Novamente, Índia e Paquistão, que possuem armas nucleares de alta tecnologia, parecem à beira de um conflito de grande escala. Os dois países já protagonizaram três guerras pela Caxemira, território que ambos reivindicam em sua totalidade, mas controlam apenas parcialmente.
Qualquer intensificação de conflito militar entre as duas potências sempre carrega um risco perigoso de um confronto atômico, e não é diferente desta vez. A Índia justifica seu ataque aéreo em solo paquistanês dizendo que alvejou um campo de extremistas controlado pelo grupo Jaish-e-Mohammad (JeM), que busca a "independência" da Caxemira controlada pela Índia.
O grupo assumiu a responsabilidade pelo ataque suicida do último dia 14 de fevereiro no distrito de Pulwama, na Caxemira, que matou mais de 40 soldados indianos. O JeM, que supostamente tem ligações com a organização terrorista Al Qaeda, alveja regularmente edifícios governamentais na Caxemira controlada pela Índia.
Por isso, a Índia afirma que sua operação militar foi, na verdade, uma ação de autodefesa. O Paquistão, por seu lado, nega qualquer envolvimento no ataque a bomba de Pulwama. O primeiro-ministro paquistanês, Imran Khan, disse que seu governo está pronto para agir contra o JeM se a Índia fornecer provas concretas de seu envolvimento no ataque letal. Islamabad também nega apoiar qualquer grupo extremista islâmico na Caxemira ou em qualquer outro ponto da região.
Um dia depois da ação militar da Índia, o Paquistão afirmou que sua Força Aérea realizou ataques através da fronteira de facto entre os dois países, a partir do espaço aéreo paquistanês. Islamabad também afirma ter abatido dois jatos indianos próximo à fronteira da Caxemira.
Muitos temem que a escalada tenha aumentado o risco de um confronto em grande escala entre as duas potências nucleares. "Todas as guerras são erros de cálculo, e ninguém sabe até onde elas podem ir", disse o premiê paquistanês durante seu discurso à nação na quarta-feira (27/02), após os ataques de retaliação de seu país contra a Índia.
"A Primeira Guerra Mundial era para ter acabado em semanas. Levou anos. De forma similar, os Estados Unidos nunca esperaram que a guerra contra o terrorismo fosse levar 17 anos", acrescentou.
"Pergunto à Índia: com as armas que vocês têm e as armas que nós temos, podemos realmente nos dar ao luxo de cometer um erro de cálculo do gênero? Se isso se acirrar, as coisas não estarão mais sob meu controle, nem sob o de Narendra Modi", continuou Imran Khan, em referência ao primeiro-ministro indiano.
Tanto a Índia quanto o Paquistão têm mísseis balísticos capazes de lançar armas nucleares. Segundo o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS), uma consultoria com sede em Washington, a Índia possui nove tipos de mísseis operacionais, incluindo o modelo Agni-3, que consegue atingir alvos a até cinco mil quilômetros de distância.
Os mísseis do Paquistão, construídos com apoio da China, também conseguem chegar a qualquer ponto da Índia, na avaliação do CSIS.
Os dois países também têm ogivas nucleares menores, que podem ser acopladas a mísseis de curto alcance (entre 50 e 100 km). Segundo o Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo (Sipri), a estimativa é de que o Paquistão tenha entre 140 e 150 ogivas nucleares.
Em comparação, a Índia teria entre 130 e 140. Analistas concordam que o programa nuclear do Paquistão é orientado pela sua percepção da ameaça que a Índia representa.
"Autoridades paquistanesas afirmam que suas armas nucleares são 'específicas para a Índia' e, com o crescimento do poder militar da Índia – com sua economia muito maior, sua capacidade de investir mais em recursos militares –, Islamabad acredita que precisa de mais armas nucleares para manter a dissuasão com a Índia", explica Toby Dalton, codiretor do Programa de Política Nuclear no think tank americano Carnegie Endowment for International Peace.
Gregory Koblentz, professor associado na Universidade George mason e autor de um relatório publicado pelo Carnegie em 2015, intitulado A normal nuclear Pakistan (Um Paquistão nuclear normal, em tradução livre), diz que o Exército paquistanês adotou uma estratégia de "dissuasão plena" para que possa "continuar se empenhando numa guerra assimétrica contra a Índia e demover até retaliações limitadas convencionais indianas com a ameaça de armas nucleares táticas." Essa desigualdade entre as forças militares indianas e paquistanesas poderia representar um enorme risco, dizem especialistas.
Michael Kugelman, do Centro Internacional para Acadêmicos Woodrow Wilson, também com sede em Washington, enxerga que o fato de o Paquistão ter recursos militares convencionais muito inferiores aos da Índia aumenta a possibilidade de um conflito nuclear.
"A ação de retaliação do Paquistão no cenário atual poderia ser revidada com uma resposta indiana destrutiva. Se isso acontecer, precisamos começar a nos preocupar com um cenário nuclear", explica Kugelman. Mas Talat Masood, um ex-general do Exército paquistanês e especialista em assuntos de Defesa, diz que não acha que o conflito mais recente envolvendo a Caxemira chegará a um conflito nuclear.
"Sim, há temores porque a tensão está aumentando e não está havendo diálogo. O Paquistão ofereceu encontros, mas a Índia não quer realizá-los por causa das eleições que se aproximam no país", lembra Masood. As preocupações sobre um potencial confronto entre Índia e Paquistão também se elevam devido à ameaça representada por milícias extremistas ativas no Paquistão, como o grupo Tehrik-e-Taliban do Paquistão (TTP), o "Estado Islâmico" (EI) e o braço da Al Qaeda no subcontinente indiano.
Qualquer guerra ou situação de conflito poderia desencadear um imenso caos no país, além de aumentar o risco de armas nucleares caírem nas mãos de "atores não governamentais". Porém, a analista de Defesa Maria Sultan, que trabalha em Islamabad, insiste que as autoridades de comando paquistanesas controlam firmemente os recursos nucleares do país.
"O Paquistão tem a capacidade de monitorar suas armas nucleares, e a tecnologia que está usando para fazê-lo é muito sofisticada", diz Sultan. Ela sublinha que as preocupações do Ocidente sobre a segurança nuclear do Paquistão são "infundadas".
Mas alguns especialistas acreditam que um arsenal nuclear "nunca é seguro". "De um lado, talvez haja um exagero na imprensa ocidental sobre bombas paquistanesas. Por outro lado, é um temor genuíno", pondera o pesquisador paquistanês Farooq Sulehria, que vive na Suécia.
Apesar desse temor, o analista político e de assuntos relacionados à Defesa Zahid Hussain diz que o Ocidente está preocupado "sem necessidade". "O Paquistão realizou testes nucleares há mais de 15 anos. Nada aconteceu desde então.
O Paquistão também assegurou que as armas nucleares continuassem seguras", afirmou. Esforços para evitar uma guerra entre Índia e Paquistão já foram iniciados, e especialistas afirmam que a ameaça nuclear poderia ser um fator importante para que a comunidade internacional consiga fazer com que as duas partes dialoguem.