Marinha planeja frota nuclear
Programa não se limita a um único submarino,
mas total só será decidido após entrega da primeira unidade
DefesaNet 18 Dezembro 2007
OESP 14 Outubro 2007
Roberto Godoy
OESP
O programa de desenvolvimento do submarino nuclear brasileiro não se esgota em um só navio. O plano prevê, sim, uma frota mínima a longo prazo – mas o número de navios só será decidido pelo Comando da Marinha “depois que a primeira unidade estiver pronta, exaustivamente testada, e estudados todos os aperfeiçoamentos que serão introduzidos”, afirma o almirante Júlio de Moura Neto, comandante da Força.
A previsão é de que o submarino inicial entre em operação em 12 anos, por volta de 2020, ao custo estimado de R$ 2,04 bilhões. A partir de 2008, o projeto nuclear da Marinha vai receber R$ 130 milhões ao ano.
Moura Neto sustenta que “só depois que o projeto estiver suficientemente consolidado será possível tratar da produção e, à luz dos fatores condicionantes, dimensionar a nova classe”.
O ministro da Defesa, Nelson Jobim, acha o projeto “essencial à garantia da riqueza nacional que se encontra no Atlântico”. Para ele, não dá para pensar em proteção “exclusivamente com navios de superfície, plataformas de fácil localização por meio de satélites”. Jobim lembra que, antes da embarcação de propulsão atômica, “a esquadra terá de construir submarinos convencionais, de propulsão diesel-elétrica”.
A frota nuclear será formada por navios de 96 metros, 4 mil toneladas de deslocamento submerso e 17,8 metros de altura máxima – o equivalente a um prédio de sete andares, no ponto onde fica a vela, a torre que abriga antenas e os sistemas óticos; o periscópio, por exemplo.
Para os engenheiros navais brasileiros, trata-se de aprender todo um novo conceito, a começar do desenho. O quadro de bordo do submarino nuclear será formado por 100 tripulantes, acomodados em um tubo de aço de 9,80 metros de diâmetro. Dentro dele dividirão o limitado espaço com equipamentos e os sistemas – rede elétrica, condutos hidráulicos, computadores, torpedos, mísseis e, claro, um reator nuclear ativo.
O tempo de permanência sob a água é indefinido, calculado em ciclos de 30 dias. “Para reduzir o stress decorrente do confinamento, os especialistas procuram dar ao arranjo interno do navio referências da dimensão humana”, afirma o projetista inglês Nigel Desmond, dos estaleiros Vickers. Isso não significa muito. Na embarcação pretendida pelo Brasil, o efeito será percebido nos beliches, levemente mais amplos que os estreitos modelos adotados nos submarinos convencionais, menores e mais leves, ou no refeitório, também usado como cinema. Outro cuidado: cardápio variado, comida saborosa e de qualidade, servida dia e noite.
Esses gigantes vão operar a partir de uma nova base naval, que tem grande chance de ser instalada no litoral de São Paulo, ao norte de São Sebastião. Alí, no bolsão de águas calmas e profundas, onde a topografia da costa é pouco acidentada, os navios atômicos, protegidos por baterias de mísseis antiaéreos, seriam preparados para cumprir missões permanentes de patrulha. Também estariam próximos do parque industrial paulista e de um estaleiro especial que deve surgir em Sepetiba, no litoral sul do Rio, para construir os submarinos. Nos dois locais, as áreas envolvidas pertencem à União.
O complexo de edifícios da base será todo coberto para escapar do olho dos satélites militares. O prédio da doca funcionará com berços flutuantes e diques de drenagem – as embarcações serão movimentadas para dentro e para fora com auxílio da água do mar. Sempre rapidamente, quase sempre durante a noite, ao amanhecer, ao cair da tarde ou quando houver neblina. Recursos mínimos para reduzir – mas não evitar – a observação eletrônica.
Tudo isso – da divisão do ambiente ao compartimento onde ficará o reator, o centro de combate e até a nova base – está pronto, em escala, no discreto pavilhão M, do Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo (CTMSP), no campus da USP. Ali há maquetes de engenharia que vêm sendo periodicamente atualizadas desde os anos 80, quando o programa, então considerado secreto, teve início.
O material destina-se aos ensaios de projeto do arranjo interno do submarino, com todos os componentes. Uma bancada isolada mostra o conjunto propulsor. E, ao fundo, uma seção de acrílico em grande proporção, permite estudar a distribuição dos dispositivos que compõem parte da unidade de vapor de alta pressão. Os músculos da máquina.
SEGREDOS
Há também vários segredos. O maior deles, ligado ao projeto, é o da tecnologia do eixo que leva movimento à enorme hélice destinada a movimentar o navio. O maior problema nessa área é limitar ruído e vibração. Empregando um conceito derivado da construção de ultracentrífugas nacionais, empregadas no enriquecimento do urânio usado como combustível de reatores, o eixo de 80 metros será magnético, funcionando sem barulho e, melhor ainda, sem atrito entre as partes móveis.
O Túnel de Cavitação, o laboratório de testes, terá de ser construído no Centro Aramar, em Iperó, região de Sorocaba – um tanque, monitorado eletronicamente, de 400 metros de comprimento com 7,5 metros de profundidade. “Para isso não se encontram parceiros internacionais”, comenta o almirante Carlos Bezerril, o diretor-geral do Centro Tecnológico.
Bezerril estima que a Marinha esteja no nível 40 do conhecimento tecnológico exigido para a construção de submarinos nucleares, tendo o patamar 100 como sendo o momento da entrega do navio, “graças ao avanço obtido no domínio completo do ciclo do combustível e da propulsão, com execução de um protótipo, pronto em Aramar”. Para construir submarinos nucleares o programa prevê que haja, antes, um modelo convencional como forma de dominar os processos de fabricação – do casco em aço especial até a montagem dos equipamentos.