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“Por que eleitores das regiões de fronteira estão ‘fechados’ com Bolsonaro?

"Por que eleitores das regiões de fronteira estão ‘fechados’ com Bolsonaro?
Não é só o discurso de combate à violência. Quem vive nas regiões fronteiriças demonstra preferência por Jair Bolsonaro por motivos que flutuam entre história, geografia e perfil socioeconômico"
Apesar da distância geográfica, os estados do Acre, Roraima, Rondônia, Mato Grosso do Sul e Paraná têm em comum a presença de algumas das mais importantes – e perigosas – fronteiras do Brasil. Agora, nesses mesmos confins, surge uma nova semelhança.
Do ponto geográfico mais extremo de Norte a Sul do Brasil, o Monte Caburaí,em Roraima, ao Chuí, no Rio Grande do Sul (esqueça o Oiapoque, o monte é mais longe), o presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) está na ponta nas pesquisas do Ibope nesses estados (veja mapa ao fim da matéria).
Mesmo antes do atentado à vida do presidenciável, inclusive nos cenários com Lula, em agosto, ele liderava as pesquisas no Acre e Roraima e empatava na liderança em Rondônia (veja os números). Estado a estado, as explicações para a preferência pelo candidato do PSL têm semelhanças e diferenças.
Jair Bolsonaro no Acre: por lá, nem o PT é de esquerda
Quando Jair Bolsonaro foi ao Acre, no início do mês, foi tão folclórico que simulou uma metralhadora e discursou: “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre e botar esses picaretas ‘pra correr’”. Seus seguidores foram ao delírio. Como explicar?
“O discurso da fragilidade da fronteira [com a Bolívia e com o Peru] é usado para justificar a violência – e não é só no Acre, onde temos uma fronteira praticamente sem vigilância. Mas não justifica por si só. Tem a ver com população carcerária e crime organizado”, explica Nilson Euclides da Cunha, professor de Ciências Políticas da Universidade Federal do Acre (UFAC).
Bolsonaro virou opção não apenas pela promessa de combate à violência e do porte de armas para a população: “Historicamente o PT nunca foi bem votado para a presidência aqui no Acre. O Lula perdeu para o Alckmin, a Dilma perdeu para Aécio”.
Mesmo assim, desde 1998, o PT vence a disputa estadual. O governador atual é Tião Viana (PT) e um outro petista empata na liderança das intenções de voto. Só que no Acre a questão não é direita versus esquerda: é oligárquica. Há disputa entre famílias, explica o professor: “Os Viana nunca foram de esquerda. No histórico de formação política, as alianças vão de centro direita para a esquerda”.
Roraima, Bolsonaro e a Venezuela
Se nem mesmo a acreana Marina Silva (Rede) consegue projeção em seu estado, quem dirá em outros. “É um discurso eticamente bacana, ambientalista, mas que nunca emplacou”, diz Nilson Cunha. E vai contra o agronegócio, o que também explica a influência do capitão da reserva em Roraima e Rondônia.
“Existe um forte vínculo [do Bolsonaro] com o setor agrário e que tem influência importante sobre a população em geral”, diz Walter Birkner, sociólogo de Santa Catarina (outro estado fronteiriço) e mestre em História Política.
 
