Novamente as tensões se acirram entre os dois países, após bombardeios indianos contra alvos no território vizinho. Rivalidade de mais de 70 anos existe desde a criação dos dois Estados, que hoje são potências nucleares
Partição sangrenta (1947): Os dois vizinhos compartilham um relacionamento tenso desde que os britânicos dividiram o subcontinente indiano em um Estado secular, mas principalmente hindu (a Índia) e um de maioria muçulmana (o Paquistão). A divisão provocou tumultos e violência entre comunidades em toda a região e gerou uma das maiores migrações humanas da história.
A escalada do conflito na Caxemira (1947-48): A Índia e o Paquistão já nutriam uma disputa acirrada pela Caxemira – um reino de maioria muçulmana governado por um marajá hindu –, mesmo antes da independência dos dois países do Reino Unido.
Mas a briga se intensificou depois que o governante da Caxemira, Hari Singh, aceitou uma anexação à Índia em troca da ajuda de Nova Déli para reagir a ataques de um exército de membros tribais paquistaneses. Os acontecimentos levaram à primeira Guerra Indo-Paquistanesa sobre a Caxemira.
Resolução da ONU (1948): A Índia levou a disputa sobre a Caxemira ao Conselho de Segurança da ONU, que aprovou uma resolução pedindo um referendo para decidir o status da região. Mas o Conselho de Segurança condicionou o referendo à retirada das tropas paquistanesas e à redução da presença militar indiana no território.
A guerra terminou com um cessar-fogo mediado pela ONU, mas o Paquistão se recusou a retirar suas tropas. A linha de cessar-fogo dividiu na prática a Caxemira, com ambos os lados controlando partes do antigo reino, mas reivindicando-o em sua totalidade.
Segunda Guerra Indo-Paquistanesa (1965): Apesar de várias tentativas para resolver a disputa sobre a Caxemira e diminuir as tensões, os dois vizinhos entraram numa segunda guerra pela posse total da região. O breve conflito terminou com mais um cessar-fogo imposto pela ONU. Ambos os lados retornaram às suas posições anteriores.
Terceira Guerra Indo-Paquistanesa (1971): O terceiro conflito entre Índia e Paquistão, que durou 13 dias, é uma das guerras mais curtas da história e envolveu o então Paquistão Oriental, atual Bangladesh. O conflito terminou com a derrota do Paquistão e a formação de Bangladesh.
Acordo de Simla (1972): Após a rendição do Paquistão na guerra de 1971, a primeira-ministra indiana, Indira Gandhi, e o líder paquistanês, Zulfikar Ali Bhutto, se encontraram e assinaram um acordo na cidade montanhosa indiana de Simla. A linha de cessar-fogo na Caxemira é designada como a Linha de Controle (LoC), e as duas partes concordaram em resolver a disputa por meio de negociações.
Resistência armada na Caxemira (1989): Uma insurgência pró-independência ganhou força na Caxemira administrada pela Índia após disputadas eleições estaduais. A insurgência se acirrou ao longo da década seguinte, em parte abafada por uma violenta repressão das tropas indianas. A Índia acusa o Paquistão de apoiar os insurgentes, fornecendo armas e treinamento. O Paquistão rejeita a acusação.
Conflito de Kargil (1999): Os dois vizinhos, que já são potências nucleares, entram em novo conflito armado depois que militantes na região da LoC assumem o controle das principais posições estratégicas na Caxemira administrada pela Índia. A Índia expulsou os militantes, mas culpou o Paquistão por apoiar a incursão. As conquistas diplomáticas obtidas após uma reunião histórica em Lahore entre os primeiros-ministros dos dois países se desgastaram, e a Índia rompeu relações.
Ataque ao Parlamento indiano (2001): As tensões entre a Índia e o Paquistão atingiram um novo ápice depois de um ataque terrorista ao Parlamento indiano. A Índia culpou grupos terroristas baseados no Paquistão pelo ataque e enviou tropas às suas fronteiras com o Paquistão. Islamabad atuou com reciprocidade. O impasse terminou após uma mediação internacional.
Cessar-fogo (2003): Os dois lados concordaram com um cessar-fogo ao longo da LoC. O cessar-fogo ainda está em vigor, mas os dois países se acusam mutuamente por ocasionais violações.
Ataques em Mumbai (2008): Homem armados realizaram vários ataques em Mumbai, capital financeira da Índia, matando mais de 150 pessoas. O Paquistão admitiu que os ataques podiam ter sido planejados em seu território, mas negou veementemente a afirmação da Índia de que o Lashkar-e-Taiba, organização terrorista por trás dos ataques, agiu com permissão da agência de inteligência do Paquistão. A Índia rompeu todas as negociações com o Paquistão depois dos ataques. Nova Déli continua afirmando que "terrorismo e conversações" não combinam.
Ataques cirúrgicos (2016): Esforços do primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e de seu colega paquistanês, Nawaz Sharif, para relançar as negociações foram interrompidos abruptamente após um ataque a uma base do Exército indiano, de autoria do grupo terrorista baseado no Paquistão Jaish-e-Mohammad (JeM). A Índia retaliou o assassinato de 19 soldados ao lançar "ataques cirúrgicos" em supostos campos de terrorismo do outro lado da LoC.
