Guillermo D. Olmo
Nascido em Teerã, ele foi um colaborador dos serviços de inteligência israelenses. Forneceu armamentos para os aiatolás no Irã. Representou o polêmico ex-presidente do Zimbábue Robert Mugabe, e, mais recentemente, a junta militar que governa o Sudão.
Agora, defende nos Estados Unidos o que considera ser uma solução para a crise política na Venezuela. Ari Ben-Menashe é diretor da empresa canadense Dickens & Madson, dedicada ao lobby.
O portal americano Politico publicou recentemente que a Dickens & Madson foi contratada por Henri Falcón, rival do presidente Nicolás Maduro nas eleições de maio de 2018, para convencer os governos de Estados Unidos, Rússia e outros países a apoiá-lo como candidato à Presidência da Venezuela na tentativa de resolver um impasse entre Maduro e o líder da oposição, Juan Guaidó.
"A empresa está se preparando para pressionar o Executivo e/ou o Legislativo americanos a apoiar os esforços do Partido Avazada Progresista para eleger Falcón", afirma o documento apresentado ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que também especifica que o valor do contrato é de US$ 200 mil (R$ 758,3 mil).
Logo depois da notícia vir à tona, Francisco Rodríguez, economista venezuelano baseado nos Estados Unidos que assessora Falcón, disse que a inclusão dessa pretensão presidencial nos documentos foi um "erro administrativo". A nova redação do documento afirma que se trata de "buscar uma solução pacífica para a crise política, humanitária e econômica da Venezuela".
Falcón disse à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, que a única coisa que seu partido fez foi "contratar legalmente serviços profissionais e de representação no exterior, assim como muitas outras organizações políticas venezuelanas". A BBC News Mundo não conseguiu contato com Ben-Menashe.
Mas quem exatamente é esse judeu nascido no Irã há 68 anos? E por que Falcon e seu partido acreditam que isso pode influenciar um dos governos mais poderosos do mundo em uma questão tão crucial quanto a situação na Venezuela?
Agente secreto de Israel
Ben-Menashe é um velho conhecido no mundo global de inteligência. Quando, em 2012, o site Wikileaks começou a publicar os emails que vazaram da empresa de inteligência americana Stratfor, ele foi mencionado por alguns deles.
Em uma mensagem, um jornalista israelense avisou o chefe de segurança da empresa americana que Ben-Menashe é "um golpista", e o aconselhou: "Fique longe dele".
Ben-Menashe é famoso nos círculos dedicados à segurança nacional em Israel. Em 1977, começou a trabalhar na Aman, a agência de inteligência militar israelense, onde, como disse anos depois, sua carreira foi favorecida por seu domínio das línguas inglesa, árabe e persa.
Quando, em 1979, a revolução dos aiatolás triunfou no Irã, sua ligação com o país se mostrou especialmente útil aos olhos de seus comandantes.
De acordo com seu próprio relato, ele esteve envolvido como agente israelense no caso conhecido como Irã-Contras, um escândalo que atingiu vários funcionários do governo de Ronald Reagan (1911-2004) nos Estados Unidos acusados de envolvimento na venda armas ao Irã, apesar do embargo que na época vigorava em relação ao país islâmico.
Isso também respingou sobre Ben-Menashe, que, em 1989, foi preso nos Estados Unidos acusado de tentar vender três aviões para os iranianos. Já em liberdade, enfrentando aqueles que haviam sido seus ex-empregadores israelenses, ele começou a fazer revelações explosivas.
Disse que, em 1980, participou de negociações secretas para adiar a libertação dos reféns americanos detidos pelo governo iraniano.
Ben-Menashe afirmou que membros do Partido Republicano, incluindo o ex-presidente George H. W. Bush (1924-2018), se reuniram secretamente com líderes do governo iraniano para que os reféns não fossem libertados antes das eleições, o que favoreceria as aspirações à reeleição do então presidente Jimmy Carter, que enfretava Reagan.
Uma comissão de investigação da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos que o questionou por um longo tempo concluiu que o relato de Ben-Menashe era uma "invenção total".
