 2018, as sanções secundárias foram retomadas e novas sanções secundárias foram impostas envolvendo, por exemplo, restrições na comercialização de metais brutos ou semiacabados (como alumínio e aço), carvão, autopeças, aeronaves, operadores de portos, nos setores de navegação e construção naval do Irã, petróleo, produtos do petróleo e produtos petroquímicos (como ureia), setor financeiro e serviços de seguro e resseguro. As regras para a imposição de sanções secundárias são amplas e podem abranger quaisquer entidades envolvidas na “compra, aquisição, venda, transporte ou comercialização” de produtos sancionados, inclusive instituições financeiras que facilitem essas transações.
A implementação dos programas de sanções está a cargo de agências especializadas, especialmente o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (“Office of Foreign Assets Control” – OFAC) vinculado ao Departamento do Tesouro dos EUA. O OFAC atualiza regularmente a “Lista de Nacionais Especialmente Designados e de Pessoas Bloqueadas” (“Specially Designated Nationals and Blocked Persons List”), ou lista SDN, que identifica indivíduos e entidades estrangeiras envolvidos em atividades contrárias aos programas de sanções dos EUA.
Apesar de cada programa de sanções ser distinto, a legislação americana normalmente impede que qualquer pessoa “viole, tente violar, conspire para violar ou provoque uma das sanções da OFAC”. Ainda, em diversas situações, se uma pessoa ou empresa assistir, auxiliar, fornecer apoio financeiro, material, tecnológico, ou bens e serviços para pessoas incluídas na Lista SDN, elas também estão sujeitas a serem incluídas na lista SDN ou até a outras sanções.
Essas previsões legais e a lista SDN ilustram os efeitos “extraterritoriais” das sanções secundárias norte-americanas. Uma vez listado como “SDN”, um indivíduo ou empresa estrangeira terá ter seus ativos e propriedades sujeitos à bloqueados ou congelados, bem como ser proibido de fazer negócios com qualquer empresa ou indivíduo sujeito à jurisdição dos EUA.
Entidades estrangeiras, sobretudo bancos, não farão negócios com uma parte listada como SDN pelo risco de sanções secundárias. Isso inclui bancos brasileiros que operem no mercado norte-americano. Instituições financeiras globais costumam monitorar a lista SDN, bem como avaliar riscos de inclusão nessa lista para processar suas transações de modo a evitar penalidades das sanções americanas.
Portanto, no caso da Petrobrás, a preocupação era bem fundamentada: o abastecimento de embarcações iranianas na lista SDN pode implicar em uma operação vedada pelo atual programa de sanções dos EUA com o Irã. Isso representa um sério risco no acesso ao mercado nos EUA, no qual a empresa detém diversas operações.
Há, contudo, a possibilidade do governo americano emitir licenças, gerais ou específicas, estabelecendo exceções aos programas de sanções vigentes. É comum às empresas dos EUA, bem como a grandes empresas estrangeiras, levarem diretamente ao OFAC demandas específicas sobre suas operações de exportação ou importação, de forma cooperativa, de modo a evitar as penalidades cabíveis.
Em abril de 2019, uma transportadora marítima italiana e suas embarcações de petróleo e produtos químicos foram adicionadas à lista SDN por transportarem petróleo venezuelano embargado para Cuba. Após alguns meses de interlocução com o OFAC, as empresas de navegação italianas foram removidas da lista SDN.
A legislação americana, ordens executivas e instruções normativas do OFAC devem ser consideradas conjuntamente na interpretação dos programas de sanções. Há diversos escritórios de advocacia e consultorias especializadas nos EUA que auxiliam com essas demandas e na interlocução das empresas com o OFAC.
O fundamental, contudo, é entender o risco de que as sanções impostas pelos EUA, tais como as atuais contra o Irã e Venezuela, podem ter seus efeitos reverberados para partes estrangeiras, inclusive na aplicação de suas penalidades e restrição ao mercado americano e financeiro internacional.
Importante
A emprega gaucha PETROPAR teve suas transações bancárias nos mercados internacionais (New York, Londres, Frankfurt), interrompidas.
Após busca por qual motivo de suas operações estarem sendo negadas pelos bancos veio a resposta. A similiaridade do nome com a empresa petrolífera iraniana, chamada de PETROPARS.
Mesmo com toda a documentação em contrário do vínculo com a empresa iraniana, que estava e ainda permanece embargada, a empresa brasileira só teve uma alternativa, trocar o nome.
Chama-se agora ÉVORA. O fato ocorreu em 2013.