Coronel (R) do Exército Brasileiro Fernando Montenegro
Operador de Forças Especiais do Exército Brasileiro e Pesquisador do Observatório de Relações Internacionais da Universidade Autônoma de Lisboa.
Atualmente, a União Europeia e o Grupo de Lima são encarregados de supervisionar as negociações dentro da Venezuela entre o ditador Nicolás Maduro e o presidente interino Juan Guaidó. A catástrofe econômica venezuelana é agravada pelo endividamento com a China e Rússia.
O que se percebe nitidamente é a postura russa de atuar como um ator perturbador numa área que, historicamente, sempre foi favorável aos Estados Unidos, sem demonstrar qualquer preocupação com a situação miserável em que se encontra o povo venezuelano.
Enquanto os EUA, a União Europeia e as 14 nações integrantes do Grupo de Lima reconhecem a legitimidade de Guaidó e a gravidade de uma crise humanitária que tem levado o Brasil e a Colômbia a receber milhões de refugiados, o ministro russo das Relações Exteriores, Sergey Lavrov, reafirma apoio a um regime ilegítimo de Caracas, que pratica sistematicamente distintas formas de corrupção, narcotráfico e delinquência organizada transnacional, ações que envolvem os familiares de Maduro, seus generais e testas de ferro.
Operação Liberdade
Recentemente, o secretário de Estado norte-americano, Mike Pompeo, buscou conversar com Lavrov por ocasião do encontro do Conselho do Ártico, no dia 6 de maio, mas não houve convergência de objetivos, mesmo com os russos preocupados com os acontecimentos do dia 30 de abril. Naquela ocasião, Guaidó liderou um grupo de venezuelanos, em uma tentativa para estabelecer a ordem constitucional e restaurar a democracia e os direitos humanos, no que ficou conhecido como Operação Liberdade.
No entanto, o desejo de Guaidó e de milhões de venezuelanos só seria possível com um motim, porque a população foi desarmada por Hugo Chávez há pouco mais de uma década. Um dos resultados positivos do protesto foi a liberação do líder do partido de Guaidó [Voluntad Popular], Leopoldo López, de sua prisão domiciliar.
Apesar do desejo de milhões de venezuelanos de uma participação do Brasil mais contundente com relação à crise da Venezuela, inclusive com o envio de tropas ao país vizinho, a política externa brasileira tem uma longa tradição não intervencionista e esta posição foi ratificada recentemente pelo presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
A novidade é que, como se fosse uma resposta a Moscou, no dia seguinte aos russos ratificarem sua posição de apoio ao ditador Maduro no Conselho do Ártico, a Venezuela foi reincorporada ao Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, o que foi aprovado pela Assembleia Geral. Esse tratado possibilita a solicitação de apoio de tropas externas de países signatários como Peru, Colômbia e até os EUA na solução de conflitos internos. Como o presidente reconhecido é Guaidó, essa hipótese não é impossível de ser concretizada.
Governo moribundo
Atualmente, Maduro não passa de um governante moribundo mantido artificialmente no poder. É como um doente terminal que permanece numa unidade de tratamento intensivo. Os mecanismos que mantêm o fantoche no poder seriam os mais diversos e são literalmente pagos a peso de ouro. Recentemente, uma aeronave russa de grande capacidade aterrissou em Caracas e transportou, não se sabe exatamente para onde, 20 toneladas do metal nobre, correspondente a cerca de 20 por cento das reservas da Venezuela.
A perda de confiança crescente de Maduro em suas forças armadas e na estrutura estatal fica cada vez mais evidente quando se verifica que a segurança do ditador e das principais infraestruturas críticas do país é gerida por Companhias Militares Privadas (CMP), como o Wagner Group e Cossacos, dirigidos por ex-militares russos de grande proximidade com o Kremlin, caracterizando uma forma de ação militar indireta de Wladimir Putin. Além disso, já é conhecida a segurança privada realizada por agentes cubanos.
Também chegou ao país uma força-tarefa da Rússia encarregada de realizar a manutenção e deixar em condições de funcionamento todos os equipamentos militares de origem russa, como aeronaves, blindados e sistemas de defesa antiaérea.
Como os militares venezuelanos também estariam sem adestramento para operar os sofisticados equipamentos, as CMP teriam trazido até mesmo pilotos para operar as aeronaves Sukhoi de fabricação russa e outros sistemas de defesa também russos. Essa preocupação do Kremlin tem fundamento, já que o mau desempenho de algum equipamento militar russo num eventual emprego poderia acarretar grandes prejuízos para a lucrativa e tradicional indústria de material bélico do país.
Até onde se sabe, a Venezuela teria entre 1.000 e 2.000 generais que, juntamente com seus familiares, ocupam cargos chave no governo e em estatais. No entanto, essa é uma “lealdade” artificial, já que foi comprada ainda na época de Chávez e agora também funciona na base da chantagem. Entretanto, vale destacar que o serviço de inteligência do país possui forte ingerência dos cubanos que controlam detalhes das vidas desses oficiais de altas patentes, visando a garantir a sua fidelidade ao governo.
Resta saber como vai ficar esse tabuleiro com uma possível mudança da postura do governo de Havana.