Um pacto interamericano mútuo de defesa assinado há mais de 70 anos está atualmente no centro de um debate na Assembleia Nacional (AN) da Venezuela, órgão legislativo controlado pela oposição. Trata-se do Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar), acordo assinado no Rio de Janeiro em 2 de setembro de 1947 (e por esse motivo também chamado de Tratado do Rio).
A expectativa é de que o Tiar – do qual a Venezuela se retirou em 2013 – seja ratificado pela Assembleia Nacional, a qual está desprovida de suas funções parlamentares por decisão do Tribunal Supremo, acusado pela oposição de atuar em favor do governo do presidente Nicolás Maduro.
O presidente da AN, Juan Guaidó, que em 23 de janeiro se autoproclamou presidente interino da Venezuela, divulgou no Twitter a agenda da Assembleia para a sessão de 7/5, onde se discutiria o "apoio à reincorporação da Venezuela ao Tiar para a defesa da soberania, Constituição e povo da Venezuela".
Mañana vamos a la Asamblea Nacional a seguir trabajando por Venezuela.
Nuestra ruta comenzó desde el parlamento gracias a la voluntad mayoritaria del pueblo venezolano. Vamos a continuar ejerciendo nuestro compromiso por la Libertad desde los espacios que nos pertenecen. pic.twitter.com/XFrnFLfgeo
— Juan Guaidó (@jguaido) 7 de maio de 2019
<script async src="https://platform.twitter.com/widgets.js" charset="utf-8"></script> E, de acordo com o advogado e acadêmico venezuelano Andrés Mezgravis, a reincorporação ao tratado poderia ocorrer em questão de horas, uma vez que a única exigência é a assinatura de Guaidó, considerado presidente interino da Venezuela no lugar de Maduro por mais de 50 países, incluindo a maioria do continente (ele foi reconhecido pelo presidente brasileiro Jair Bolsonaro em 23 de janeiro) – ao mesmo tempo em que não conseguiu atrair para si o apoio de militares de alto escalão venezuelano.
Mas em que consiste o Tiar?
6. La reincorporación de Venezuela al TIAR, es muy fácil. Solo se requiere que el Presidente @jguaido , suscriba dicho tratado, la @AsambleaVE ratifique esa voluntad y el instrumento de ratificación sea comunicado a la @OEA_oficial . En la práctica podría hacerse en horas.
— Andres Mezgravis (@amezgravis) 3 de maio de 2019
'Intervenção militar'
Atualmente, 15 países do continente americano são signatários do Tiar, entre eles Estados Unidos, Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e Peru. O acordo, visto por alguns analistas como uma relíquia da Guerra Fria que visava servir de proteção contra uma eventual invasão soviética, agora volta aos holofotes. É bom deixar claro, porém, que ainda é incerto se ele terá algum efeito prático imediato nas relações de poder do país vizinho.
Segundo o texto do acordo, os signatários condenam formalmente a guerra e se comprometem a buscar soluções pacíficas a conflitos mútuos.
Mas também estabelece que "um ataque armado por parte de qualquer Estado contra um Estado americano será considerado um ataque contra todos os Estados americanos".
"Em consequência", prossegue o texto, "cada uma das partes se compromete a ajudar a fazer frente ao ataque, no exercício do direito de legítima defesa individual ou coletiva que reconhece o artigo 51 da Carta das Nações Unidas".
Por isso, alguns analistas afirmam que esse antigo pacto abre as portas para uma possível intervenção militar na Venezuela.
Um defensor do Tiar é o advogado e professor venezuelano Pablo Aure, alinhado à oposição, que afirmou no Twitter que o tratado "será o instrumento que abrirá as portas à força militar estrangeira para reinstitucionalizar o país e voltar à democracia".
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Em contrapartida, Mariano de Alba, também advogado venezuelano e especialista em direito constitucional, opinou que, embora ache a reincorporação ao tratado uma "boa ideia", acreditar que sua invocação levará a "uma coalizão militar internacional é uma ilusão".
"O uso da força ou uma coalizão militar se dará na Venezuela quando qualquer país, especialmente os EUA, considerar que os custos de não intervir são maiores que os de intervir, ou seja, que a situação seja um risco insuportável para EUA e outros países", declarou.
Já o governo venezuelano afirma que retirou o país do tratado por considerá-lo uma das instâncias internacionais em que "as forças políticas americanas exercem pressão" sobre países latino-americanos.
A ameaça de uma intervenção militar para derrubar Maduro é aventada há meses por alguns setores do governo de Donald Trump, principal aliado de Guaidó, mas ainda distante de um consenso. O Grupo de Lima, que inclui Brasil, Canadá, Argentina e Chile, reiterou na sexta-feira que se opõe a uma intervenção militar para a remoção de Maduro.
"Esse processo (de mudança na Venezuela) deve ser feito pacificamente e respeitando a ordem constitucional", afirmou o chanceler peruano, Nestor Popolizio, informa a agência Reuters.
Guaidó, por sua vez, tem afirmado que "a única intervenção militar na Venezuela no momento é a de Rússia e China" (em referência aos países que apoiam Maduro), mas também já disse à agência AFP que pode haver espaço para "buscar cooperação estrangeira para superar a crise sem precedentes na Venezuela", embora veja a opção militar como "controversa".
No entanto, segundo o jornalista Andres Oppenheimer, do jornal El Nuevo Herald e baseado em Miami, há funcionários americanos e latino-americanos que estariam explorando a possibilidade de invocar o pacto.
O que há de concreto, por enquanto, disse ele, é que o representante do governo Trump para a Venezuela, Elliot Abrams, afirmou que "o Tiar é muito mais amplo que um tratado militar. (…) O Tiar fala de ações em comum, mas podem ser relações diplomáticas, podem ser medidas econômicas, podem ser sanções".