Roberto Maltchik
O Globo
RIO — Menos de duas semanas após assumir o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Marcos Pontes começa a delinear o formato do Programa Espacial Brasileiro no governo Bolsonaro. Nesta quinta-feira, conforme antecipou o blog Politicando , ele anunciou o nome do novo presidente da Agência Espacial Brasileira (AEB), Carlos Augusto Teixeira de Moura, que conhece em detalhes os desafios para tornar o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA), no Maranhão, numa base para lançamentos comerciais de satélites estrangeiros.
Em entrevista exclusiva ao GLOBO, Pontes afirma que o objetivo é garantir que o CLA preste serviços de "classe mundial". E definiu como prioridade estabelecer "uma nova governança" para o setor espacial, que hoje enfrenta dificuldades para a execução de seus projetos prioritários, como o Veículo Lançador de Microssatélites (VLM).
Sobre o acordo de salvaguardas tecnológicas com os Estados Unidos, pré-condição para o uso comercial de Alcântara, Pontes afirma que há "compreensão mútua" entre os dois países sobre o texto que deverá ser submetido ao Congresso nos próximos meses. E reconhece que, antes de dar início ao uso comercial da base de Alcântara, o Brasil precisa estabelecer uma Lei Geral do Espaço, o que ainda deve levar algum tempo.
Quando o senhor acredita que haverá condição de votar no Congresso o AST, acordo de salvaguarda tecnológica com os Estados Unidos, com o objetivo de fazer uso comercial do CLA?
As negociações sobre o AST têm avançado positivamente, com a compreensão mútua de ambas as partes. Acreditamos que, em breve, o texto acordado estará pronto e, na sequência, poderá ser apreciado por nossos congressistas.
Em sua opinião, quais são as garantias mais importantes para que este acordo não afete a soberania nacional?
O Brasil é um país de destaque nos fóruns mundiais de não proliferação, tais como MTCR (tecnologias de mísseis) e NSG (supridores nucleares). Temos, portanto, uma reputação de país responsável, cumpridor dos compromissos assumidos, e com efetiva participação na definição de critérios técnicos e jurídicos para a proteção de tecnologias sensíveis. Com respeito ao AST, o Brasil vai se comprometer a atuar como ocorre nos principais centros de lançamento do mundo. O detentor do satélite ou do lançador terá as garantias para que, durante as atividades de lançamento e, na eventualidade de investigação de acidente com exposição de partes desses sistemas, será respeitado o direito de proteção à propriedade intelectual. De qualquer forma, na condição de país lançador, o Brasil manterá sob sua responsabilidade a coordenação geral das atividades de lançamento e rastreio, principalmente quanto aos aspectos de segurança.
Qual é o modelo de gestão que o senhor entende mais adequado para o uso comercial do CLA?
Nosso passo inicial é garantir que o CLA possa, via sistemas, processos e pessoal devidamente qualificados, prestar serviços de lançamento de classe mundial. Somente depois disso é que teremos condições de estabelecer o melhor modelo de exploração das atividades, principalmente no que tange a aspectos comerciais. Enquanto isso, estamos verificando como as operações espaciais ocorrem em outros centros mundo afora, de maneira a estabelecermos os modelos mais adequados à nossa realidade e ao nosso arcabouço legal.
Como o senhor entende que deve ser a atuação da AEB no serviço de lançamento de satélites?
Ao longo deste ano, o Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro estudou gargalos que precisam ser vencidos na área espacial, e foram propostas soluções. Uma das mais importantes é a nova governança do setor, alçando nosso Programa a um efetivo compromisso de Estado em prol desta e das futuras gerações. A AEB manterá, nesse modelo de governança, diversas atividades que já executa, além de secretariar o Comitê Executivo do Espaço. A título de exemplo, continuará cabendo à AEB o estabelecimento de acordos internacionais e o fomento de atividades junto às nossas universidades e institutos técnicos, de forma que o Programa Espacial desperte vocações e dê o melhor retorno possível aos anseios da sociedade.
O senhor é favorável a concessão da exploração da área do CLA para a iniciativa privada, em um período que possa ir até a 50 anos para garantir o retorno do negócio?
Primeiramente, precisamos de segurança jurídica. Além do AST, temos trabalhos em desenvolvimento para estabelecer uma Lei Geral do Espaço. Com isso, investidores poderão equacionar seus modelos de negócios, de forma a que suas atividades sejam não somente rentáveis, mas também indutoras de desenvolvimento tecnológico e socioeconômico para toda a região de Alcântara.
Em sua opinião, além de uma eventual concessão de exploração, o senhor concorda com a ideia de repassar a administração do CLA para alguma fundação, com o objetivo de facilitar a alocação de recursos para o centro?
Seria muito prematuro qualquer iniciativa nessa direção. O Brasil possui modelos muito interessantes de compartilhamento de instalações e serviços, como ocorre em nossos aeroportos e em nosso sistema de controle de tráfego aéreo e de defesa aérea. Em todo o mundo, há centros espaciais qualificados que fazem o uso de serviços técnicos, logísticos e de segurança de forma associada a organizações de defesa. Portanto, mais uma vez, o importante é garantir a qualidade dos serviços.
Em quanto tempo o senhor considera viável o início da exploração comercial do CLA?
O CLA já possui um amplo leque de sistemas e serviços capaz de atender, com pequenas adaptações, veículos de pequeno porte. Temos recebido diversas empresas interessadas em se valerem das condições excepcionais de Alcântara. Acreditamos, assim, que tão logo esses aperfeiçoamentos sejam feitos e tenhamos o arcabouço legal definido, poderemos partir para a negociação concreta da exploração comercial.
Qual é sua opinião sobre o projeto VLM, o Veículo Lançador de Microssatélites?
O Veículo Lançador de Microssatélites está em linha com as tendências do “new space”, no que tange a lançamento de satélites de pequeno porte e com mais frequência. É um nicho de mercado muito favorável à exploração pelo Brasil. Além disso, após a obtenção dos parâmetros reais de voo, poderemos, a partir do VLM, desenvolver a família de lançadores Áquila, com maior capacidade de carga. Isso nos permitirá atender ampla gama de nossas necessidades, tanto do PNAE como do PESE.
O senhor pretende dar prioridade para este projeto?
Prosseguiremos com o desenvolvimento, com a participação de nossa indústria, e rumo à nossa autonomia em lançamentos de pequeno porte. Aliás, os recentes testes do motor S-50, em desenvolvimento pela AVIBRAS, têm demonstrado ótimas perspectivas de atender o desempenho esperado.