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Sérgio Etchegoyen – O militar empurrado aos holofotes por crises


Ariana Schreiber e Luiza Franco

Alçado ao palco principal da política em episódios recentes, como a intervenção federal no Rio de Janeiro e a greve dos caminhoneiros, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência, general da reserva Sérgio Etchegoyen, 66, é descrito como um homem reservado e discreto, que costuma atuar mais nos bastidores do que na linha de frente do cenário nacional. 

Assim é a tradição de sua família, de longa trajetória militar no Rio Grande do Sul. Seus pai, tio e avô participaram de momentos-chave de ruptura institucional, como o golpe militar de 1964 e a chamada Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder. Eles orbitaram próximo da Presidência do país, mas não chegaram a ocupar um cargo de primeiro escalão como o do atual ministro.

O protagonismo alcançado por Etchegoyen parece mais resultado circunstancial de um governo fraco, em crise, carente de um nome que inspire autoridade, do que de uma ambição anterior pessoal. O ministro da secretaria de Governo, Carlos Marun, chegou a convidá-lo para se filiar ao MDB, visando uma possível candidatura presidencial, mas o general recusou.

"Ele entendeu que não era compatível com o perfil dele", contou à BBC News Brasil, para, em seguida, exaltá-lo: "Ele é imprescindível para o governo hoje, para o governo e o Brasil".

Francisco Carlos Teixeira Silva, professor de História Contemporânea da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e amigo de Etchegoyen, diz que o ministro assumiu o posto "porque tem essa coisa de militar de receber uma missão e cumpri-la" e que o que o ministro mais quer é "brincar com os netos e pescar".

Um ex-ministro da Defesa ouvido pela reportagem também não enxerga ambição política no ministro, embora reconheça que as circunstâncias deram a ele o papel de "segurar o pau do barraco para ele não cair", em referência ao presidente Michel Temer.

"Ele nem quer isso (virar o homem forte do governo). É um homem de bastidor, fora dos holofotes, que vem de uma família conservadora, de conspiradores. O avô era conspirador no Rio Grande do Sul, o pai também foi importante nesse negócio", observou.

Apesar do envolvimento dos Etchegoyen em golpes de Estado, os tempos, claramente, são outros, e o ministro sabe disso. Ao ser questionado sobre os pedidos de intervenção militar que se espalharam pelo país durante a crise de abastecimento, respondeu que era "assunto do século passado".

"Vivo no século 21 e o século 21 está divertidíssimo. Meu farol é muito mais potente que o retrovisor. Não vejo nenhum militar, Forças Armadas pensando nisso (intervenção militar), não conheço, absolutamente", afirmou. 

Do golpe frustado aos bem-sucedidos

O Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getulio Vargas, registra momentos importantes da família Etchegoyen. O avô do ministro, Alcides Gonçalves Etchegoyen, servia com o irmão Nélson no Regimento de Artilharia Montada de Cruz Alta (RS) quando ambos, em 1926, lideraram a chamada Coluna Relâmpago, uma tentativa de impedir a posse de Washington Luís, eleito presidente da República. Sem apoio de outras unidades militares, acabaram derrotados pelas tropas legalistas.

Quatro anos depois, participaram do movimento mais amplo que conseguiu derrubar Washington Luís, impedir a posse do presidente eleito Júlio Prestes e levar Vargas ao comando do país. Após a tomada de Porto Alegre, Alcides assumiu o comando do primeiro destacamento gaúcho que partiu para o Rio de Janeiro no dia 5 de outubro de 1930.

Durante o governo Vargas, o avô do ministro ocupou diversos cargos militares até ser escolhido para substituir o chefe de polícia do Distrito Federal, Filinto Müller, em julho de 1942. "Permanecendo no cargo de chefe de polícia até agosto de 1943, (Alcides) Etchegoyen teve uma atuação moralista, combatendo o jogo do bicho e a prostituição, além de perseguir as atividades políticas de oposição ao governo", destaca a biografia do CPDOC.

Os registros da FGV indicam também que, mais pra frente, em 1955, Alcides participou das conspirações para impedir a posse do presidente e do vice-presidente eleitos, Juscelino Kubitschek e João Goulart. O movimento foi frustrado pelo contragolpe do ministro da Guerra, marechal Henrique Teixeira Lott. Nesse processo, Alcides chegou a ficar brevemente detido.