Seja como for, Ben-Menashe deu sua versão do que ele viveu em seus anos como agente secreto, com a publicação em 1992 de seu livro Profits of War: Inside the secret U.S-Israeli Arms Network (Lucros da Guerra: por dentro da rede secreta de armas Israel-EUA, em tradução livre).
À sombra de Mugabe
Em 2002, o ex-agente secreto ganhou as manchetes por seu envolvimento em um episódio sombrio em meio à campanha eleitoral no Zimbábue.
Morgan Tsvangirai, líder da oposição, foi acusado de tentar assassinar o então presidente do país, Robert Mugabe, e foi julgado por traição pouco antes de uma eleição em que as pesquisas o colocavam em vantagem.
A prova de acusação contra Tsvangirai foi a gravação de um encontro com Ben-Menashe no qual se falava em "eliminar" Mugabe, que havia contratado o ex-agente israelense, que havia se instalado no Canadá e montado sua empresa de lobby no país. Tsvangirai disse ter sido vítima de uma farsa com fins políticos e foi absolvido.
Embora Mugabe seja uma figura polêmica e tenha sido acusado de violações de direitos humanos e crimes contra a humanidade, Ben-Menashe disse em uma recente entrevista ao programa Newshour, da BBC, que tinha "orgulho" de tê-lo representado.
Com os militares do Sudão
Antes de se relacionar com a Venezuela, Ben-Menashe estava envolvido em outras questões controversas na África.
O lobista foi contratado por Jalifa Hafter, o militar à frente do autointitulado Exército Nacional da Líbia e que na primavera passada lançou uma ofensiva contra a capital do país e o precário governo de unidade nacional instalado com o apoio da Organização das Nações Unidas (ONU).
A junta militar que governa o Sudão desde a queda do presidente Omar al-Bashir, em abril passado, também recorreu aos seus serviços para obter cobertura jornalística favorável e reconhecimento de governos ocidentais.
Ben-Menashe confirmou que a junta pagará US$ 6 milhões, entre outras coisas, para que seus membros tenham uma reunião com o presidente americano, Donald Trump.
Uma quantia considerada escandalosa por muitos, dada a situação do país, em meio às acusações contra militares sudaneses de repressão violenta de manifestantes pacíficos.
"Eles querem estabelecer um novo governo liderado por um economista de prestígio para por ordem na economia", disse Ben-Menashe recentemente, que afirmou que sua colaboração segue o desejo dos militares de "explicar o que estão fazendo e quais são seus objetivos".
Por que agora Falcón?
Muitos na oposição venezuelana criticaram Falcón por participar das eleições de 2018. Enquanto a maioria dos oponentes de Maduro decidiu não participar de eleições que eles consideravam injustas, muitos críticos do presidente venezuelano interpretaram sua participação como uma forma de legitimar a "farsa eleitoral".
A partir do não reconhecimento dessas eleições, a oposição considerou Maduro um "usurpador", e é por isso que Guaidó se declarou "presidente interino" em virtude de sua posição como presidente da Assembléia Nacional.
A defesa contra essas acusações de Falcón, que era chavista, depois opositor e agora se apresenta como uma terceira via, estava implícita no lema de sua campanha: "Se votarmos, ganhamos".
Agora que o governo venezuelano e representantes de Guaidó negociam, sob a mediação da Noruega, um acordo que poderia levar a novas eleições, Falcón parece ter retomado seus planos.
A contratação de Ben-Menashe para melhorar sua influência e reputação em Washington não tem sido seu único movimento depois de muitos meses de quase nenhuma atividade pública.
Há alguns dias ele apresentou o programa "Petróleo por Comida" em Caracas, segundo o qual a Venezuela receberia ajuda humanitária em troca de petróleo bruto e poderia, assim, reduzir o impacto das sanções dos Estados Unidos.
Quando a BBC News Mundo perguntou se ele gostaria de ser o candidato novamente nas próximas eleições, ele respondeu: "Não é uma questão pessoal, mas trata-se de devolver a governabilidade ao país". E, para isso, ele contratou o polêmico Ben-Menashe.