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Saiba mais sobre o Haqqani, grupo paquistanês que atormenta EUA

Eles são os Sopranos da Guerra do Afeganistão, uma violenta família criminosa que construiu um império sobre a prática de sequestro, contrabando e extorsão. Eles traficaram pedras preciosas, madeira roubada e exigiram dinheiro para a proteção de empresas responsáveis pela construção de estradas e escolas com fundos americanos.

Eles guardam seu território montanhoso plantando bombas terrestres e atacando remotas bases militares dos EUA. E eles são acusados por autoridades americanas de serem "armas de aluguel": uma força usada pelo serviço de inteligência paquistanês para realizar ataques em Cabul e em todo o país.

Hoje, a inteligência e oficiais militares americanos consideram o clã criminoso conhecido como a rede Haqqani – liderado por um militante chamado Jalaluddin Haqqani, que se aliou ao longo dos anos com a Agência Central de Inteligência, o Serviço de Espionagem da Arábia Saudita e Osama bin Laden – como o grupo insurgente mais perigoso do Afeganistão.

Na última de uma série de greves e cada vez mais ousados ataques, o grupo realizou um atentado contra a Embaixada dos EUA em Cabul, um ataque que o almirante Mike Mullen, presidente do Estado-Maior Conjunto americano, acusou na quinta-feira de ter sido realizado com a ajuda da agência de espionagem militar do Paquistão, o Diretório de Inteligência de Inter-Serviços, ou ISI. De acordo com dois oficiais dos EUA, os telefones celulares utilizados pelos autores do ataque fizeram chamadas para agentes do ISI antes, embora oficiais de alto escalão paquistaneses neguem que seu governo tenha desempenhado qualquer papel.

Mas mesmo com os americanos prometendo vingança contra o Haqqanis, e mesmo em meio a um novo debate no governo Obama sobre como minimizar o poder do grupo, há uma crença crescente de que talvez possa ser tarde demais. Para muitos oficiais, eles representam uma oportunidade perdida com consequências assombrosas. Responsáveis por centenas de mortes americanas, o grupo Haqqani provavelmente vai durar mais do que as tropas americanas no Afeganistão e comandar grandes territórios depois da partida das forças ocidentais.

Oficiais militares dos EUA, que passaram anos pedindo a Washington que tomasse medidas contra o Haqqanis, expressam a raiva pelo governo Obama ainda não ter colocado o grupo na lista de organizações terroristas do Departamento de Estado, por causa da preocupação de que tal medida iria afundar qualquer chance de que o grupo possa fazer a paz com o governo do Afeganistão.

"Quem estiver no poder em Cabul terá que fazer um acordo com o Haqqani", disse Marc Sageman, um antigo oficial da CIA que atuou no Paquistão durante a guerra soviética-afegã. "Não seremos nós. Nós vamos sair e esses caras sabem disso."

Quando a ameaça era menos urgente, o Haqqani – estimados entre 5 mil e 15 mil combatentes posicionados nas montanhas do Afeganistão e Paquistão – não era uma prioridade para os americanos. Mas mesmo assim, os EUA tenham pouca influência contra eles. O Haqqani expandiu seu alcance em números, enquanto oficiais americanos tentavam repetidamente ao longo da última década repreender e convencer as autoridades do Paquistão a cortar laços com um grupo que considera essencial para sua própria segurança, tudo isso com pouco efeito.

"Alguns estão convencidos de que depois de  dez anos é impossível tentar mudar o cálculo estratégico do Paquistão", disse o coronel Bob Cassidy, que recentemente retornou de Cabul depois de atuar como assessor do tenente-general David Rodriguez, um comandante sênior dos EUA no Afeganistão.

Agora em grande parte coordenado por dois dos filhos de Haqqani, que, segundo especialistas, são islâmicos ainda mais comprometidos do que seu pai, o grupo mantém uma posição de força enquanto os EUA tentam intermediar um acordo de paz no Afeganistão antes de retirar as suas tropas do país.

Nos últimos dias, os principais líderes do grupo Haqqani indicaram que estão dispostos a negociar, mas em seus próprios termos. O grupo mantém laços estreitos com a Taleban, mas costuma operar de forma independente, e alguns oficiais de inteligência veem as operações do Haqqani contra a Embaixada dos EUA esse mês como uma mensagem pública de que o grupo não será deixado de fora de qualquer acordo.

Um ex-oficial de inteligência dos EUA, que trabalhou com a família Haqqani no Afeganistão durante a ocupação soviética nos anos 1980 e pediu anonimato, porque continua a ser um consultor do governo, disse que não ficaria surpreso se os EUA mais uma vez precisassem depender do clã. "Sobre eles é sempre importante dizer: ‘melhor como amigos do que como inimigos’”.

Milícia e Estado paralelo

Com uma combinação de armas e força, o grupo Haqqani construiu uma empresa em expansão em ambos os lados de uma fronteira que mal existe.

