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Ministro Luna e Silva – Prevê mais mortes na fase final da intervenção no Rio

 

Vinicius Sassine

O Globo

 

BRASÍLIA — A intervenção federal no Rio caminha para uma maior letalidade, tanto em razão de uma ampliação de confrontos entre grupos rivais quanto pela atuação mais efetiva da polícia. A percepção é do ministro da Defesa, o General-de-Exército Joaquim Silva e Luna, em entrevista ao GLOBO.

— (Enfrentamentos entre grupos rivais) tendem a se intensificar e gerar mais mortes. Isso não é uma profecia. É uma conclusão — afirma o general, que acrescenta — Ao se defrontar com o criminoso, a tendência da polícia, por falta de meios, era se omitir. Agora, ela está disposta a enfrentar. Isso aí pode aumentar a letalidade.

A operação da intervenção federal no Complexo do Alemão na última segunda-feira, que deixou três militares mortos, foi a mais letal para o lado dos militares nas últimas décadas. Luna cita que houve mortes apenas na missão de paz no Haiti — e isso em razão de terremotos, numa missão que durou 13 anos, entre 2004 e 2017 — e numa ação de garantia da lei e da ordem (GLO) no complexo da Maré, em 2014, com um militar morto e 27 feridos. O ministro diz que não haverá vingança e que a estratégia militar manda trocar tropa e comando, para que não haja espaço para revanches.

Luna não admite que houve erro dos militares na prisão de cinco jovens no Alemão que, após quatro dias presos, foram soltos pela Justiça por falta de evidências de envolvimento em práticas criminosas.

— O criminoso se sente reforçado e volta como herói.

O ministro diz que a intervenção ainda não sabe quem matou a vereadora Marielle Franco (PSOL), mas trabalha para que isso ocorra até o fim da presença dos militares no Rio, em 31 de dezembro. E admite:

— O caso Marielle vai ser parte da percepção do êxito (da intervenção). Resolvido, é uma percepção. Não resolvido, é outra percepção.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

O ministro da Defesa, Joaquim Silva e Luna, durante audência pública na Câmara dos Deputados- Ailton de Freitas / Agência O Globo

O senhor tem conhecimento de outra ação militar que tenha sido tão letal aos militares quanto esta na segunda-feira, no Complexo do Alemão, quando três morreram?

Ao entrar numa operação como essa, o risco já está posto. Ele faz parte da missão. Logicamente, tenta-se minimizar o risco. Aquele terreno era pouco conhecido pelos militares. O que afeta a um, afeta a todos. Todo mundo se sente pessoalmente atingido. Se não for assim, o comandante que deu ordem para que esses três soldados subissem o morro corre o risco de ouvir do soldado que ele não vai, que não se sente seguro. Na Maré, em 2014, houve uma morte e 27 feridos. No Haiti, 17 morreram, mas por causa do terremoto.

A letalidade em ações da intervenção vai ser maior a partir de agora?

A integração da polícia, que não existia, passou a ser feita. Uma quantidade muito grande de policiais que estavam em atividades administrativas já está incorporada ao trabalho. Existia uma quantidade grande de UPPs que não tinha finalidade alguma. Foram extintas e esse pessoal foi incorporado. Eles estavam despreparados. Tiveram que treinar, fazer tiro. Agora, essa resultante vai atuar contra o crime organizado. Os grupos começaram a se enfrentar entre eles. O tiroteio, o enfrentamento provocado por eles mesmos deverá ser crescente. Balas perdidas e policiais mortos reduziram bastante. Hoje, um único disparo é suficiente para inibir a ameaça.

Enfrentamentos entre grupos rivais podem se intensificar?

Tendem a se intensificar e gerar mais mortes. Isso não é uma profecia. É uma conclusão.

Houve um aumento de 40%, no entanto, da quantidade de mortes em decorrência de ações policiais: 636 entre março e julho deste ano, ante 460 no mesmo período do ano passado.

Os dados catalogados na época eram inconsistentes em razão de a polícia estar em greve. As notificações eram abaixo do que acontecia de fato. Além disso, ao se defrontar com o criminoso, a tendência da polícia, por falta de meios, era se omitir. Agora, ela está disposta a enfrentar. Isso aí pode aumentar a letalidade. A ação da polícia não é matar. Ela vai para tentar prender. Do enfrentamento pode surgir a morte.

