Eduardo Salgado
Revista Época
31 Maio 2019
O militar da reserva Augusto Heleno Ribeiro Pereira é muito mais que o atual ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Inicialmente cotado para ficar à frente da Defesa, acabou ocupando a pasta que o colocou no Palácio do Planalto, próximo a Jair Bolsonaro, a quem conhece há décadas. Sua missão seria ser uma voz da razão na orelha de um presidente com uma certa propensão a ter ideias extremadas. “Água mole em pedra dura…”, pensaram aqueles que apoiaram a ida de Heleno para o GSI.
O começo foi promissor. O ministro recebeu o crédito por ter tido um papel moderador quando Bolsonaro ainda falava em mudar a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, o que certamente causaria problemas com os países árabes. Quando já tinha ficado claro que a decisão era pela manutenção da embaixada onde estava e pela criação de um escritório comercial em Jerusalém, Heleno foi quem deu a explicação pública: “Temos uma balança comercial com a comunidade árabe que nos interessa manter. Eles são nossos parceiros economicamente”. Heleno também teria pedido ao presidente para que segurasse o ímpeto incendiário de Carlos Bolsonaro, seu filho, nas redes sociais. Isso foi em abril.
Mas eis que maio chegou e — surpresa, surpresa! — o general reformado de quatro estrelas começou a se revelar um ministro populista de cinco estrelas. Em entrevista ao jornal Valor Econômico no dia 28 ele desafiou a lógica e os fatos. “Uma das coisas que ficaram demonstradas na manifestação [de domingo 26, em defesa do governo] é que existe uma grande parcela do povo brasileiro que foi para a rua com a bandeira do Brasil.
Na manifestação dos estudantes [de professores e pessoas de outras profissões contrárias ao contingenciamento de parte das verbas para a educação na quarta-feira 15] havia pouquíssimas bandeiras do Brasil. Isso para mim é um absurdo, é fruto de toda essa doutrinação ideológica que foi feita nos últimos 20 anos”, disse às três jornalistas do Valor que o entrevistaram. Mais adiante na conversa, Heleno volta à carga dizendo que “o pessoal foi para a rua pelo Brasil”, referindo-se, claro, à manifestação de apoio ao governo. Na entrevista, ele dá a impressão de querer enganar o público, pelo menos, duas vezes.
Se o argumento do ministro fizesse sentido, a conclusão seria que os brasileiros que participam de manifestações vestindo amarelo ou com bandeiras do Brasil são mais patriotas do que os que escolhem outros tons e artefatos. Tudo se resumiria a uma cor e um símbolo. Um cidadão ou uma cidadã que nunca tenha se envolvido em um caso de corrupção — de “caixinha” para policial a grandes maracutaias —, que faz questão de preencher a sua declaração de Imposto de Renda da forma mais correta possível, que não é adepto do “jeitinho”, que ensina seus filhos a amar o Brasil e ser corretos e solidários com seus conterrâneos, independentemente de cor e classe social, esse cidadão ou essa cidadã, pela lógica de Heleno, não seria patriota caso tivesse ido a uma manifestação crítica ao governo sem usar uma camisa amarela ou a bandeira.
A explicação para essa suposta falta de amor à pátria seria — adivinhe! — a doutrinação ideológica da esquerda. Quando perguntado se o governo tem pesquisas, levantamentos, relatórios sobre a tal “doutrinação” nas salas de aula, diz que tem muita coisa. “Só no WhatsApp e vídeo no YouTube tem uns 300”. Detalhe: ele é o ministro com influência sobre o comando da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Caso essa acusação indiscriminada e sem provas não fosse uma tragédia, daria para rolar de rir.
Após a declaração de Heleno, o ministro da Educação, Abraham Weintraub — sempre ele —, divulgou nota na quinta-feira 30, no segundo dia de protestos contra o governo. Nela, diz que professores, servidores, funcionários, alunos e até pais e responsáveis “não são autorizados a divulgar protestos durante horário escolar”. Em vídeo, ele também falou em coação de alunos. Alguém aí estranhou o fato de Weintraub não ter feito isso antes da manifestação de apoio ao governo?
Os cientistas políticos ainda não chegaram a um consenso sobre todas as características de um populista. Mas há dois pontos com que a maioria concorda: populistas dizem ser os “verdadeiros” porta-vozes do povo e tratam seus adversários como inimigos. Pelas últimas manifestações públicas de Heleno, dá para começar a desconfiar que esse negócio pode ser contagioso. Pelo jeito, é Bolsonaro quem está fazendo a cabeça dele, não o contrário. É possível até que o nosso ministro do GSI já esteja comendo pão com leite condensado.