O Haqqani é composto por membros afegãos da tribo Zadran, mas é na cidade de Miram Shah em áreas tribais do Paquistão que eles criaram um Estado paralelo, com os tribunais, repartições fiscais e escolas radicais "madrassa" que provocam um fornecimento contínuo de combatentes. Eles secretamente comandam uma rede de empresas de fachada em todo o Paquistão e vendem carros e imóveis, além de terem ligação com pelo menos duas fábricas que extraem o nitrato de amônio usado na fabricação de bombas usadas nas estradas do Afeganistão.

Oficiais de inteligência dos EUA acreditam que um fluxo constante de dinheiro de ricos residentes nos Estados do Golfo ajudam a sustentar o Haqqani, e que eles ainda enchem seus cofres com extorsão e operações de contrabando em todo leste do Afeganistão, com foco nas províncias de Khost, Paktia e Paktika. O contrabando de cromita tem sido um negócio particularmente lucrativo, assim como o transporte de madeira proveniente de florestas do leste do Afeganistão para o Paquistão.

Eles também realizam sequestros, com uma mistura de motivos pecuniários e ideológicos. Em maio, o grupo divulgou o último de uma série de vídeos mostrando o sargento Bowe Bergdahl, um soldado da infantaria americana mantido refém pelo grupo desde junho de 2009, com um agente Haqqani. David Rohde, na época, repórter do The New York Times, foi mantido refém por agentes Haqqani de novembro de 2008 a junho de 2009.

Nos últimos cinco anos, com relativamente poucas tropas americanas operando no leste do Afeganistão, o Haqqani tem cobrado pela proteção de empresas de construção – o que significa que os contribuintes americanos estão ajudando a financiar a rede inimiga.

Maulavi Sardar Zadran, um ex-comandante Haqqani, chama essa extorsão de "a mais importante fonte de renda do Haqqani", e lembra que um projeto de estrada que liga Khost a Gardez no sudeste do Afeganistão raramente foi atacado por forças insurgentes, porque o comandante Haqqani era seu protetor.

“O Haqqani sabe que os contratantes ganham milhões de dólares, então eles são uma ótima fonte de renda para eles", disse ele em entrevista.

Outros projetos rodoviários na região tem estado sob constante ataque. De acordo com um relatório oficial escrito por Jeffrey A. Dressler do Instituto para o Estudo da Guerra, militantes Haqqani "repetidamente atacam projetos de construção de estradas que, caso concluídos, dariam maior liberdade de movimento para as forças afegãs e da coalizão".

Mas o grupo não é apenas uma máfia que busca enriquecer com esquemas de extorsão. É uma organizada milícia usando ataques terroristas a hotéis, embaixadas e outros alvos para avançar sua agenda e se tornar uma importante peça política em um acordo futuro. E, às vezes, defender a agenda de seus patronos do serviço de espionagem do Paquistão, o ISI.

No mês passado, o Diretório de Inteligência do Afeganistão divulgou gravações de telefonemas interceptados durante o ataque de 28 de junho ao Hotel Intercontinental, em Cabul. Nas conversas, os líderes da rede Haqqani no Paquistão instruíam os seus agentes no interior do hotel, dizendo-lhes para atirar nas fechaduras dos quartos, jogar granadas e garantir que ninguém escapasse.

Mais tarde, ao som de tiros, as gravações capturam a voz de Badruddin Haqqani, um dos filhos de Jalaluddin, que o Departamento de Estado diz estar no comando de sequestros para a rede. Na fita, Haqqani pergunta: "Como está o fogo?"

Um militante chamado Omar responde: "É um grande incêndio, e a fumaça está cegando". Omar diz que não será capaz de se afastar do fogo e Haqqani pergunta se ele tem balas.

"Sim, eu tenho muita munição", diz Omar. "Se Deus quiser, eu estou muito relaxado, deitado nesse colchão, esperando por eles." Haqqani ri e diz: "Deus lhe dará a vitória."

O ataque deixaram mais de dez mortos e autoridades dos EUA dizem acreditar que ele foi realizado com a ajuda do ISI.

De acordo com uma autoridade sênior dos EUA, os ataques do grupo Haqqani no Afeganistão aumentou mais de cinco vezes esse ano em relação ao mesmo período um ano atrás, e ataques a bomba plantadas na beira de estradas aumentaram até 20% em comparação com o ano passado.

Durante anos, autoridades dos EUA pediram ao governo do Paquistão que agisse contra a base do Haqqani, no Waziristão. O pedido foi rejeitado por militares e funcionários de inteligência em Islamabad, que dizem que os militares do Paquistão estão sobrecarregados com operações em outros lugares nas áreas tribais e não estão pronto para uma ofensiva contra o Haqqani.

Como resultado, os EUA adotam uma estratégia familiar: Mísseis disparados de aviões teleguiados operados pela CIA. Mas como os líderes da rede Haqqani estão escondido em cidades povoadas como Miram Shah, onde a CIA hesita em realizar ataques aéreos, as autoridades dos EUA disseram que a campanha tem tido um sucesso limitado contra a liderança do grupo.

