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Bolsonaro x Militares – Cada um no seu quadrado

Caio Junqueira

Revista Crusoé – 05 Julho 2019

 

“Presidente, qual a importância dos militares no seu governo?”

 

“É igual à dos civis.”

 

Assim, de maneira direta e sucinta, Jair Bolsonaro respondeu a uma pergunta de Crusoé no Salão Nobre do Palácio do Planalto há duas semanas. Eram dias turbulentos. Bolsonaro estava em meio à maior onda de demissões de militares de seu governo desde a posse, em janeiro. Três generais haviam sido destituídos de seus postos.

Para um presidente egresso do Exército, que lastreou sua carreira política na defesa de interesses corporativos da caserna e que na campanha eleitoral de 2018 buscou se associar à boa imagem das Forças Armadas, era um ponto de inflexão relevante. Para quem apostava em um governo tutelado por fardados, Bolsonaro dava sinais no sentido oposto: é ele, agora, que vem impondo limites às Forças Armadas para que não restem dúvidas sobre quem, afinal, manda no governo.

 

São vários os exemplos nesse sentido. O presidente não defendeu com ênfase os militares quando eles viraram alvo de ataques pesados do escritor Olavo de Carvalho. Tampouco ficou ao lado do general Carlos Alberto dos Santos Cruz no embate travado com o secretário de Comunicação do Planalto, Fabio Wajngarten.

Pelo contrário, deixou-o sobre a frigideira palaciana até demiti-lo. Também não hesitou em contingenciar 44% dos recursos da área de defesa previstos para 2019, um bloqueio menor apenas do que o ocorrido com o Ministério da Educação. E não pensou duas vezes antes de responsabilizar a Aeronáutica pela prisão de um militar com 39 quilos de cocaína na Espanha, no dia 26 de junho.

 

Um dos casos mais expressivos desse novo padrão de relação envolve o vice-presidente da República, o general da reserva Hamilton Mourão. Após se incomodar nos primeiros meses com o que entendia como exposição excessiva de Mourão, ele pediu ao vice para submergir e se conter (leia entrevista). Para se certificar de que seu pedido seria atendido, o presidente também passou a contar com alguns olheiros no gabinete de Mourão.

A começar pelo próprio chefe de gabinete da Vice-Presidência. César Leme é tido como alguém que faz mais o jogo de Bolsonaro do que o de Mourão. Em linha com o Planalto, ele tem tentado implementar um plano antigo do núcleo duro bolsonarista: fazer com que a área de comunicação que serve a Mourão passe a se subordinar à Secretaria de Comunicação do Planalto, comandada por Wajngarten – homem de confiança do presidente e de seus filhos. Seria uma forma, na prática, de controlar as ações (e a boca) do vice.

O outro “olheiro” é um assessor especial do vice que, por sete anos, trabalhou com Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio — tanto é assim que ele teve a quebra de sigilo bancário e fiscal decretada pela Justiça do Rio na investigação iniciada a partir das transações suspeitas do ex-motorista Fabrício Queiroz.

 

Desde que assumiu, Mourão vinha agindo com certa independência em relação ao gabinete do presidente. Isso, porém, começou a incomodar mais e mais o Planalto e o próprio Jair Bolsonaro. A viagem recente do vice à China é um bom exemplo. O presidente achou que Mourão não deveria ter ido ao país antes dele. E fez questão de deixar claro o seu descontentamento. A reação foi imediata.

Não passou despercebido pelo vice, por exemplo, que o avião que lhe foi disponibilizado era incompatível com a complexidade de uma exaustiva viagem – como se tratava de uma aeronave de menor porte, Mourão foi obrigado a fazer nada menos que cinco escalas até chegar a Pequim. Uma vez na capital chinesa, o vice ocupou o espaço que costuma ocupar na imprensa brasileira. Ganhou, por exemplo, uma página no China Daily, principal jornal chinês em língua inglesa. O entorno do presidente, mais uma vez, irritou-se.

 

Quando Mourão voltou da China, o plano para que ele submergisse já estava em andamento. Por “recomendação” do seu chefe de gabinete, ele cancelou a entrevista que daria no congresso anual da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, a Abraji. Foi também por orientação do chefe de gabinete que um militar foi destacado para assumir a comunicação do vice, logo após a exoneração de um civil que vinha contribuindo para a grande exposição de Mourão.