Diante da morte de um PM, é comum no Rio que ocorra uma contraofensiva, muitas vezes motivada por vingança. Isso pode vir a acontecer agora, diante da morte dos três militares?

Eu diria que não. Uma forma que as Forças Armadas usam até como método é trocar a tropa empregada ali. Tira aquela tropa e coloca outra. Troca o efetivo, troca o comandante da operação. Se nos deixarmos dominar por isso, a missão acaba.

Na mesma operação no Alemão, cinco jovens da mesma família foram presos pelos militares e a Justiça entendeu que não havia razão para as prisões. Eles ficaram quatro dias presos.

O sentimento que passa é de impunidade. Mas do outro lado está a Justiça, que fez sua avaliação e considerou que não era o caso de se criminalizar. A primeira percepção que passa é que estamos tirando com uma mão e colocando com outra. Ele se sente reforçado, se é que tem alguma culpa.

Ele quem, ministro?

O criminoso. Ele se sente reforçado e volta como herói. Passa a exercer uma liderança como herói dentro do seu universo.

A Justiça se equivocou?

Não tenho esses dados para avaliação. Estou falando da percepção que passa. Ele sendo abraçado, ele sendo festejado. Alguém que estava envolvido naquele ambiente é complicado. Estão dando exaltação ao crime em vez de a quem está combatendo o crime, em proveito da sociedade.

Como viu a morte de um adolescente de 14 anos a caminho da escola em junho, na Maré, usando o uniforme escolar? Um helicóptero sobrevoava a comunidade e efetuava disparos.

A gente vê com lamento. Já há versão de que o tiro não partiu do helicóptero, mas se for isso aí, é lamentável.

Já houve avanço em investigação sobre de onde partiram os disparos?

A trajetória da arma não veio do helicóptero.

A intervenção tem se preocupado em investigar esses casos?

Tem. Quando há um caso desse, ele é mais que apurado. Serve de estudo para se evitar que aconteça de novo. Se houve uma falha, o pessoal corta na carne e corrige, para evitar cometer erro velho. Isso aí foi um erro.

A vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista dela, Anderson Gomes, foram assassinados há 163 dias (completados na sexta-feira). Já se sabe quem matou os dois?

Não. Não se sabe. Isso é uma caminhada de aproximação a um objetivo, a um ponto. Nunca foi interrompida essa caminhada e sabe-se que se está aproximando desse ponto.

A gente vai saber quem matou Marielle até o fim previsto no decreto da intervenção, 31 de dezembro?

Este é o objetivo. Identificado o criminoso, essa pessoa, esse grupo, que se possa entregar todos os instrumentos à Justiça. Seria muito ruim identificar uma pessoa e no dia seguinte ela estar andando de short por Copacabana. Seria ruim que os dados para provar que ele é o criminoso sejam muito frágeis. Um advogado com pouca instrução consegue liberá-lo. A ansiedade da população brasileira é a minha também e do próprio interventor. O caso é emblemático, embora existam milhares de outros casos. Milhares são muito, mas outros casos também aconteceram. Era uma pessoa que parece que tinha vida política, perspectiva na sua área, no que ela defendia. É uma liderança que foi morta. Houve informações precipitadas, e isso acabou retardando.

Mas houve precipitação dentro do mesmo governo que o senhor integra, com diversas declarações do ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann.

Tem gente que tem ansiedade, carência de estar falando. Não vou nominar nada, mas talvez essas informações não tenham ajudado. Puxaram pela camisa o pessoal que estava avançando. Atrasou, e se perdeu tudo. É uma retomada.

A investigação vai de fato apontar para a atuação de milícia no assassinato? Ou vai haver surpresa nesse desfecho?

Eu confesso que não tenho essa perspectiva. A tendência seria o grupo que se tem ideia de que está envolvido com isso.

E a suspeita de participação direta de políticos do MDB do Rio?

São suspeitas e estão sendo investigadas.

O êxito ou fracasso da intervenção depende da solução desse caso?

