Andrea Tognina
Enquanto a maioria dos soldados suíços deixou de manter as armas de serviço em casa, mais de 2,5 milhões de fuzis e pistolas continuam circulando pelo país. O Parlamento helvético e o governo querem agora tornar mais difícil o porte de arma. Os clubes de tiro protestam e prometem lançar um plebiscito público.
Por que a Suíça não sofre tiroteios em massa apesar de muitos militares reformados manterem as armas em casa? Essa questão foi lançada por John McPhee, autor do best-seller "A Praça da Concordia Suíça", publicado em 1984. A resposta lapidar do autor americano: pois é…proibido.
O programa humorístico americano "The Daily Show" realizou no início do mês uma pesquisa informal sobre o fenômeno. O repórter Michael Kosta esteve em um campeonato de tiro na Suíça para estudar a cultura pacífica das armas no país.
Durante o evento ele encontrou o ex-ministro Samuel Schmid, que explicou porque o número de mortos ou feridos por bala na Suíça chega quase a zero.
"Nós temos o respeito pelas armas e, portanto, elas não são consideradas um problema." O fato que as pessoas que servem o Exército (n.r.: o serviço militar é obrigatório para os homens) mantenham consigo as armas em casa, mesmo após a conclusão do serviço, surpreende muitos estrangeiros e visitantes do país.
Muitos se surpreendem ao cruzar com jovens soldados carregando nos ombros o seu fuzil, uma situação comum nas estações de trem. Durante décadas, a imagem do cidadão armado, sempre à postos para defender o seu país, confirma o seguinte ditado: a Suíça não tem um Exército, pois ela o é.
Porem em 1989, logo após a queda do Muro de Berlim, um terço dos eleitores se pronunciou em plebiscito a favor da abolição do Exército. A situação mudou.
Hoje em dia, a ligação emocional entre os cidadãos e o Exército não é a que marcou as mentalidades suíças durante a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria. O número de soldados caiu e a corporação não é mais presente no cotidiano. Também o fuzil de assalto guardado no porão deixou de ser uma característica dos lares helvéticos.
Menos armas de serviço em casa
Em 2017, apenas 1.523 fuzis de assalto e 900 pistolas saíram dos pelotões para ser mantidas em casa, segundo o ministério suíço da Defesa. Mais de 90% dos militares não levaram, portanto, suas armas consigo.
A chamada "Reforma do Exército XXI", um projeto de modernização das forças armadas no país e aplicada em 2004, fez com que o número de efetivos e de armamentos sofresse uma forte queda.
Nesse ano, 43% dos solados ainda levaram suas armas para casa (mais de 20 mil fuzis e 20 mil pistolas). De 2004 até hoje, 106 mil armas foram mantidas pelos reservistas após terem cumprido o serviço militar.
Desde 2010, as pessoas que desejam manter suas armas precisam participar regularmente de exercícios de tiro, uma medida que tornou essa opção menos interessante.
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Salto nas licenças de porte de arma
Apesar de todas as mudanças, a tradicional paixão de inúmeros suíços pelas armas de fogo não morreu. Segundo o jornal dominical NZZ am Sonntag, os cantões (estados) emitiram, no ano passado, entre 30 mil e 35 mil licenças de porte de arma.
Estas são necessárias para as pessoas que desejam comprar pistolas, revolveres e armas semiautomáticas. Segundo a publicação, o número de armas efetivamente compradas oscila entre 45 mil e 55 mil.
Outras reportagens investigativas demonstram que os pedidos de porte de arma aumentaram fortemente nos últimos anos. Segundo estimativas do governo federal e dos jornalistas, baseando-se nas estatísticas de compra, o número de armas de fogo mantidas por particulares está entre 2,5 e 3 milhões, escreveu o NZZ am Sonntag.
Este chega mesmo até 3,4 milhões, segundo um estudo realizado em 2011 pela ONG Small Arms Survey, baseada em Genebra. Dessa forma, a Suíça classifica-se em terceiro lugar no ranking mundial logo após os Estados Unidos e o Iêmen, dentre os pais com o maior número de armas por habitante.
Dados mais recentes da mesma organização (2017) indicam uma queda: nesse ano seriam 2,3 milhões de armas em mãos privadas na Suíça. Isso significa que um habitante em três/quatro estaria armado.
A forte densidade de armas na Suíça não se deve somente ao fato que os soldados tenham a possibilidade de levar suas armas de serviço para casa. Ela se explica igualmente pela legislação considerada liberal para a prática. Uma situação que poderá mudar em breve.
O Conselho Federal (Poder Executivo) e o Parlamento querem restringir as leis de porte de armas e adapta-las às diretrizes da União Europeia (UE).
Restrições
Um ano e meio após os atentados terroristas de Paris, em novembro de 2015, a UE decidiu proibir alguns modelos de armas semiautomáticas. Uma categoria que compreende também os fuzis de assalto utilizados pelo Exército suíço.
O país, que faz parte do Espaço Schengen, se comprometeu a aplicar a legislação europeia, pelo menos sobre os princípios, até o final de maio. O governo obteve, porém, algumas concessões por parte da UE.
O fuzil não será classificado na categoria de armas proibidas a partir do momento em que o seu proprietário decide guarda-lo em casa após o fim do serviço militar. Isso só poderá ocorrer caso ele seja vendido: a nova lei exigirá então uma autorização especial.
Quanto aos membros dos clubes de tiro, eles devem mostrar que são ativos em alguma associação e que participam regularmente de exercícios de tiro. Para os clubes de tiro a reforma vai longe demais.
Eles temem que a nova legislação acabe com o tiro como esporte popular e suscite uma desconfiança generalizada dos proprietários de armas de fogo. Por isso os grupos de interesse ligados à comunidade do tiro decidiram apelar para um referendo.
Após terem recolhidos 125 mil assinaturas de eleitores (50 mil é o número mínimo) e entregues na Chancelaria Federal, o referendo foi oficializado. Em 19 de maio de 2019 os eleitores irão se pronunciar nas urnas sobre o tema.
Armas sem paradeiro
Cento e sete (107) armas pertencentes ao Exército suíço desapareceram no ano passado: números que aumentaram acentuadamente desde 2017. Nesse ano, 85 fuzis e pistolas foram declarados perdidos, revelou o ministério suíço da Defesa, Proteção Civil e Esporte, confirmando números publicados pelo jornal Blick.
Em 2016, 69 armas ainda não foram encontradas. No total, 766 armas de fogo desapareceram desde 2009. No ano passado, 36 foram encontradas. Dentre elas, três fuzis de assalto foram apreendidos no estrangeiro.
Segundo o porta-voz do Exército, Stefan Hofer, há várias razões para os desaparecimentos. Alguns desaparecem quando são roubados, outros durante mudanças ou incêndios. Desde 1969, quase cinco mil armas foram perdidas e continuam desaparecidas.
Fonte: ATS