Professor do programa de mestrado em Sociedade e Fronteiras, do Centro de Ciências Políticas da Universidade Federal de Roraima (UFRR), Birkner chegou neste início do ano no estado. “As pessoas me contam que o eleitorado é tradicionalmente conservador. Isso para mim está diretamente ligado ao agronegócio, ainda que [a capital] Boa Vista seja uma cidade com muitos funcionários públicos”, destaca.
O PIB estadual é quase 50% composto pela administração pública e 7% pelo agronegócio, mostra o Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos (Depec). A madeira é o principal produto de exportação, mas ainda há uma forte participação de comércio e serviços. É aí que entra o fator Venezuela. A população enxerga uma ameaça ao trabalho e uma escalada da violência com o aumento da imigração.
“Isso altera o cotidiano de várias maneiras. A simples postura do Bolsonaro indica posições mais duras e menos flexíveis a essa expectativa, com pulso firme para resolver esse problema de uma vez por todas”, deduz o professor, que indica ainda a forte presença de militares na região da fronteira, o que reforça o eleitorado do candidato do PSL.
Onde índios e mestiços votam em Bolsonaro
Nos ‘dois Matos Grossos’ o agronegócio é o motor da economia. Contudo, no Mato Grosso do Sul ‘o buraco é mais embaixo’ quanto às fronteiras. Corumbá divide o país da Bolívia. Ponta Porã faz fronteira com o Paraguai.
“A região do pantanal tem um perfil muito específico pela fronteira com a Bolívia. Lá é baixa a densidade demográfica, com influência da Marinha especificamente. Ali o perfil militar é outro e a forte influência do governador [Reinaldo Azambuja, do PSDB] pode até puxar o Alckmin. Mas quando falamos da fronteira paraguaia, com tráfico pesado de drogas, é um mundo novo que envolve várias pequenas cidades e fronteira seca”, avalia o cientista político Victor Garcia Miranda, professor adjunto da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.
Na região paraguaia, há brasiguaios, grandes áreas agropecuárias e também um batalhão terrestre que influenciam os votos em favor do capitão da reserva, destaca Miranda. “São lideranças que orientam o voto e negociam com políticos algo que faça sentido para eles. Pode ter até indígena que vota e mestiços que votam [em Bolsonaro]”, diz. E isso ocorre mesmo com as disputas em torno de terras indígenas e o agronegócio.
Jair Bolsonaro no Paraná de Alvaro Dias
No Paraná, Jair Bolsonaro divide a ponta com Alvaro Dias (Podemos). Na pesquisa Ibope do dia 4 de setembro*, ele empatou em 23% nas intenções de voto com o presidenciável paranaense. Em agosto, empatava pela margem de erro (veja no mapa abaixo).
Apesar de não haver uma pesquisa dividida por municípios, Foz do Iguaçu tem peculiaridades que pesam no perfil histórico-eleitoral: o trânsito na Ponte da Amizade Brasil-Paraguai era de 40 mil veículos e 114 mil pessoas por dia em 2017, segundo pesquisa do Centro Universitário UDC. Por ali passam todos os tipos de mercadoria – além de ser, junto com Guaíra (outra cidade do estado que faz fronteira com o Paraguai), um ponto de entrada de drogas no país.
“Aqui temos a presença de outros setores econômicos. Os grupos de apoio importam mais que o partido, o eleitorado é mais diverso. Na Câmara de Vereadores, vemos um perfil de grupos conservadores, como evangélicos. Em Foz temos muito mais o voto em pessoas do que em partidos”, avalia Lucas Ribeiro Mesquita, doutor e cientista político da UNILA, a Universidade Federal da Integração Latino Americana.
Segundo o analista, há uma dinâmica eleitoral distinta de outras cidades do Oeste do Paraná, onde há influência de cooperativas agropecuárias. “Uma amostra disso é Cascavel, uma das cidades com maior aprovação do governo Michel Temer no Brasil. É uma aproximação com setores mais conservadores. Não sei até que ponto isso coloca Bolsonaro na preferência geral, mas ajuda”.
Mesquita também comenta a importância de Alvaro Dias nesse cenário: “Ele acaba sendo um candidato de expressão [em todas as regiões do Paraná] pela trajetória, por ser mais conhecido aqui. A própria família tem base no estado, então é natural. Quanto ao Alckmin, há o desgaste do governo Beto Richa”. O ex-governador tucano foi preso na última semana.
As fronteiras conservadoras do Rio Grande
A influência do ex-capitão do Exército também é vista no Rio Grande do Sul. Segundo o historiador e cientista social Manoel Caetano Passos, o estado como um todo é dividido. Lula venceu a eleição presidencial no estado, mas a crise econômica que assola a região – avalia o analista – “já se arrasta por 50 anos”.
Passos afirma que nem no período de governos federais do PSDB nem do PT houve mudanças. De 1995 até hoje, três partidos se revezaram no comando regional: PMDB, PT e PSDB. “E o Bolsonaro surge no meio disso tudo”, opina.
Nas proximidades com Argentina e Uruguai, há duas situações diferentes. Em Bagé, fronteira com o Uruguai, há uma região de latifúndios, explica Passos. Entretanto, ele conta que há uma diversificação, com trabalhadores de serviços, comércios e setor terciários, sendo uma antiga base eleitoral do PTB.  
Na região de Uruguaiana, vizinha à Argentina, há outra tendência: “É mais à direita, com penetração do PP”, afirma. Nesse lado da fronteira, a vice da chapa de Alckmin, Ana Amélia (PP), foi inclusive criticada pelo candidato ao Senado Luis Carlos Heinze (PP) por não apoiar Bolsonaro.
Mesmo assim, na última pesquisa do Ibope**, houve crescimento do tucano nas pesquisas para presidente – Alckmin pulou de 6% das intenções de voto no estado, dia 6 de setembro, para 10% na pesquisa de 13 de setembro. Bolsonaro saltou de 26% para 29% no mesmo período.
Neste sentido, tanto o analista gaúcho quanto os especialistas dos demais estados concordam em um ponto: a eleição está ‘estranha’ e tudo pode acontecer.
Metodologias das pesquisas citadas
* Pesquisa realizada pelo Ibope de 1º a 4/set/2018 com 1204 entrevistados (Paraná). Contratada por: REDE PARANAENSE DE COMUNICAÇÃO. Registro no TRE: PR-04985/2018. Margem de erro: 3 pontos percentuais. Confiança: 95%. A primeira pesquisa do Ibope foi realizada de 16/ago a 22/ago/2018 com 1008 entrevistados (Paraná). Contratada por: REDE PARANAENSE DE COMUNICAÇÃO. Registro no TSE: PR-04869/2018. Margem de erro: 3 pontos percentuais. Confiança: 95%.
** Pesquisa realizada pelo Ibope de 10 a 12/set/2018 com 1204 entrevistados (Paraná). Contratada por: RBS PARTICIPAÇÕES SA. Registro no TRE: RS-04827/2018 Margem de erro: 3 pontos percentuais. Confiança: 95%.
 

 
 

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