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O que falta para o satélite brasileiro, foco de Bolsonaro, ofertar internet

Helton Simões Gomes

Enviado ao espaço com a missão de levar internet aos rincões do Brasil, o Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações (SGDC) está prestes a completar dois anos em órbita, mas ainda não entrou plenamente em operação devido a uma batalha judicial movida por empresas preteridas pela Telebras na escolha da operadora do equipamento.

Agora que a análise da operação do satélite está em uma fase burocrática e o contrato com a norte-americana Viasat é alterado para atender a pedidos do Tribunal de Contas da União (TCU), a gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL) elegeu o destravamento do processo como prioridade para os primeiros 100 dias na área de ciência e tecnologia. Mas, afinal, o que ainda precisa ser feito para toda capacidade do satélite ser usada para fornecer internet a escolas e postos de saúde e abastecer serviços comerciais como o wi-fi comunitário?

Prioridade da banda larga

Marcos Pontes, titular do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), afirmou que, uma de suas três prioridades para os primeiros dias de sua gestão, é ampliar a banda larga:

Temos um satélite em operação. Precisamos, agora, dar infraestrutura de solo. Havia algumas travas jurídicas em torno do desenvolvimento desta estrutura. Esperamos resolver logo este problema, para que consigamos, através do contrato com a Viasat, instalar os equipamentos necessários para levar banda larga às escolas e comunidade remotas

As outras duas metas, informou o ministro em entrevista publicada no site do Governo Federal, são criar ou testar sistemas para dessalinizar água salobra e levar ciência e tecnologia a aulas do ensino fundamental e médio.

O uso de satélites para ampliar o acesso a banda larga em áreas desassistidas é visto como alternativa por outras autoridades da área das telecomunicações, conforme o presidente da Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel) afirmou ao UOL Tecnologia em novembro do ano passado.

Sou um árduo defensor da tecnologia satelital para provimento de acesso à internet, tanto nas áreas remotas como nas periferias dos centros urbanos, que muitas vezes não contam com infraestrutura de comunicação adequada

Leonardo Euler de Morais, presidente da Anatel

Como o satélite emperrou?

As "travas jurídicas" às quais o ministro se referiu estão aos poucos ficando para trás, mas elas foram responsáveis por quase dois anos de uso vagaroso do satélite, que possui vida útil de 18 anos. Antes de passar adiante, é preciso revisitá-las para saber o que falta para o serviço do satélite, enfim, decolar.

Após consumir R$ 2,78 bilhões em recursos públicos, o SGDC foi lançado rumo ao espaço em maio de 2017. Desde então, o que era para ser uma arma do Brasil contra a falta de conexão virou uma história de idas e vindas de decisões judiciais.

Parceria entre Ministério da Defesa e a Telebras, o SGDC é compartilhado por civis e militares. O Exército usa 30% da capacidade do equipamento para conectar suas instalações, como postos de fronteira.

Presidente da Anatel diz: ou conexão de ponta para poucos ou serviço meia-boca para todos

Com o restante, a empresa de capital misto atende diversos órgãos do governo federal. É essa fatia que está enrolada no imbróglio.

O negócio foi configurado para que a Telebras contratasse uma operadora. A essa empresa cabe instalar a infraestrutura de rede em todo o Brasil — sem isso, não há como receber e distribuir o sinal do satélite. Em contrapartida, ela pode explorar a capacidade não utilizada para ofertar seus próprios serviços de banda larga.

Há dois acordos diferentes sendo questionados. Se, por um lado, o MCTIC contratou a Telebras para tocar o programa Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão (Gesac), que leva internet a estruturas federais; por outro lado, a Telebras contratou a Viasat para operar o satélite. Os dois negócios estão conectados porque é com o satélite que a estatal atende o MCTIC.

Logo de cara, a escolha da companhia norte-americana foi questionada por empresas brasileiras que alegaram terem sido deixadas de fora ilegalmente da contratação e até que a contratação de uma estrangeira poderia colocar a soberania nacional em risco. Elas levaram a reclamação à Justiça ainda em 2017 e a questão chegou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que a encaminhou ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A ministra Carmen Lúcia, do Supremo, decidiu que o contrato com a Viasat era legal e liberou a ativação, até então congelada, de pontos de acesso em escolas e postos de saúde. Pediu também que o TCU o analisasse os termos do acordo. Em outra frente, empresas brasileiras de telecomunicação pediram que a autarquia averiguasse o arranjo entre Telebras e MCTIC por acreditarem que a empresa deveria ter concorrido com outras companhias em uma licitação pelo contrato de R$ 633 milhões.

