Luis Kawaguti
Após negativas do governo de Michel Temer (MDB) no ano passado, a ONU voltou a sinalizar para que o Brasil envie tropas para uma de suas missões de paz, segundo afirmou ao UOL o general brasileiro que comanda as forças das Nações Unidas na República Democrática do Congo, Elias Martins Filho.
Segundo ele, ainda não houve um pedido formal de tropas durante o governo de Jair Bolsonaro (PSL), mas a ONU deseja que o Brasil se envolva em alguma ação na África o mais breve possível. O destino mais provável é a República Centro-Africana – missão que já havia sido cogitada durante o governo de Michel Temer (MDB), mas não foi adiante por problemas envolvendo recursos financeiros.
Elias é um dos militares brasileiros em posição hierárquica mais alta na ONU, e recebeu um pedido informal do chefe do Departamento de Missões de Paz do órgão, Jean-Pierre Lacroix. "Ele me disse: 'general, me ajude a trazer de volta o Brasil para as operações de paz'".
O Brasil participa das missões de paz da ONU desde a década de 1950. Em novembro de 2017, logo após o retorno do último contingente brasileiro da missão no Haiti, a ONU requisitou 750 militares para participar da missão de estabilização da República Centro-Africana – que sofre com a atuação de grupos rebeldes e violência étnica.
O Brasil realizou estudos e treinou tropas, mas o orçamento inicial da missão ultrapassou os R$ 400 milhões e o governo Temer recuou. O general Elias afirmou que a negativa desagradou a ONU, mas o Departamento de Missões de Paz mantém as portas abertas para o país.
Mesmo reembolsando gastos militares, a ONU tem encontrado dificuldades para encontrar fornecedores de tropas para suas missões. A maioria dos contingentes hoje vêm de países da África, do sudeste asiático e da América do Sul.
Qual a posição do governo Bolsonaro?
A reportagem apurou com integrantes do alto escalão do governo Bolsonaro que a atual administração é favorável ao envio das tropas ao exterior, mas o governo deve aguardar a concretização de medidas de austeridade no Brasil – como a reforma da Previdência, por exemplo – antes de autorizar novos gastos militares.
Atualmente o Brasil detém o comando da Monusco (missão na República Democrática do Congo) e da Força Tarefa Naval da Unifil (missão de paz no Líbano). Uma embarcação brasileira atua no mar Mediterrâneo como nau capitânia da força-tarefa.
Crianças-soldado e mulheres exploradas
As forças da ONU comandadas pelo general Elias enfrentam um cenário no Congo marcado pela atuação de grupos rebeldes, conflitos étnicos e uma epidemia de ebola.
Segundo ele, mais de 140 milícias armadas operam principalmente na região leste do país. As mais fortes lutam pelo controle territorial de áreas ricas em diamantes, ouro e cobalto. Outras vivem escondidas em áreas de selva enquanto subsistem a espera de uma oportunidade para combater governos de países vizinhos ou grupos étnicos rivais, entre outros objetivos.
"Esses grupos armados realizam ataques [a povoados ou unidades isoladas do exército congolês] com finalidades específicas: buscar suprimentos e medicamentos ou buscar armamento e munição. Ou ainda para recrutar forçadamente crianças para serem futuros soldados ou mesmo mulheres para serem esposas dos chefes dos grupos", disse o general Elias.
"Essa é uma questão muito latente nessa região que faz com que as Nações Unidas e outras organizações se devotem claramente no combate ao recrutamento que nós chamamos aqui de crianças soldados, ou de mulheres para fazerem parte forçadamente de grupos onde elas são exploradas sexualmente", disse o general.
Epidemia de ebola
A atual epidemia de ebola já matou mais de 500 pessoas e está concentrada nas províncias do Kivu Norte e Ituri – as mesmas regiões onde opera o grupo rebelde mais ativo do Congo e principal foco de atenção atual da ONU.
O ADF (sigla para Forças Democráticas Aliadas) é um grupo rebelde ugandense criado para se estabelecer nas florestas da República Democrática do Congo e de lá lançar ataques em Uganda com o objetivo de derrubar o governo. Ele atua usando estratégias de guerrilha rural.
Mas, segundo Elias, o ADF nunca teve condições para retornar a seu país e atacar o governo e começou a cometer atrocidades no Congo.
"Quase semanalmente temos ações para proteger a população civil ou realizar ações ofensivas contra esse grupo", afirmou Elias. A Monusco é a primeira missão da ONU que possui oficialmente um caráter ofensivo – na qual os capacetes azuis podem atacar forças rebeldes, em contrapartida a missões mais antigas em outros países onde se limitavam a manter acordos de paz.
A estratégia do general é proteger os 240 médicos e voluntários que trabalham no combate à epidemia. "Eles podem prevenir a morte de milhares e milhares de pessoas. Se o Ebola se espalhar naquela região, que é bastante populosa, ficará muito difícil conter, porque é uma região de fronteira, envolve três países próximos, Uganda, Ruanda e o próprio Congo. Então, a prioridade é oferecer proteção para esse pessoal", disse.
Ofensivas militares
Elias já realizou três grandes ofensivas contra o ADF em parceria com o exército do Congo. As duas primeiras ocorreram em junho e novembro de 2018, e a mais recene na semana passada.
Antes de se voltar ao combate ao ADF, as tropas de Elias e o Exército do Congo atacaram uma coalisão de grupos rebeldes chamados Mai Mai Yakatumba, que haviam conquistado cidades com reservas minerais no leste e no sul do país.
Eles também realizaram uma campanha contra a Frente de Resistência Patriótica de Iture, cujas lideranças se comprometeram a assinar um acordo de paz em março.
Presença no Congo
O primeiro general brasileiro a assumir uma posição de comando na missão do Congo foi Carlos Alberto dos Santos Cruz, atual ministro-chefe da Secretaria de Governo.
Em 2013, ele chefiava a Brigada de Intervenção da ONU no país e venceu em uma série de campanhas militares o M23 (Exército Revolucionário do Congo) que controlava províncias no leste do país e tentava derrubar o governo do ex-presidente Joseph Kabila e iniciou o combate ao ADF. O general voltou ao Brasil após passar dois anos e meio na missão.
Elias foi designado para o comando geral da operação em abril de 2018 e deve permanecer no cargo no mínimo até abril. O governo Temer chegou a cogitar mandar tropas à República Democrática do Congo para acompanhar o general, mas a hipótese foi descartada.