Prof Dr Fernando da Silva Rodrigues
Esse ensaio trata sobre a relevância da Guerra do Contestado (1912-1916), da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e da chegada da Missão Militar Francesa (MMF), em 1920, para o processo de evolução do Exército Brasileiro. Nesse período, a Instituição intensificou seu processo de reorganização frente ao contexto político nacional e internacional.
As instituições militares de vários países da América do Sul iniciaram o desenvolvimento de sua modernização baseada, principalmente, na aquisição de novos sistemas de armas que foram incorporados às suas respectivas organizações e nas estratégias adotadas para enfrentar novos cenários internos e externos.
As Forças Armadas passaram de simples modernizações a estágios superiores de mudanças com maior complexidade, denominados de transformações. Essas modificações, que na prática foram traduzidas em mudanças orgânicas de estrutura e doutrina, permitiram a incorporação de novos conceitos que influenciaram e orientaram, em grande parte, as transformações indicadas.
A evolução das instituições militares está ligada à dependência da tecnologia. Não é possível pensar um Exército estático sem evolução. Esse processo pode ser balizado por três conceitos que representam a intensidade de alcance das mudanças.
O primeiro é o de adaptação, que consiste em adequar as estruturas existentes para continuar cumprindo com as tarefas previstas; o segundo é o de modernização, que é a otimização das capacidades para cumprir a missão da melhor forma; e por fim o de transformação, que é o desenvolvimento de novas capacidades para cumprir novas missões ou desempenhar novas funções em combate.
A transformação implica em mudanças muito mais radicais e profundas já que envolve alterações nas missões. Possui um alcance não somente técnico, mas também político, envolvendo toda a sociedade.
A necessidade de transformação nas instituições militares ocorre quando surgem novas ameaças que não podem ser combatidas pelas formas tradicionais operadas pelo antigo sistema militar de defesa. Quando essas ameaças são detectadas, há a necessidade de se desenvolver novas capacidades de enfrentamento.
No contexto dessa discussão, podemos afirmar que transformar não consiste em fazer mais do mesmo. Transformação é um processo de longo prazo, que consiste no desenvolvimento de capacidades necessárias para cumprir missões ou desempenhar novas funções de combate.
No âmbito desse debate conceitual, a Guerra do Contestado ocorreu num momento em que oficiais do Exército buscavam a modernização da Instituição por meio de sua reorganização e modernização. Aqueles profissionais tentavam, principalmente, fazer valer a Lei do Serviço Militar obrigatório, de 1908, que deveria executar a seleção por sorteio universal.
O Exército interviu no movimento rebelde que ocorria na divisa do Paraná com Santa Catarina por determinação constitucional. No Teatro de Operações, os comandantes de tropa perceberam as deficiências existentes para a mobilização de pessoal e para o pronto emprego, assim como as dificuldades de atuações nos combates.
O advento da Primeira Guerra, em meio às fragilidades demonstradas pelo Exército durante a campanha do Contestado, assustou as elites nacionais.
Percebe-se que, apesar da importância da Guerra do Contestado para as principais modificações ocorridas no Exército, à época, os militares usaram a Primeira Guerra para levar as ideias de transformações a cabo e aumentar a força efetiva da Força. O conflito interno e a Grande Guerra foram os principais agentes motivadores das transformações e modernizações do Exército.
Com relação à possibilidade de contrato de instrutores estrangeiros, no relatório do Estado-Maior do Exército (EME), de 1917, já se observa o registro referente à Grande Missão Militar, necessária à reforma do ensino militar e do próprio EME, que seria realizada pela contratação de uma missão militar estrangeira de grande envergadura para integrar os Altos Estudos militares nos estabelecimentos de ensino.
Segundo o relator, general de Divisão Bento Manoel Ribeiro Carneiro Monteiro, chefe do EME, faltava muito do espírito militar prático, em parte por culpa do modelo de ensino adotado nas antigas escolas militares onde o ensino cientificista de matemática e filosofia era superior à prática profissional.
Apesar da crítica de alguns oficiais que combatiam a ideia de se contratar uma missão estrangeira – pois decretaria o fim dos brios militares e do prestígio e patriotismo –, o relator atenta para o resultado extremamente positivo que missões estrangeiras conseguiram na organização militar da Argentina, do Chile e do Peru.
Em 28 de maio de 1919, o Decreto nº 3.741 autorizou o Governo do Brasil a contratar uma missão militar na França para fins de instrução no Exército. A assinatura do contrato para uma Missão Militar Francesa de Instrução ocorreu em 8 de setembro de 1919. Em março de 1920, desembarcaram, na cidade do Rio de Janeiro, os primeiros instrutores franceses, chefiados pelo General Maurice Gamelin.
O chefe da Missão seria posto à disposição do EME como assistente técnico para instrução e organização. A Missão Militar Francesa seria incumbida especialmente da direção da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais, da Escola de Intendência e da Escola de Veterinária, além do comando da Escola Superior de Guerra (Escola de Estado-Maior).
Além disso, faria parte da importante evolução que o Exército Brasileiro passaria na primeira metade do século XX, sendo somente ameaçada no início da Segunda Guerra Mundial, quando novos ventos revelariam a fragilidade da doutrina militar francesa.
Por fim, conclui-se que o debate militar brasileiro, ocorrido na década de 1910 e maximizado pela I Grande Guerra, foi extremamente importante para modernizar o Exército Brasileiro, que, àquela altura, ainda estava organizado para combater as guerras do século XIX. Os alemães, em menor medida, e os franceses, em maior, foram os responsáveis pelo fortalecimento da doutrina militar no Brasil no período anterior a Segunda Guerra Mundial.