Aliados dos anos 1980

Um quarto de século atrás, os militantes Haqqani não eram alvos dos mísseis da CIA. Eles eram os combatentes que usavam mísseis fornecidos pela CIA, os Stingers disparados do ombro que iriam devastar o poder aéreo soviético no Afeganistão.

Jalaluddin Haqqani havia formado uma aliança temporária com os EUA contra o seu maior adversário, a União Soviética, assim como sua rede hoje está aliada com o Paquistão, que vê o Afeganistão como um defensor contra o seu maior adversário, a Índia. A famosa crueldade e islamismo fervoroso do clã foram vistos, em seguida, como marcas de coragem e fé por parte de combatentes da liberdade, como eram chamados por Ronald Reagan.

O representante Charlie Wilson, falecido democrata do Texas que fez dos mujahedeen afegãos sua causa pessoal, chamou o Haqqani pai de a "bondade em pessoa".

Oficiais de inteligência dos EUA que trabalhavam diretamente com Haqqani tinham uma visão um pouco menos sonhadora. "Ele sempre foi um cara de olhos arregalados", disse um deles. "Mas nós não estávamos falando sobre dar bolsas para Harvard ou MIT a esses caras. Eles eram o flagelo dos soviéticos."

Os lutadores Haqqani rolavam pedras das montanhas para bloquear a passagem de comboios soviéticos, disse o oficial. "Então eles sentavam na montanha e atiravam nos russos a tarde toda", disse.

O temperamento feroz de Jalaluddin Haqqani era acompanhado por sua devoção às regras do Islã, disse o oficial. Atingido no joelho durante o jejum do Ramadã, Haqqani fez com que os médicos tirassem a bala sem anestesia, em vez de violar um princípio religioso ao engolir medicação para dor durante o dia, disse o oficial. Há pouca dúvida de que se a família ganhar mais poder no Afeganistão, ela instituiria a regra islâmica.

Para os americanos que trabalharam com eles na década de 1980, o fato de que o Haqqani agora enfrenta seus antigos aliados dos EUA não é uma surpresa. Os russos foram ocupantes estrangeiros, agora os americanos também o são.

"O clã Haqqani sempre foi de senhores da guerra dessa parte do país", disse Sageman, o ex-agente da CIA. "Ele sempre será."

Opções limitadas

Em 19 de fevereiro de 2009, um dia antes de o general Ashfaq Parvez Kayani, comandante sênior do Paquistão, chegar em Washington por seus primeiros encontros com o governo Obama, a Embaixada dos EUA em Islamabad enviou um telegrama secreto para o Departamento de Estado.

Oficiais americanos acreditavam que Kayani, ex-líder de espionagem do Paquistão, há anos supervisionava o apoio encoberto do Paquistão a grupos militantes como o clã Haqqani, e o dossiê deu conselhos diretos sobre as negociações que seguiriam.

"A única mensagem que Kayani deve ouvir em Washington é que esse apoio deve terminar", afirmava o dossiê, escrito pelo embaixador Anne W. Patterson.

Nos 30 meses que se passaram, poucos em Washington acreditam que o apoio do Paquistão a grupos de milícia armada tenha diminuído. Autoridades dos EUA que já foram otimistas e tentaram mudar o comportamento do Paquistão por meio de pagamentos em dinheiro e bajulações, agora aceitam uma realidade sóbria: enquanto o Paquistão tiver a sua segurança ameaçada pela Índia, que tem um exército muito maior, ele contará com grupos militantes como o Haqqani, o Taleban e o Lashkar-e-Taiba como forças reprensentantes ocasionais.

A nova urgência para uma solução política para o Afeganistão tem limitado ainda mais as opções de Washington para lutar contra o clã Haqqani. Durante discussões de alto nível no ano passado, oficiais do governo Obama debateram listar o grupo como uma "organização terrorista estrangeira", o que permitiria que alguns de seus bens fossem congelados e poderia dissuadir doadores de apoiar o grupo. Embora alguns comandantes militares tenham pressionado por essa solução, o governo finalmente decidiu que tal medida poderia alienar o Haqqani e afastar o clã de futuras negociações.

Oficiais optaram por dar um passo menor e nomear líderes individuais do Haqqani como terroristas, incluindo Badruddin e Sirajuddin Haqqani.

Mas, conforme Washington se esforça para mediar um cessar no jogo da guerra no Afeganistão, não há dúvida se o clã Haqqani vai negociar, e se seus patronos em Islamabad irão permitir essa negociação. Após uma década de guerra, há um sentimento crescente entre os diplomatas dos Estados Unidos, os soldados e espiões de que os EUA estão saindo do Afeganistão sem nunca descobrir como esse jogo irritantemente complexo é jogado.

"Existe alguma fórmula para que o Paquistão concorde em deixar de apoiar a insurgência no Afeganistão e em vez disso ajude a mediar e fique satisfeito com um acordo político", perguntou Karl W. Eikenberry, que serviu como comandante e embaixador no Afeganistão. "Nós não sabemos a resposta a essa pergunta", disse.

Por Mark Mazzetti, Scott Shane e Alissa J. Rubin

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