Guilherme Seto
Thiago Amâncio
São Paulo
Publicado Folha São Paulo 30 Junho 2019
Castilho acorda cedo, por volta das 5h, toma um café reforçado e começa uma maratona de exercícios físicos num quartel da Polícia Militar no centro de São Paulo. Depois, vai patrulhar as ruas da capital.
Ele não é um policial, mas um cavalo, parte do Regimento de Polícia Montada 9 de Julho. Castilho é colega de Jane, Júpiter, Morena e outros animais, que somam os 456 cavalos à disposição da PM de São Paulo.
Mas por que usar cavalos ainda hoje, quando há carros, motos, tropa de choque? Para militares, o animal é essencial no controle de multidões e desempenha papel único no policiamento. Para defensores dos direitos dos animais, não são mais necessários hoje em dia.
Num quartel construído há 127 anos na região central da capital paulista, os animais ficam divididos em baias, fazem exercícios e são acompanhados por enfermeiros e veterinários do próprio corpo policial.
A principal vantagem do policiamento montado é o campo de visão ampliado que o agente tem, por estar a uma altura elevada. Além disso, o policial pode também ser visto de longe.
“O cavalo tem uma velocidade constante de policiamento, que é lenta e possibilita uma presença maior da polícia no local que está sendo patrulhado. Uma viatura, mesmo se passar a 20 km/h, em poucos minutos sai daquele local”, explica o comandante da Cavalaria da PM, tenente-coronel João Alves Cangerana Júnior.
Ele assumiu o comando da tropa no ano passado, função que já foi do coronel Marcelo Vieira Salles, hoje comandante-geral da Polícia Militar, e de Joaquim Inácio Batista Cardoso, avô do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Quem anda pelo centro de São Paulo deve ter percebido, nos últimos meses, um aumento da presença desse animal. A Polícia iniciou a chamada operação Quiron, para colocar mais cavalos nas ruas.
Com o bicho, vêm as fezes, que com frequência ficam esquecidas pelas ruas. Cangerana ressalta que “a responsabilidade da limpeza urbana é da prefeitura. A gente sempre avisa onde a gente vai estar”, diz.
Mas há estratégias: a polícia tenta movimentar os cavalos antes de eles irem às ruas, para estimular que os animais defequem. No quartel, há um sistema de limpeza e o estrume é vendido a empresas de adubo. “Mas acontece de, mesmo o cavalo ser movimentado antes de ir para o policiamento, estrumar. E aí a prefeitura cuida da limpeza do esterco do cavalo”, explica.
A PM gasta em média R$ 2 milhões por ano com seus cavalos, parte disso com ração (cada bicho come 4 kg por dia) e materiais de saúde. A corporação compra, em média, 80 animais desses por ano (parte cedida pela Secretaria da Agricultura, parte adquirida por licitação), que custam de R$ 15 mil a R$ 20 mil cada um. Esses animais são treinados no parque da Água Branca (há 30 em treinamento hoje) e costumam servir até os 25 anos —quando ficam velhos, são doados.
O cavalo é fundamental no controle de multidões, diz Cangerana, seja em aglomerações pacíficas, como em shows, seja em protestos com confusão. “Dificilmente um policial a pé ia conseguir impedir um confronto desses.”
O emprego dos cavalos, no entanto, é criticado por especialistas em direitos dos animais.
“Por mais que sejam treinados, nenhum animal está preparado para ouvir estouro de bomba de efeito moral, para inalar gás lacrimogêneo. É um barulho ensurdecedor para nós e mais ainda para eles, que têm ouvidos mais sensíveis”, afirma Beatriz Silva, presidente da ONG Bendita Adoção.
Há casos de animais agredidos em confrontos com manifestantes.
Numa greve da Polícia Civil em São Paulo, em 2008, houve confronto entre grevistas e militares em frente à sede do governo paulista. Um cavalo, o Sombra, foi baleado na garupa (um coronel também foi atingido) —ele sobreviveu e hoje está aposentado.
Três anos depois, um outro animal se assustou quando passava pela avenida Tiradentes, em Santana, zona norte de SP, e correu em direção aos carros. O animal foi atropelado e morreu.
O tenente-coronel Cangerana Jr. conta que ele mesmo, a cavalo, já foi atingido por garrafas em um estádio de futebol. “Foi bem difícil, muitos cavalos com corte”, diz ele, que afirma que, hoje, os animais usam protetores nesse tipo de trabalho.
“Ultimamente tem tido menos confrontos, mas os policiais estão preparados e os cavalos também. Algum ferimento ou outro, sim, acontece durante essas atuações. Mas mesmo ferido o cavalo ainda consegue ser controlado pelo cavaleiro para evitar um acidente maior.”
Cangerana afirma também que no processo de adestramento dos cavalos, a polícia faz um “processo de dessensibilização” do animal, colocando-o em contato com situações que ele pode encontrar na rua, de modo a evitar reações inesperadas.
O adestramento bem feito também rende bom desempenho em outro ponto: no esporte. É comum que policiais participem de competições de equitação (há uma interna, da PM).
Estudo de 2014 da Universidade de Oxford e da ONG Rand Europe chegou à conclusão de que policiais sobre cavalos geram seis vezes mais interesse na população do que policiais caminhando.
Ao longo de 18 meses os pesquisadores examinaram reações públicas à polícia montada em diferentes eventos em partes variadas do Reino Unido. Neles, as pessoas disseram ter notado a presença da polícia e sua atuação no controle de multidões com muito maior frequência quando estavam com cavalos. Foram ouvidas pessoas presentes em shows de música, partidas de futebol, entre outros eventos.
Um dos autores do estudo, o professor Ben Bradford, do Centro de Criminologia da Universidade Oxford, argumenta que a combinação cavalo e cavaleiro aparece como uma espécie de "quebrador de gelo" na relação com populares, que interagem com o animal e fazem perguntas sobre ele para o montador.
A aproximação com os cavalos fez a PM de São Paulo oferecer também equoterapia, tratamento terapêutico com os animais, para pessoas com problemas de mobilidade e psicológicos. Semanalmente, 96 pessoas são tratadas lá.
PM do Distrito Federal em ação na Capital Federal – Foto Agencia Brasil