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Caça aos Generais – O que pensam os generais que trabalham bem perto do presidente Jair Bolsonaro

Vinicius Sassine e Bernardo Mello

O Globo

BRASÍLIA E RIO – Um general do Alto Comando do Exército, grupo que mantém interlocução direta e constante com o presidente da República, transmitiu a Jair Bolsonaro nos últimos dias um pensamento que representa o estado de espírito atual de militares que estão perto do poder:

— Jair, serenidade. Você não precisa de radicais.

 

Na cabeça dos generais que ajudam a sustentar o governo Bolsonaro — incluindo aqueles, já na reserva, que ocupam cargos de primeiro e segundo escalões — o temor de uma radicalização caminha ao lado da preocupação de que a responsabilidade por tropeços do presidente recaia nos ombros e nas insígnias das Forças Armadas.

Arriscar o processo que fez as Forças Armadas saírem de um período repressivo, de grande desgaste na opinião pública, para a virada das últimas três décadas, quando retomou respeito e reconhecimento por parcela expressiva da população, é uma angústia crucial.

 

Integrados ao governo em grau sem precedentes desde a redemocratização, militares de alta patente ouvidos pelo GLOBO procuram apresentar uma mentalidade distante dos tempos da ditadura militar, época em que muitos se tornaram oficiais do Exército, Marinha ou Aeronáutica. A preocupação em mapear “inimigos” internos ou externos, uma constante no início de suas carreiras, hoje é adormecida.

 

Generais do alto comando contam que, em sua formação, foram “muito impactados por valores democráticos”, uma vez que passaram pelo processo de distensão e abertura na fase final da ditadura militar.  (Itálico DefesaNet)

 

Os oficiais do círculo próximo a Bolsonaro abraçam uma tentativa de livrar o Exército de “estereótipos negativos”, em suas palavras. Um general do Alto Comando que conversou com O GLOBO em condição de anonimato, por exemplo, foi taxativo: avaliou que a ditadura cometeu “barbaridades” na repressão aos opositores:

 

— Pagamos um preço muito alto com a ditadura. É uma palhaçada falar em intervenção militar, como ouvimos em alguns protestos. Chega a ser ofensivo.

 

As trocas de cargos no Ministério da Educação (MEC), que levaram à exoneração de diversos militares no seio do governo, não figuram sozinhos na lista de preocupações dos generais. Estão ombro a ombro com temores mais amplos, como a política armamentista do presidente — cabe ao Exército fiscalizar a venda de armas —, os riscos envolvendo a Amazônia, considerada uma reserva natural estratégica, e até a determinação de que os quartéis celebrassem os 55 anos do golpe militar.

 

Sobre as armas, a preocupação central está na flexibilização do porte, desejada — e decretada — pelo presidente.

 

— Para porte, aí sim, é preciso ser perito na coisa. Há preocupação sobre uma proliferação negativa de armas – diz um outro general ouvido pela reportagem, que também pediu anonimato.

 

Como ficariam as Forças Armadas se recebessem a pecha de instituição que autorizou e controlou a disseminação de armas de fogo se as consequências não saírem como o esperado nos planos do presidente? São questionamentos como esse que permeiam os mais graduados. (Itálico DefesaNet)

 

— A gente torce para dar certo — afirmou um general ao GLOBO. — Senão vamos ouvir: “Os militares não disseram sempre que são os salvadores da pátria?”

 

Dois assuntos neste primeiro semestre de governo incomodaram em cheio os militares de alta patente: o episódio do “golden shower”, quando Bolsonaro compartilhou em sua conta no Twitter uma prática sexual a céu aberto, gravada no carnaval de rua em São Paulo — algo impensável para um militar graduado —, e a dubiedade em relação ao ideólogo de direita Olavo de Carvalho, que atacou, com xingamentos, os militares do governo. O compromisso com a “arrumação da casa” de uma instituição que representa o Estado e voltou ao governo após seu período mais desgastante é prejudicado.

 

Em geral, um militar leva de 30 a 40 anos para ascender até o último grau da hierarquia. A maioria dos principais generais do atual governo e dos que compõem o Alto Comando do Exército se formou nas turmas do fim da década de 1970 e do início da década de 1980 da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), em Resende, no Sul Fluminense.

 

O próprio Bolsonaro, egresso da turma de 1977, conviveu com certo grau de intensidade com vários desses generais. O comandante do Exército, general Edson Leal Pujol, é da mesma turma. O porta-voz Otávio Rêgo Barros é de 1981. Enquanto Bolsonaro deixou os quadros da ativa ainda na década de 1980, recém-alçado a capitão, alguns de seus contemporâneos seguiram em formação.

 

— Suas carreiras foram feitas em um ambiente crescente de profissionalização e de processo de “arrumação da casa”, quando houve de fato um esforço para reverter a politização anterior, do regime militar — afirma o antropólogo Piero Leirner, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar).

A nova geração de futuros generais

 

Institutos militares tentam adaptar a rígida tradição militar à agilidade das novas gerações Foto: Marcelo Regua / Agência O Globo

 

 

Aprendizado com missões

Se a década de 1940 ficou marcada, para o Exército Brasileiro, pelo envio de tropas para a Segunda Guerra Mundial, a partir dos anos 1990 se tornou recorrente a participação brasileira em missões de paz da ONU. O Brasil tinha 1,3 mil oficiais no exterior há quatro anos, com atuação principalmente em países africanos e no Haiti, cuja missão foi comandada por três dos atuais ministros de Bolsonaro: Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Carlos Alberto Santos Cruz (Secretaria de Governo) e Floriano Peixoto (Secretaria-Geral).

— A maioria dos generais da atualidade já colocou a boina azul (usada em missões da ONU). É diferente do oficial que era general no regime militar. Era uma época de Guerra Fria, dos atos institucionais. Nem se pensava em mulher no Exército, por exemplo — analisa o general Eduardo José Barbosa, atual presidente do Clube Militar.

A experiência das missões de estabilização de países, que são diferentes de conflitos abertos que ocorrem guerras, é um aspecto que contribui para o perfil moderado dos oficiais que participam diretamente do governo.

 

 

teoria e prática

1944

A AMAN é fundada em Resende (RJ) como um centro moderno de formação de oficiais combatentes. Nos anos seguintes, a Guerra Fria passaria a permear o seu ensino.

Décadas de 1960 e 1970

As noções de "inimigo interno" e de intervencionismo fazem parte da formação de militares. O general Médici foi comandante da Aman em 1962 e 1963, antes dos anos de chumbo.

Década de 1980

Com a abertura, militares de alta patente ensaiam afastamento da política. Instituições de formação como a Aman e a Escola Superior de Guerra (ESG) se abrem a professores civis.

Anos 1990 e 2019

Após participação em missões internacionais da ONU e ações nos estados, os generais retomam participação significativa no governo federal com a eleição de Jair Bolsonaro.

 

 

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