Como o satélite está sendo destravado?

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O TCU considerou em novembro do ano passado que os dois negócios eram lícitos, mas pediu alguns ajustes ao contrato com a Viasat. Como o prazo termina em 6 de fevereiro, é neste ponto em que o trâmite está. Como a briga judicial paralisou a instalação de novas conexões para atender o Gesac, a Viasat teve de adiar os planos de oferecer seus serviços comerciais de internet via satélite.

Lisa Scalpone, gerente executiva da Viasat no Brasil, afirma, porém, que as modalidades comerciais do serviço devem ser lançadas cerca de duas semanas após a decisão do TCU e que isso deve ocorrer ainda na primeira metade de 2019. Ao UOL Tecnologia a executiva contou o que falta para solucionar de vez as tais "travas judiciais".

Nós estamos literalmente rascunhando diversos contratos e negociando com a Telebras diferentes interpretações que possam satisfazer TCU para chegarmos a um acordo

Ela comenta que o contrato é "intencionalmente complexo" por tratar de muitos detalhes.

Não é difícil de entender a internet via satélite no sentido de que as pessoas precisam de conexão, os cabos não chegam até elas e você precisa que o satélite cubra todo o Brasil. Isso é fácil. A parte difícil é a econômica e os modelos de negócio

Estão no papel, por exemplo, o que a Viasat fará para atender a Telebras e como a norte-americana pretende usar a capacidade excedente do satélite para oferecer seus serviços voltados a consumidores.

Wi-fi comunitário para áreas remotas do Brasil

O carro-chefe da estratégia da compania no Brasil é o wi-fi comunitário, mas ainda fazem parte dos planos colocar no mercado serviços de banda larga residêncial e para pequenas empresas, conexão à bordo para aviões de companhias aéreas e pacotes de acesso especializado para grandes corporações.

Um dos desafios da remodelação do contrato, conta Scalpone, é justamente o wi-fi comunitário. "O modelo é de alto risco."

Ela explica que o serviço precisa da instalação de equipamentos caros para receber sinal do satélite e transmitir a conexão via wi-fi e de uma parceria com empreendedores locais, que fazem as vezes de representantes comerciais em troca de uma parte da receita. "Não é fácil pegar esses termos [do contrato] e fazer de uma forma diferente."

O desafio, conta a gerente executiva, é fazer com que esse serviço continue interessante do ponto de vista financeiro.

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O intuito da Viasat é oferecer o serviço em localidades remotas do Brasil, que tenham cobertura ruim de celular, banda larga fixa insuficiente e sejam povoadas por pessoas de baixa renda. Uma aglomeração com 20 pessoas já torna a empreitada viável, diz a executiva. Nos cálculos da empresa, há 10 mil comunidades com essas condições, concentradas nas regiões Norte e Nordeste.

A Viasat já oferece internet com o modelo de wi-fi comunitário no México. Funciona assim: o interessado vai até a loja, onde a antena está instalada, e compra uma senha gerada na hora; com ela, destrava um pacote de dados pré-definido ou inicia uma sessão por hora. A velocidade gira em torno de 25 Megabit por segundo para um raio de cobertura de 500 metros. Por exemplo: a conexão por 1 hora custa 12 pesos (algo como R$ 2,40) e o pacote de 1 Gigabyte sai por 130 pesos (R$ 26).

Uma das principais dificuldades, afirma a executiva, é achar um representante local motivado e que seja um expoente em sua comunidade.

No México, uma das formas que usamos para escolher empreendedores em vilas foi indo à igreja e perguntando ao padre: 'Quem possui a confiança das pessoas aqui'.

Lisa Scalpone

Quando comenta o embate para validar a legalidade da transação com a Telebras, a executiva diz que a Viasat já sabia que o TCU iria rever os contratos e até esperava que isso ocorre. Também já antecipava que sua chegada iria preocupar concorrentes. "Isso é um comportamento normal entre competidores."

 

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