O êxito da intervenção vai estar na reestruturação da polícia do Rio. O caso Marielle vai ser parte da percepção do êxito. Resolvido, é uma percepção. Não resolvido, é outra percepção.

O que a população do Rio pode esperar nesses quatro meses finais de intervenção?

O que se fez até agora foi plantar. Os resultados disso vão acontecer, já estão acontecendo. Os índices de criminalidade baixaram. O que aumentaram foram os homicídios por enfrentamentos. O que está aumentando é o enfrentamento de gangues, com risco de que se tenha um pico disso aí. Elas vão ficando cercadas, e a tendência é o desespero.

Essa intervenção acaba mesmo em dezembro? Ou acaba antes? O senhor tem conversado com o presidente sobre isso?

Tenho conversado. A tendência é acabar em dezembro, mesmo. O tempo político é um tempo diferente do tempo lógico. Joga com percepções. O que vale para hoje pode não valer para amanhã. Ela não acaba antes, vai até o dia 31.

É que no meio do caminho há uma eleição totalmente em aberto.

Há risco de um estresse grande nessas eleições. Talvez se empregue o maior efetivo de Forças Armadas numa eleição, em razão desse estado de ânimo da sociedade. Tirar a tropa do Rio neste momento seria muito ruim.

O presidente da República foi muito criticado pela maneira como fez a intervenção, de forma atropelada, uma crítica que surgiu nas próprias Forças Armadas. Os militares topariam um novo ano de intervenção?

A lei que prevê a garantia da lei e da ordem é muito cuidadosa. Há um tempo determinado, uma área bem definida e quando esgotados os meios naquela localidade. Uma intervenção por prazo longo é muito ruim, desvirtua o emprego das Forças Armadas, que estão ali fazendo um trabalho de polícia. O interesse de estender uma missão dessa é nenhum. Tem gente querendo se apropriar até do caso Marielle, quando percebe que o caso caminha para ser resolvido.

Como enxerga a queda de apoio da população do Rio à presença dos militares no estado, de 83% para 66%, conforme detectado por pesquisa do Datafolha?

Isso é um confronto da expectativa com a realidade. Havia a expectativa de que as Forças Armadas resolveriam tudo. A realidade encontrada é de um estado em regime de recuperação fiscal, zero de investimento, polícia em greve, salário atrasado, caos. Tudo isso tinha de ser recuperado para depois ser trabalhado alguma coisa. Ao confrontar tudo isso, a expectativa foi murchando. As pessoas se sentiram frustradas. Acharam que aquilo ali era um passeio na Praia de Copacabana.

O Ministério da Defesa tem alguma preocupação com radicalismos nas eleições, como o não reconhecimento do resultado das urnas, por exemplo?

Preocupação existe com o pleito eleitoral, com o dia da votação, apuração, capacidade de as pessoas se deslocarem com segurança. A chance é zero de não respeito ao resultado. Uma das missões das Forças Armadas é garantir as instituições.

Mas o candidato Jair Bolsonaro (PSL) questiona as urnas eletrônicas e evita dizer que respeitaria uma eventual derrota nas urnas.

Eu tenho impressão que as pessoas têm as suas estratégias de conversar com seus eleitores. Com a sua narrativa, descontruir uma coisa e em cima dessa desconstrução construir uma outra realidade. Cada um usa o artíficio que quiser.

Vale para o lado oposto? O ex-presidente Lula (PT) está preso e registrou sua candidatura.

Ele aparece em tudo que é local. Está se impondo para a sociedade através da repetição. “Está preso mas não está preso.” Hoje, o candidato que tem mais tempo de exposição de mídia é o Lula. É um candidato que não existe.

Isso incomoda o senhor?

Eu fico com pena do Brasil. É um país que não está estruturado ainda para definir alguma coisa e honrar aquilo que definiu, o que a lei está dizendo. Temos tolerância com o que não é legal.

Bolsonaro, capitão da reserva, representa o que o alto comando das Forças Armadas pensa?

Não. A gente tem buscado separar. Bolsonaro está na política há sete mandatos. Ele sempre foi uma pessoa independente em suas percepções. As Forças Armadas sempre foram apartidárias. Bolsonaro vai vendo os nichos de oportunidade que podem ser explorados e explora aquilo que a sociedade está carente.

 

 

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