Quase uma década depois, porém, os Etchegoyen mais uma vez entrariam no caminho de João Goulart, então presidente. Os filhos de Alcides, Leo e Cyro Guedes Etchegoyen, respectivamente pai e tio do ministro de Temer, participaram do golpe de 1964 e ocuparam cargos relevantes na ditadura, que se estendeu até 1985.

Na época da tomada de poder, eram jovens e não tiveram papel de liderança, mas, em entrevista sobre o regime militar dada ao CPDOC, em 1993, o tio de Etchegoyen contou que participou dos movimentos de articulação na base das Forças Armadas.

De 1970 a 1974, Cyro serviu no gabinete do então ministro do Exército, general Orlando Geisel, atuando na área de informações e contrainformações. Na época, período mais violento da repressão, o presidente era Emílio Garrastazu Médici, de quem Leo Etchegoyen chegou a ser assessor. Os registros no CPDOC porém são contraditórios sobre se isso ocorreu antes de Médici assumir a Presidência ou durante o tempo que comandou o país. 

"Meu irmão (Leo) trabalhou com ele (Médici), como seu assistente-secretário (…). Ele falou-me sempre com muita admiração e respeito por seu caráter, sua integridade, sua dignidade, pelo ser humano que ele era", disse Cyro na entrevista.

Como chefe da seção de contrainformações do Centro de Informações do Exército (CIE), Cyro foi apontado pelo coronel Paulo Malhães em depoimento à Comissão Nacional da Verdade como responsável pela Casa da Morte, centro de tortura em Petrópolis (RJ).

Na entrevista ao CPDOC em 1993, Cyro sustentou que as ações de tortura eram iniciativas isoladas do baixo comando, versão que contraria documentos históricos, como informes da CIA (agência americana) que dizem que os generais sabiam dos métodos utilizados. Segundo o tio de Sérgio Etchegoyen, a principal arma usada pelos militares para desarticular a oposição foram as infiltrações nos "movimentos subversivos", a partir de 1972.

"Graves violações de direitos humanos"

O relatório final da Comissão Nacional da Verdade, de 2014, cita Cyro e Leo entre mais de 300 militares acusados de terem atuado de alguma forma na prática de "graves violações de direitos humanos".

O nome de Leo é citado devido aos cargos que ele ocupou, como a chefia do Estado-Maior do II Exército e do III Exército, sem relacioná-lo a atos ou vítimas específicas, o que levou seu filho a divulgar uma nota com duras críticas à Comissão, que ele acusou de não ter procurado a família durante seus trabalhos de investigação. Foi o único general da ativa a se manifestar publicamente contra o relatório. 

"Ao investirem contra um cidadão já falecido, sem qualquer possibilidade de defesa, instituíram a covardia como norma e a perversidade como técnica acusatória. No seu patético esforço para reescrever a história, a CNV apontou um culpado para um crime que não identifica, sem qualquer respeito aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa", dizia a nota.

Não foi a primeira vez que a honra do pai tirou Sérgio Etchegoyen do sério. Ainda na ditadura, em 1983, ele chegou a ficar preso alguns dias, após responder críticas do então Comandante Militar do Planalto, Newton Cruz, contra militares que aceitavam depor em uma Comissão Parlamentar de Inquérito, caso de Léo. A assessoria do GSI confirmou à BBC News Brasil que houve a prisão, mas não respondeu sobre qual seria o teor do depoimento no Congresso.

Conservadores nos costumes, liberais na economia

Assim como o governo de Michel Temer, os Etchegoyen costumam ser conservadores nos costumes e liberais na economia. No início dos anos 50, quando o país debatia se o setor de petróleo deveria ou não ser estatizado, o avô Alcides defendeu que não, posição que acabou prevalecendo.

O tio Cyro se dizia favorável à privatização da Petrobras, embora criticasse a forma como o debate era conduzido no início dos anos 90, no governo Fernando Collor. "Vamos entender bem isso, meu pai não acreditava nos "nacionalistas". Nem eu. (…) Sempre desconfiei. Mas eu também não sou um liberal entreguista, eu prezo o interesse do meu país", disse à FGV.