Índia bombardeia alvos no Paquistão (2019): A Índia realizou ataques aéreos em um suposto campo do grupo terrorista JeM, em Balakot, no Paquistão. O ataque ocorreu apenas alguns dias depois que a organização extremista reivindicara a responsabilidade pela morte de 40 soldados indianos em um ataque suicida na Caxemira. Um dia depois, o Paquistão disse que derrubou dois jatos indianos como retaliação.
Disputa pela região da Caxemira vive nova escalada de tensão¹
O Paquistão anunciou nesta quarta-feira que derrubou dois caças e capturou um piloto da Força Aérea indiana em meio à escalada da tensão entre as duas potências nucleares na região da Caxemira. O ataque aconteceu um dia depois de a Índia ter lançado um bombardeio aéreo contra um campo de treinamento de militantes paquistaneses – uma retaliação ao atentado que matou mais de 40 soldados indianos há menos de duas semanas.
A ofensiva do dia 14 de fevereiro é considerada a mais mortífera em três décadas de insurgência contra a administração indiana na Caxemira.
Mas afinal, como começou a disputa pela Caxemira?
Quantos anos tem a disputa?
Mesmo antes de a Índia e o Paquistão conquistarem sua independência da Grã-Bretanha em agosto de 1947, a Caxemira era intensamente disputada.
elo plano de divisão territorial apresentado pelo Parlamento britânico, a Caxemira estava livre para aderir à Índia ou ao Paquistão.
O marajá (governante local), Hari Singh, escolheu a Índia – e uma guerra de dois anos eclodiu naquele mesmo ano.
Uma nova guerra se seguiu em 1965, e em 1999 a Índia travou um breve, porém feroz conflito com as forças paquistanesas.
Àquela altura, os dois países já haviam se declarado potências nucleares.
Por que há tanta instabilidade na região controlada pela Índia?
A população do Estado de Jammu e Caxemira, que pertence à Índia, é mais de 60% muçulmana – sendo o único Estado indiano em que os islâmicos são maioria, e não os hindus.
Muitas pessoas que vivem nesta região não querem que o território seja governado pela Índia, preferindo a independência ou a adesão ao Paquistão.
A alta taxa de desemprego e as denúncias do uso de táticas violentas pelas forças de segurança para enfrentar manifestantes nas ruas e lutar contra insurgentes agravaram o problema.
As rebeliões no Estado foram atenuadas desde 1989, mas a região testemunhou uma nova onda de violência após a morte do líder rebelde Burhan Wani, de 22 anos, em julho de 2016. Ele liderava um grupo contrário ao controle da Índia e morreu em uma batalha com as forças de segurança, provocando protestos em massa.
Wani – cujos vídeos nas redes sociais eram populares entre os jovens – é considerado o responsável por revitalizar e legitimar a imagem da militância na região.
Milhares de pessoas compareceram ao funeral dele, realizado em Tral, sua cidade natal, localizada a cerca de 40 quilômetros ao sul da capital Srinagar.
Após a cerimônia, os participantes entraram em confronto com as tropas militares, iniciando uma onda de violência que durou dias. Mais de 30 civis morreram e vários ficaram feridos. Desde então, episódios esporádicos de violência foram registrados no Estado.
Mais de 500 pessoas foram mortas em 2018 – incluindo civis, membros das forças de segurança e militantes – o número mais alto de vítimas em uma década.
Não havia esperança de paz logo após a virada do século?
De fato, a Índia e o Paquistão concordaram com um cessar-fogo em 2003, após anos de derramamento de sangue ao longo da chamada Linha de Controle, que divide a região entre a Caxemira paquistanesa e a indiana.
Mais tarde, o Paquistão prometeu parar de financiar rebeldes no território, enquanto a Índia ofereceu anistia a quem renunciasse à militância armada.
Em 2014, um novo governo indiano chegou ao poder prometendo adotar uma linha dura contra o Paquistão, mas também demonstrou interesse em manter as negociações de paz.
Nawaz Sharif, então primeiro-ministro do Paquistão, chegou a participar da cerimônia de posse de seu colega indiano, Narendra Modi, em Nova Déli.
Mas, um ano depois, a Índia culpou grupos paquistaneses por um ataque à sua base aérea em Pathankot, no norte do Estado de Punjab. Modi também cancelou uma visita programada à capital paquistanesa, Islamabad, para participar de uma cúpula regional em 2017.
Desde então, não houve nenhum avanço nas negociações de paz entre os países.
Voltamos à estaca zero?
A onda de protestos sangrentos nas ruas da Caxemira indiana em 2016 já afastava a esperança de paz duradoura na região.
Em junho de 2018, o Partido Bharatiya Janata, de Modi, se retirou de um governo de coalizão dirigido pelo Partido Democrático do Povo na região.
E, desde então, o Estado está sob gestão direta de Nova Déli, o que acirrou ainda mais os ânimos.
A morte de mais de 40 soldados indianos, em 14 de fevereiro, em um ataque suicida, acabou com a esperança de paz num futuro imediato.
A Índia culpou grupos militantes paquistaneses pelo ataque – o mais letal contra soldados indianos na Caxemira desde que a rebelião começou há três décadas. E afirmou que vai tomar "todas as medidas diplomáticas possíveis" para isolar o Paquistão da comunidade internacional.
Em retaliação, o país lançou os ataques aéreos de terça-feira contra bases de militantes em território paquistanês.
O Paquistão negou que os ataques tivessem causado grandes danos ou baixas, mas prometeu responder, alimentando o temor de confrontos. Nesta quarta-feira, anunciou ter derrubado os aviões da Força Aérea indiana.
¹com BBC