Nota DefesaNet
DefesaNet reproduz a excelente cobertura realizada pela equipe de Zero Hora, liderada pelo jornalista Rodrigo Lopes e equipe. Série composta por cinco artigos. S40 Riachuelo I – O Berço dos Submarinos Brasileiros Link S40 Riachuelo II – Por Dentro do Gigante de Aço Link S40 Riachuelo III – O motor diesel-elétrico Link S40 Riachuelo IV – O Alagamento do Compartimento de Máquinas! Link S40 Riachuelo V- A Fortaleza de Itaguaí Link
Equipe de Redação e Produção Rodrigo Lopes – Texto Paola Gndolfo e Anna Fernandes – Arte Julio Cordeiro – Fotos jornal Zero Hora ediçao 1-2 Dezembro 2018 |
S40 Riachuelo I – O Berço dos Submarinos Brasileiros
Em estreita porção de terra entre a Serra do Mar e o Oceano Atlântico, entocado na baía de Sepetiba, um ninho de 750 mil metros quadrados de concreto e ferro está gestando as mais modernas máquinas de guerra do Brasil. No complexo naval de Itaguaí, município 70 quilômetros ao sul do Rio, emergirá o primeiro submarino nuclear brasileiro, um gigante de aço de 6 mil toneladas, armado com torpedos F-21 e capacidade para desaparecer no litoral do país e reaparecer em qualquer lugar do planeta sem chamar a atenção.
Quando ficar pronta — a previsão é para 2029 —, a embarcação de cem metros de comprimento e 6.000 toneladas, alçará o Brasil ao seleto clube de nações detentoras de submarinos com propulsão atômica. São apenas seis no mundo: os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas (Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China) e a Índia. Além disso, a Marinha brasileira será elevada a outro patamar estratégico e de defesa da soberania nacional.
Um submarino nuclear confere às esquadras amplo poder de dissuasão. Em outras palavras, um país irá pensar várias vezes antes de atacar outra nação que detém esse arsenal. Como é uma máquina furtiva, por ficar a maior parte do tempo longe da superfície, age como elemento surpresa. Um torpedo seu pode partir ao meio um navio de superfície antes mesmo de a tripulação identificar de onde partiu o disparo. Foi o que ocorreu com a Argentina durante a Guerra das Malvinas, em 1982. Um único submarino nuclear britânico, o HMS Conqueror, levou a pique o cruzador ARA General Belgrano, matando 323 marinheiros. O ataque obrigou nossos vizinhos a recuar toda a sua frota naval aos portos, ato primeiro da derrocada que viria.
O malogro argentino no Atlântico Sul levou o almirantado brasileiro a acalentar o sonho do nuclear. Mas por que investir em um projeto de R$ 32 bilhões, se o Brasil está em paz com os vizinhos e tem desafios internos gigantes, como rombo de R$ 140 bilhões previsto para 2019 e teto que limita gastos em áreas essenciais? (Veja o Documento que por 10 anos baliza a posição da Marinha do Brasil Link)
Na visão da Marinha, trata-se de proteger a Amazônia Azul, área de 4,5 milhões de quilômetros quadrados de costa, equivalente a metade do território nacional, onde estão localizadas 90% de todas as reservas brasileiras — entre elas, o pré-sal. Outra razão: cerca de 95% das exportações brasileiras são realizadas por meio de portos nacionais. A frota de submarinos do país é antiga, a maioria dos anos 1980-90. Os cinco atuais, Tupi, Tamoio, Timbira, Tapajó e Tikuna, passam por manutenção.
O projeto do submarino remonta o final dos anos 1970, antes mesmo do fracasso da aventura argentina nas Malvinas. Houve sucessivos atrasos por mudanças estratégicas e principalmente por restrições orçamentárias. Entre 1998 e 2007, o plano praticamente parou. Foi ressuscitado com a nova Estratégia Nacional de Defesa, que previa a modernização das Forças Armadas. O projeto do submarino casava com o plano do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de colocar o Brasil entre os grandes do mundo.
Em 2008, o Planalto assinou com a França, então presidida por Nicolás Sarkozy, parceria que prevê compartilhamento de tecnologia para a construção do complexo de infraestrutura naval de Itaguaí: a base naval, a unidade de fabricação de estruturas metálicas, a construção de quatro submarinos convencionais e do sonhado nuclear.(Para os documentos históricos desta parceria estratégica acesse a Cobertura Especial PROSUB DOCS)
Para se chegar à plataforma com propulsão atômica, há esforço para dominar a expertise. Assim, serão produzidos submarinos menores, movidos a diesel elétrico, como o que a Argentina perdeu no fundo do Atlântico na tragédia do ARA San Juan um ano atrás. Há outra vantagem dos convencionais, espécie de "irmãos mais velhos" do nuclear: embora o atômico seja mais rápido e com maior autonomia, faz mais barulho — o inimigo número 1 de qualquer submarinista enclausurado em uma caixa de aço. Na água, uma onda sonora que se propaga pode alertar o inimigo e delatar a presença da embarcação. Em caso de guerra, é morte certa. Os convencionais, por serem menores, atuam em águas rasas, mais próximos da costa.
A parceria com a França, embora fundamental, tem limitações. Os cascos dos submarinos, os sistemas de combate e de controle preveem tecnologia do país europeu, mas nenhuma nação compartilha conhecimento na área nuclear. Assim, o Brasil precisou desenvolver aqui a inteligência.
— Ninguém transfere tecnologia. Pelo contrário. Querem que nosso projeto não vá adiante, porque não interessa a eles que mais um país entre para o clube dos detentores de submarino nuclear — explica o contra-almirante engenheiro naval Celso Mizutani Koga, gerente do empreendimento modular de obtenção de submarinos da Marinha.
Orgulho da Armada brasileira, o primeiro "filhote" do programa, que culminará no submarino nuclear, chama-se S-40 Riachuelo. O monstro de 75 metros de comprimento e 2,2 mil toneladas repousa com a ré (popa) apontada para a baía de Sepetiba, dentro do main hall, o estaleiro. A embarcação deve ser lançada ao mar dia 14 Dezembro, inaugurando nova era do Brasil nos oceanos. Na chuvosa manhã de segunda-feira, 26 Novembro, em Itaguaí, entramos no claustrofóbico interior do submarino, a mais formidável máquina de guerra brasileira da atualidade.