A Petrobras hoje está no centro da crise de abastecimento que o chefe do GSI tenta debelar, e sua privatização – ou de parte dos seus ativos – volta a ser discutida. Sem citar empresas específicas, o ministro Etchegoyen defendeu, em entrevista ao portal Exame.com no ano passado, a importância do capital privado. 

"A preocupação com a soberania nacional é o começo do discurso que levou ao nosso deficit de infraestrutura. As privatizações não ameaçam a soberania nacional, e abordar a questão por esse ponto sempre acaba travando os projetos", argumentou o general.

Conselheiro de Temer


Em meio ao intenso troca-troca ministerial do governo Temer, Etchegoyen é um dos poucos que está no planalto desde quando Temer ainda era interino, antes do final do processo de impeachment de Dilma Rousseff (PT), em maio de 2016. Por ser próximo do comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, seu conterrâneo de Cruz Alta (RS), e do ex-ministro da Defesa, o também gaúcho Nelson Jobim, acabou aceito para a função embora não fosse próximo de Temer antes.

Segundo o amigo Francisco Carlos Texeira, que também foi diretor do Instituto Pandiá Calógeras, do ministério da Defesa, os militares não tinham uma boa relação com o governo Dilma, principalmente, diz ele, por causa da Comissão da Verdade.

Numa gravação obtida por investigadores e divulgada em maio de 2016, o então senador licenciado Romero Jucá (MDB), atual líder do governo no Senado, defendia que a solução para "estancar a sangria" provocada pela operação Lava Jato seria "pôr o Michel (Temer)".

Mais adiante, Jucá, em conversa com Sérgio Machado, então diretor da Transpetro, afirmava que já estava "conversando com os generais, comandantes militares".

Segundo Jucá, estava "tudo tranquilo" e os militares iriam "garantir".

Nos últimos dois anos, Etchegoyen ganhou a confiança de Temer.

"Hoje é um dos conselheiros do presidente da República", diz o deputado Darcísio Perondi (MDB/RS), um dos parlamentares mais próximos de Temer.

"O Sérgio assume por demais tarefas políticas, fica indefeso", diz Francisco Carlos. Para o amigo de Etchegoyen, é "muito conveniente" para os políticos "matreiros" se esconderem atrás de um militar, num governo extremamente impopular, durante um ano eleitoral.

A agenda de Etchegoyen nos últimos três meses reflete a evolução do seu perfil público. Em março, fez várias reuniões internas e com o presidente Temer e viagens ao Rio por conta da intervenção federal. Depois, passou a se encontrar com estrangeiros, inclusive o presidente do Paraguai. Muitas dessas reuniões tiveram na pauta o tema da segurança na fronteira. Em maio, quando foi designado para coordenar a reação do governo à greve dos caminhoneiros, sua agenda foi dominada pelo tema. Pouco antes disso, teve um encontro com Luiz Fux, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) e presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), sobre "apoio às eleições ". 

Seu desempenho à frente do GSI, porém, não é imune a críticas. O ministério não soube alertar o Planalto sobra a gravidade da crise dos caminhoneiros, que foi inicialmente subestimada pelo governo, por exemplo.

"Os militares estão convencidos de que esta é a pior crise por que o país passou na história recente, e se veem como um poder moderador", diz Teixeira. "Eles achavam que Temer seria uma ponte, mas acabou sendo um desastre", opina o professor.

"Sérgio agora aguarda o processo eleitoral."

Carreira

Em sua carreira no Exército, onde ingressou em 1971, aos 19 anos, Etchegoyen chegou a ocupar cargos no exterior, como o de oficial do Estado-Maior da Missão de Verificação das Nações Unidas em El Salvador, entre 1991 e 1992, e de chefe da Comissão do Exército Brasileiro em Washington (EUA), de 2001 a 2003.

No Brasil, a posição mais alta que ocupou foi o de Chefe do Estado-Maior do Exército, um cargo importante, nomeado por Villas Bôas, ainda no governo Dilma. Por estar já na reserva, embora seja ministro, tem pouco influência sobre a tropa hoje.

Segundo o pesquisador João Roberto Martins Filho, professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que se dedica há décadas a estudar os militares, dentro das Forças Armadas, o general Etchegoyen é tido como uma figura importante, ainda que mais controverso do que figuras tidas como moderadas, como o General-de-Exército Eduardo Villas Bôas, comandante do Exército.

 

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