André Luís Woloszyn¹
A aprovação do Projeto de Lei nº 703/2019, que dispõe sobre o cumprimento de sanções impostas por resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, incluindo a indisponibilidade de ativos de pessoas naturais e jurídicas e de entidades, e a designação nacional de pessoas investigadas ou acusadas de terrorismo, de seu financiamento ou de atos a ele correlacionados é um grande avanço no sentido de reduzir o financiamento do terrorismo internacional.
Vale lembrar, que não se trata de uma construção espontânea do legislativo brasileiro e sim fruto de pressões de parte de organismos internacionais como o Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi) que havia estipulado prazo até fevereiro de 2019, para que o Brasil atendesse as recomendações do órgão sob pena de desvinculação.
Inobstante o projeto vir a complementar aspectos específicos da Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016, conhecida como Lei Antiterrorismo, torna-se ainda necessário uma discussão mais ampla uma vez que existem inúmeras polêmicas e controvérsias sociais e jurídicas sobre o teor desta legislação.
Uma das principais controvérsias recai na redação do artigo 2º da referida lei quando trata das motivações para o terrorismo estabelecendo razões de xenofobia, discriminação, preconceito de raça, cor, etnia e religião, associando-o a delitos contra os direitos humanos em uma abordagem dissonante das demais legislações internacionais.
Ademais, tais razões são descritas de maneira genérica exigindo dos aplicadores da lei elevado grau de discricionariedade para diferenciar quais ações se configuram como legítimas em defesa de direitos e quais não se enquadram nesta direção.
Com a exclusão da motivação política do texto da norma, considerada o cerne da questão, amplia as controvérsias já existentes. Sabemos, a priori, que um ato de terrorismo é o uso indiscriminado da violência para se atingir um determinado objetivo que poderá ser político, religioso ou por vingança e ódio, conforme a causa que motivou o ato.
O grupo Estado Islâmico, por exemplo, atua por causas políticas na tentativa de estabelecer um califado além de lutar contra a política ocidental que segundo estes, impede o direito de autodeterminação dos povos ao impor sua cultura e tradições.
Da mesma forma o Hamas quando apregoa o fim do Estado de Israel e ataca países simpatizantes. Excursionando pela história, os grupos terroristas do passado, entre as décadas de 50 a 70 como ETA, IRA, Baden Main Hoff e Brigadas Vermelhas eram motivados eminentemente por causas nacionalistas, circunstância que está intimamente relacionada a política, sendo financiados externamente por países e organizações não-governamentais de fachada.
Para compreendermos melhor os impactos destas motivações, o teor do parágrafo 1º do artigo 2º é bem ilustrativo.
Expressa que “são atos de terrorismo usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares, consideradas armas de destruição em massa”.
Contudo, o ato de portar tipos específicos de armas deve necessariamente obedecer a razões de xenofobia, discriminação, preconceito de raça, cor, etnia e religião, casos ainda não identificados no sistema penal brasileiro.
Seguindo este raciocínio, determinadas ações perpetuadas por facções criminosas, consideradas de natureza grave, como as que estão ocorrendo no estado do Ceará, dentre outras, estão fora do alcance desta lei e não poderão ser enquadradas como crimes de terrorismo uma vez que não estão relacionadas as motivações exigidas.
No mesmo diapasão encontram-se as ações perpetuadas pelos chamados movimentos populares não havendo dúvidas acerca de sua legitimidade. Todavia, utilizar-se de explosivos, armas de fogo, promover invasões em instituições públicas e de serviços essenciais com grave ameaça, extrapola questão reivindicatória de contestação e protesto, mesmo na defesa de direitos.
Neste sentido, integrantes destes movimentos que pratiquem tais atos não poderiam ser uma exceção a norma. Sendo assim, é possível argumentar que o Projeto de Lei, embora bem fundamentado, tende a ser inócuo uma vez que o financiamento para a prática do terrorismo com motivações exclusivamente ligadas aos direitos humanos, tem baixa probabilidade de ocorrência no Brasil, tampouco o confisco de bens e ativos financeiros.
Na realidade, vivenciamos no Brasil ações do terrorismo nacional ou doméstico parte de uma guerra híbrida financiada pelo tráfico de drogas que nada tem a ver com direitos humanos e sim com disputas por território e mercados.
A gênese deste problema recai no espírito da norma, tema explorado com maestria por Montesquieu em seu clássico “L Esprit des Loix”,quando desvirtuada em sua motivação para se adaptar a um contexto político-ideológico específico.
Neste sentido, reabrir o debate acerca desta legislação torna-se um ato de democracia e um passo essencial para minimizar os problemas de segurança pública no país.
¹André Luís Woloszyn – Analista de Assuntos Estratégicos, Mestre em Direito, especialista em Ciências Penais, diplomado em Inteligência Estratégica pela Escola Superior de Guerra.