O papa Francisco anunciou nesta segunda-feira (05/03) que o Vaticano tornará públicos os arquivos secretos da época de seu antecessor Pio XII, que liderou a Igreja Católica durante a Segunda Guerra Mundial. A iniciativa poderá revelar os motivos pelos quais a instituição não adotou uma posição mais firme contra o Holocausto.
"Decidi que a abertura dos arquivos do Vaticano sobre o pontificado de Pio XII ocorrerá no dia 2 de março de 2020", disse o papa.
O acesso a esses arquivos é um desejo de longa data de muitos pesquisadores que querem estudar o que consideram como falta de um posicionamento mais contundente de Pio XII (1939-1958) contra os nazistas, que massacraram milhões de judeus durante a guerra.
A data da abertura dos arquivos marcará o 81º aniversário da eleição de Pio XII, cujo nome de batismo era Eugenio Pacelli, como papa. Suas atitudes são consideradas por muitos como uma forma de cumplicidade passiva. Pacelli ganhou experiência diplomática enquanto servia à Santa Sé em Munique e Berlim, antes de ser nomeado papa.
"A Igreja não teme a história", afirmou Francisco, lembrado que Pio XII foi o líder do catolicismo durante "uma das épocas mais tristes e sombrias do século 20".
O papa disse que a decisão de abrir os arquivos foi tomada com a compreensão de que pesquisas históricas sérias serão realizadas "sob uma ótica justa, com as críticas adequadas aos momentos de exaltação desse papa e, sem dúvidas, aos momentos de graves dificuldades, decisões atormentadoras e cuidados humanos e cristãos".
Muitos historiadores acreditam que o papa Pio XII poderia ter condenado com mais veemência o massacre de judeus pelos nazistas, mas não o fez ao adotar uma cautela diplomática excessiva e para não por em perigo os católicos na Europa ocupada.
Oficialmente, o Vaticano adotou uma postura neutra durante a guerra. Alguns historiadores afirmam, no entanto, que Pio XII salvou dezenas de milhares de judeus italianos ao ordenar que os conventos abrissem suas portas e os acolhessem.
Segundo os arquivos da Santa Sé, a preparação para a divulgação dos documentos começou em 2006, durante o papado de Bento XVI. A previsão era que os a divulgação estivesse preparada até 2015, mas a enorme quantidade de documentos e a falta de pessoal resultaram no atraso de cinco anos. Os pesquisadores esperam poder obter acesso total aos arquivos.
Francisco disse que a análise das decisões tomadas pelo papa nos tempos da guerra poderá parecer para alguns como se ele tivesse agido de modo "reticente", mas que, na verdade, foram tentativas de "manter acesa a pequena chama de iniciativas humanitárias em tempos de profunda obscuridade e crueldade".
No passado, Francisco já defendeu algumas vezes seu antecessor. Certa vez, durante uma entrevista, o papa contou como Pio XII escondeu judeus em Castel Gandolfo, o palácio papal de verão nas proximidades de Roma.
"Lá, no quarto do papa, em sua própria cama, 42 bebês nasceram, crianças judias e de outros que eram perseguidos e que se abrigaram lá", contou Francisco.
Os papas João XXIII, (1958-1963), Paulo VI (1963-1978) e João Paulo II (1978-2005) foram santificados pela Igreja. Porém, a beatificação de Pio XII – passo necessário para a santificação – ainda está em suspenso em razão das controvérsias em torno de seu papel durante a Segunda Guerra.
O Vaticano normalmente aguarda 70 anos após o término de um pontificado para abrir os arquivos. Mas, no caso de Pio XII, a Santa Sé estava sob forte pressão para tornar públicos os documentos enquanto ainda há sobreviventes do Holocausto vivos.