Marcelo Godoy
O Estado de S.Paulo
29 de julho de 2019
Caro leitor,
Não é só para o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, que Sérgio Moro é o Batman atrás do Coringa. Moro é dos ministros mais elogiados entre os militares nas redes sociais. O que essa admiração pode significar?
É do jornalista e cientista social Oliveiros Ferreira a definição do partido fardado não como facção política, no sentido que a expressão tem no mundo civil para se disputar eleições. Ele não é um grupo organizado, que permanece no tempo, mas sua “existência se evidencia em momentos de tensão interna da corporação ou de desencontro dos militares com o governo”. Oliveiros dizia: para que ele se manifeste, é preciso a existência de “um centro com função aglutinadora, mesmo que ele se resuma a uma única pessoa”.
Em 2018, muitos viram no comandante do Exército, o general Eduardo Villas Bôas, com seu tuíte contra a impunidade às vésperas do julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado e preso em Curitiba, a pessoa responsável pelo renascimento desse “partido”. Outros enxergaram nas mãos do capitão artilheiro Jair Bolsonaro – uma liderança híbrida, ao mesmo tempo política e militar – o cordel detonante que teria feito ressurgir o fenômeno.
Não se trata aqui de discutir o papel do indivíduo na história, como fizeram Marc Ferro em Les individus face aux crises du XXe siècle e Jean Paul Sartre em sua crítica à hermenêutica marxista de então em Question de Méthode, quando retoma a pergunta sobre por que Napoleão e não outro general desempenhou o papel daquele na França revolucionária.
Trata-se antes da constatação do cientista político Eliézer Rizzo de Oliveira, em entrevista ao Estado, sobre as características do partido fardado. “É uma organização difusa, com mentalidade, com permanência, com interesse e com visão verde-oliva.” Eliézer se referia ao fato de que, desde 2018, dezenas de oficiais da ativa abriram contas no Twitter – os da reserva já se manifestavam livremente desde a lei 7.524, de 1986, como lembra o também cientista político João Roberto Martins Filho. Ou seja, Villas Bôas e o Twitter se teriam transformado nos instrumentos de um grupo para a solução de problemas da vida nacional.
Outro caminho escolhido teria sido a candidatura de Bolsonaro. O diálogo público entre o presidente eleito e o general Villas Bôas na despedida deste último em que o político lhe creditava parte da vitória e afirmava que levaria para o túmulo a razão pela qual formulara tal frase ocorreu, ao contrário de outros momentos da República, após uma eleição legítima. Não houve, pois – nos termos de Oliveiros em sua obra Elos Partidos – , uma “intervenção militar em força no processo político”.
Ainda assim, os tuítes dos oficiais da ativa exibem a todos o velho conflito entre a disciplina militar diante dos fatos que a cerca. Dito de outra forma, são o retrato do cidadão-soldado que reclama para si o direito de publicar suas opiniões sobre os problemas políticos, como a maioria dos civis. E não foram poucos que assim agiram – o leitor viu a reportagem que exibiu 220 manifestações de caráter, em tese, político-partidárias, envolvendo militares da ativa, dez dos quais generais e brigadeiros.
Essas vozes da caserna, de cidadãos-soldados, são, em sua maioria, simpáticas a Bolsonaro. Mas, passados seis meses de governo, o partido fardado redescoberto começa a se inquietar. Há na caserna os que veem na iniciativa do general Edson Pujol e dos membros de seu gabinete de preservar o Exército, ao conter as manifestações políticas nas redes sociais, uma renúncia à condição de cidadão do homem fardado. A imensa maioria dos generais, entretanto, concorda com Pujol.
“Sou do tempo em que até o aplauso era proibido, pois a vaia era inadmissível no Exército. Eu era tenente. Foi o Leônidas (Leônidas Pires Gonçalves, ministro do Exército de 1985 a 1990) quem mudou isso e, hoje, é possível aplaudir uma palestra, por exemplo”, contou um general. Ainda se aplaude o governo na caserna. Entretanto, se decepção é uma palavra muito forte para o estado de ânimo nos quartéis, insatisfação, porém, pode descrever os murmúrios de quem esperava mais do governo de Bolsonaro.
Há mesmo frases explícitas de quem está na reserva, como as do ex-ministro da Secretaria de Governo, o general Santos Cruz, para quem o presidente deve governar para todos e não para os radicais ideológicos que o apoiam desde sempre e dominam, por exemplo, o Itamaraty.
Em sua entrevista ao programa Roda Viva, que será exibido pela TV Cultura a partir da meia-noite de hoje, segunda-feira, o guerreiro Santos Cruz – ele mesmo vítima do radicalismo bolsonarista – não pensou duas vezes para dizer que não nomearia um filho embaixador nem teria nenhum problema em votar em Sergio Moro para presidente.
Também da ativa partem dezenas de tuítes com aplausos a Moro e às suas iniciativas. Estaria ele disponível para aglutinar os militares em um novo centro, como o foram Villas Bôas e Bolsonaro? A 3 anos e meio das eleições, o presidente exagera nas caneladas, como ao chamar o general Rocha Paiva de melancia. E insiste toda semana em lembrar dos fatos relacionados ao regime instaurado em 1964. Esquece o presidente dos acontecimento que levaram à volta aos quartéis com a entrega do poder aos civis em 1985. Enquanto isso, Moro recebe os aplausos.
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