Carlos Wagner
A respeito de eleições existem duas coisas sagradas para os brasileiros: a certeza da inviolabilidade das urnas eletrônicas e a de que quem ganhar, leva. Sobre essa última certeza, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso acrescentou o seguinte: “quem levar vai ter que respeitar as regras e os direitos dos outros”, em uma reportagem publicada na Folha de São Paulo.
As regras que o ministro fala estão na Constituição do Brasil, um documento que foi redigido pelo sangue e pelo suor das pessoas que lutaram pela democratização do país durante os anos do Regime Militar (1964 a 1985). Esse é o lado visível das eleições.
O lado invisível começa no dia seguinte às eleições. As negociações pela governabilidade do país. A Constituição determina que o presidente da República precisa da aprovação dos deputados da Câmara Federal e dos senadores para aprovar os seus projetos. E como nenhum partido brasileiro tem condições de fazer maioria nas duas casas, a governabilidade do país fica por conta das negociações entre os partidos. Antes de seguir para a frente.
Negociações pela governabilidade acontecem nas melhores democracias do mundo. Mas o que aconteceu no Brasil, nos últimos 20 anos, quase que é uma exclusividade nossa. Em qualquer canto do mundo, esse tipo de negociação envolve cargos como moeda.
Aqui, além dos cargos, o dinheiro grosso lubrificou as negociações – vindo de contratos de empresas superfaturados com o governo. Como isso aconteceu pode ser visto nas investigações da Força Tarefa da Lava Jato – disponíveis (texto, áudio, vídeos e fotos) na internet.
A Lava Jato ainda não terminou. Mas até agora houve várias prisões, cassações de mandatos e algumas centenas de processos tramitando na Justiça Federal – há um vasto material disponível na internet.
Em uma leitura atenta nos conteúdos da documentação da Lava Jato dos depoimentos de delatores, suspeitos, condenados e autoridades da época, chega-se à conclusão que, se não houvesse dinheiro, não tinha acordo, e tudo parava.
Leis, como Foro privilegiado – que determina que parlamentares e ministros só sejam julgados pelo STF –, garantiam a impunidade dos envolvidos. O presidente que assumir no próximo ano tem argumentos na mão para dizer não ao acerto com dinheiro pela governabilidade que nenhum outro teve na história do Brasil.
A começar que houve mudanças no Foro privilegiado que permitem a punição do parlamentar. Também há a consolidação da lei da ficha limpa – quem for condenado em segunda instância vai para a cadeia e não pode concorrer. E, por último, está em operação a Força Tarefa da Lava Jato. O que é um bom argumento para os empresários se negarem a pagar propina.
Para o novo governo que irá assumir, a Operação Lava Jato é como um cachorro brabo atado no pátio que será lembrado para quem pedir dinheiro. Claro, nós, repórteres, não podemos ser ingênuos, acreditando que as negociatas não irão acontecer. Elas vão acontecer. Só que o nível será o menor da história, devido às mudanças nas leis e ao “cachorro brabo no pátio”.
Mais ainda: a grande imprensa e as redes sociais vão estar vigilantes ao que acontece nos bastidores do governo. Aliás, lembro aos meus colegas uma frase, dita em um depoimento na Lava Jato, de Emílio Odebrecht: “a imprensa sabia de tudo, e fica com essa demagogia. Por que estão fazendo isso agora?” Essa frase sintetiza muito bem a nossa culpa no que aconteceu. Agora, é esperar o novo governo assumir para ver que rumo as coisas irão tomar.