AS ATUAIS MANIFESTAÇÕES SOCIAIS DE PARIS E AS SIMILARIDADES COM AS RECENTES MANIFESTAÇÕES DO BRASIL
Eduardo de Oliveira Fernandes
Coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo, doutor, mestre e bacharel em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública, concluiu o Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE) e o Curso Superior de Defesa (CSD) pela Escola Superior de Guerra, Especialista em Ciências Sociais pela FESPSP, Especialista em Gestão Contemporânea de Segurança Pública e Justiça Criminal pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) e diplomado em “Investigações de Ameaças Terroristas” pelo Departamento de Estado Americano. É autor do livro “As ações terroristas do crime organizado”, Livrus, 2012, e “Terrorismo – Complexidades, Reflexões, Legislação e Direitos Humanos”, Juruá, 2017.
Nas últimas semanas, grande parte da população do globo tem, de maneira atônita, assistido e acompanhado o desenvolvimento, a cada sábado, das manifestações dos “coletes amarelos”(1), levado a efeito em Paris, a capital francesa, e sua periferia.
Inicialmente, as manifestações foram desenvolvidas por conta do aumento da incidência do imposto dos combustíveis, sob o argumento, por parte das autoridades governamentais, da necessidade de usar tal tributação para o investimento em energias limpas e renováveis, compondo um corolário representativo do Governo do Presidente Emmanuel Macron, encarecendo o direito de ir e vir dos cidadãos, diante, inclusive, dos problemas já existentes do transporte público.
Diante da referida pauta, os manifestantes optaram por atuar diretamente em logradouros icônicos e turísticos de Paris, tais como o Arc de Triomphe, Avenue des Champs Élysées, contando com ampla adesão de cidadãos parisienses e, também, de moradores oriundos de cidades periféricas.
Um movimento aparentemente difuso e sem uma liderança definida, diante de um governo com baixos índices de popularidade, foi ganhando, a cada semana, grande caixa de ressonância na mídia mundial, além de grandes incrementos em sua adesão.
O que, em primeira análise, deveria ser composto por ações pacíficas, foi, aos poucos, radicalizando e gerando grandes tumultos, saques, depredações, incêndios, pelo que se verificou a quebra da ordem pública e, consequentemente, a atuação mais enérgica das forças de segurança, culminando na detenção de centenas de manifestantes.
Por não ser um movimento protagonizado por um partido político ou um sindicato, as negociações com o Governo tornaram-se extremamente dificultosas, aliadas aos óbices para a sua prevenção e eventual contenção e dissuasão, tarefa das forças de segurança.
Ainda no campo político, grupos sociais e partidos de diferentes matizes ideológicos, sejam de esquerda ou de direita, passaram a enxergar janelas de oportunidades para tirarem proveito do caos instalado e da própria fragilidade do governo.
Em razão do ineditismo fenomenológico verificado, muitas análises e comparações foram apresentadas, pelo que podem ser elencadas as seguintes:
SIMILARIDADES COM A GREVE DE 2018 DOS CAMINHONEIROS NO BRASIL
– Em ambos os casos, é possível verificar que movimentos paredistas que impedem o direito de ir e vir das pessoas e que despertam tanto a simpatia como antipatia de parte da população, tendem a se fortalecer, notadamente, quando torna-se nítida a fraqueza política do governo, muito comum em quadros de visível agravamento do quadro econômico. No Brasil, o Governo Temer ao adotar medidas de política econômica de caráter liberal, provocou a ira dos sindicatos e, diante de sua péssima avaliação no quesito popularidade, não conseguiu enfrentar politicamente a situação que provocou o desabastecimento e atingiu diretamente as metas de crescimento econômico e do PIB (Produto Interno Bruto);
– O aumento dos combustíveis impactam diretamente o poder de compra da população em geral, em razão de este item atuar na composição dos valores de produtos de consumo diário;
– Tanto no Brasil como na França, houve, em determinados momentos, flagrante quebra da ordem pública;
– Oportunidades de ação de gangues e organizações criminosas para saques ao comércio em geral;
– Divisão ideológica em que grupos radicais de matizes ideológicos opostos passam a atuar diretamente. No Brasil, houve grupos que defendiam o retorno do Regime Militar em contraponto à ação da esquerda brasileira muito mais afeita às narrativas relacionadas à greve e outros movimentos sociais;
– Dificuldade em definir o que é greve ou locaute, posto que empresários atuantes nessa área específica passaram a tirar proveito da situação.
SIMILARIDADES COM AS MANIFESTAÇÕES DE 2013 NO BRASIL
Diante da aparente confusão ideológica, as similaridades ocorrem por conta do conteúdo apartidário e da ausência do protagonismo sindical.
O fenômeno estudado pode ser enquadrado naquilo que se definiu como “novos movimentos sociais”, uma vez que esses se organizam por meio das redes sociais, com imersão na vida cotidiana, providos de fins específicos, temporários, caracterizados por uma ação múltipla, militância parcial e efêmera e contando com solidariedade afetiva como condição para participação, demonstrando latência e visibilidade estratégica.2
Contudo, diferentemente do Brasil, ainda que tenham ocorrido saques, depredações e enfrentamento das forças de segurança por parte dos manifestantes, não foi detectada a presença da tática black bloc, porém é possível verificar certa proximidade das “táticas de ação direta”, que tiveram origem na década de 70 do século XX e grassaram em 2013, o território brasileiro.
Por outro lado, como ocorreu no Brasil nas assim denominadas Jornadas de Junho, aquilo que começou em Paris como uma mera reivindicação específica, assumiu novas formas e tornou-se uma demanda universal que acabou por tratar de temas mais abrangentes como o estado de bem-estar social, as questões migratórias, as redes de proteção social, a corrupção, o nepotismo, as injustiças sociais etc.
No Estado de São Paulo, naquela época, as reivindicação do MPL (Movimento Passe Livre), em razão da adesão exponencial por parte da população, deslocou o eixo para outras reivindicações como saúde, educação e segurança.
Portanto, há a necessidade, ainda, de verificar se os saques e depredações ocorridos em Paris constituíram os elementos daquilo que se costuma chamar de “violência simbólica” contra ícones do capitalismo ou se trata, apenas e tão somente, de “violência real”.
SIMILARIDADES COM AS MANIFESTAÇÕES DE 1968
A grosso modo, não se deve, de maneira alguma, alcunhar o movimento como constitutivo dos requisitos básicos de uma nova “Primavera”, como ocorreu com a Primavera dos Povos (1848), Primavera de Praga (1968) ou, posteriormente, a Primavera Árabe (2011), fato tipicamente identificado com a insurgência contra regimes autoritários, uma vez que, de maneira diametralmente oposta, a França é um Estado Democrático de Direito, igualmente, como o Brasil.
Por fim, com a adesão cada vez maior de novos segmentos nas ruas, pode-se, de alguma maneira, enxergar o engajamento dos estudantes, mulheres e outros grupos sociais que representam minorias e pessoas expostas à vulnerabilidade, como se vê na presença de imigrantes africanos na cena parisiense.
———————————————————
1 Gilet Jaune em francês, os coletes amarelos fazem referência ao equipamento de segurança (jaleco), que é de uso obrigatório pelos condutores de veículos franceses, diante da situação de panes mecânicas.
2 MELUCCI, Alberto. Accíon colectiva, vida cotidiana y democracia. Madrid: Sistema, 1988
Material Relacionado