O receio do Planalto é de que Mourão comece a ganhar a preferência da imprensa, dos políticos e do empresariado, em uma equação parecida com a que ocorreu na relação entre Dilma Rousseff e Michel Temer. Além disso, há o temor de que ele acabe por dividir as Forças Armadas. Mourão e o presidente pouco se falam. Bolsonaro, em uma conversa com um parlamentar, já o chamou de “mala sem alça”. Também tem deixado circular a ideia de que o atual vice não deverá integrar sua eventual chapa em 2022. Mourão, por sua vez, reclama de Bolsonaro. A uma pessoa de sua confiança, já disse que o presidente “não consegue aprofundar nenhuma conversa”.

 

Não é só na Vice-Presidência, porém, que Bolsonaro tenta impor limites aos militares. Isso também tem ocorrido na coordenação do bilionário Programa de Parcerias e Investimentos, o PPI, um dos mais eficientes instrumentos para se relacionar diretamente com o setor produtivo nacional. Alguns militares não ficaram satisfeitos com a transferência do programa da Secretaria de Governo, controlada por militares, para a Casa Civil.

Avaliaram que é muito dinheiro – são mais de 100 bilhões de reais em investimentos de infraestrutura — para deixar fora da lupa militar que, dizem, está empenhada em evitar desvios. Embora na  aparência tenham acatado a decisão, nos bastidores os militares querem indicar alguém de sua confiança para a missão. Hoje, o PPI é coordenado por Adalberto Vasconcelos, que está no posto desde o governo Michel Temer, por escolha do ex-ministro Moreira Franco. Até recentemente, Vasconcelos respondia a Santos Cruz.

Com a queda do general e a migração do programa para a Casa Civil, os militares agora tentam destituí-lo e indicar alguém da sua confiança. Defendem o nome do atual secretário-executivo do Ministério da Infraestrutura, Marcelo Sampaio, que vem a ser genro do novo ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos.

 

Ramos, aliás, tomou posse nesta quinta-feira, 4. Mas se engana quem pensa que, por ser general (e da ativa) sua chegada ao primeiro escalão representa um reforço no poderio militar na Esplanada. Amigo de Bolsonaro há 46 anos, ele foi uma escolha pessoal do presidente. E diz que não quer nem ser chamado de general. “Tenho orgulho enorme de ter sido general. Eu ia até pedir, mas já começaram a me chamar de … (general). Eu nesse trabalho quero ser chamado de ministro Ramos, ministro Luis Eduardo. General era no Exército. É uma nova página na minha vida. É um novo capítulo. Eu escrevi um livro até agora. O cargo é político. Agora sou ministro Luiz Eduardo Ramos”, disse o novo ministro a Crusoé.

 

Nos quartéis, os comandos das Forças Armadas têm buscado manter certa distância do governo. A ideia, também nesse caso, é não misturar as estações e não criar ruídos desnecessários. Tudo para não projetar sombras sobre o poder do presidente. Os chefes militares comemoram o que chamam de “pausa operativa”, momento em que podem olhar melhor para dentro, cuidar dos programas estratégicos e do treinamento do pessoal.

A postura do atual comandante do Exército, Edson Pujol, é emblemática dessa nova fase. À diferença de seu antecessor, o general Eduardo Villas Bôas, ele é discreto, evita a imprensa e as redes sociais – passa longe do Twitter, por exemplo.

 

Há um acordo tácito em vigor: enquanto os generais da reserva espalhados pela Esplanada fazem política, os generais da ativa tomam conta dos quartéis – onde Bolsonaro não quer turbulências, obviamente. No início do ano, quando nomeou o general Fernando Azevedo para o Ministério da Defesa, ao qual Exército, Marinha e Aeronáutica estão subordinados, o presidente fez um pedido: queria que ele evitasse a todo custo que as três forças pudessem lhe causar problemas políticos.

A razão da preocupação era um tanto evidente. Em um governo comandado por um militar da reserva, qualquer ruído vindo dos quartéis teria grande repercussão. O próprio Bolsonaro retribuiria atendendo as demandas da caserna, sempre que possível. Como reflexo desse acordo, o presidente decidiu respeitar a decisão do Alto Comando do Exército de preterir seu porta-voz, o general Otávio do Rêgo Barros, na eleição que define os candidatos a um lugar na cúpula da corporação. Rêgo Barros esperava ser promovido a general quatro estrelas, mas, surpreendentemente, dos três candidatos a duas vagas, logo ele ficou de fora da lista.

O presidente poderia, mesmo assim, nomeá-lo, mas entende que o assunto é da alçada do Quartel-General do Exército e achou melhor não interferir. A ideia central, disseminada como ordem unida não pronunciada, vale para todos os lados: cada um deve ficar no seu quadrado.

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