LUIZ CARLOS AZEDO
Colunista Correio Braziliense
Foi nostálgico e indignado o discurso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ontem, sobre o caminhão de som do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, antes de se entregar à Polícia Federal e acatar a ordem para se apresentar voluntariamente e iniciar o cumprimento da pena de 12 anos e um mês de prisão em regime fechado, à qual foi condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
Uma missa em frente ao sindicato, em memória de Marisa Letícia, sua falecida esposa, serviu para criar o ambiente emocional do ato político no qual Lula reiterou a narrativa de que está sendo "injustiçado" e sofre uma suposta implacável perseguição política dos adversários, entre os quais, a Justiça e a mídia.
Como quem pretende resgatar sua antiga militância, Lula relembrou fatos de sua atuação à frente do sindicato no qual se projetou como líder sindical e alicerçou a construção do PT. Na linha do famoso discurso de Martin Luther King Jr. na marcha em defesa dos direitos civis em Washington, falou dos sonhos dos seus eleitores. Invocou sua atuação como líder de esquerda e na Presidência da República para questionar os processos criminais a que responde. Negou ter cometido atos de corrupção e reafirmou sua intenção de prosseguir lutando pelos mais pobres. "Se foi esse o crime que cometi, eu vou continuar sendo um criminoso", disse.
Apesar da retórica messiânica e da presença de dirigentes e parlamentares do PT, do PC do B e do Psol, Lula revelou certa desolação e isolamento político. "Os gravatinhas sumiram, estão aqui os verdadeiros companheiros", disse. Nos dois dias abrigado no Sindicato dos Metalúrgicos, as tentativas de reverter a execução imediata da pena fracassaram.
O segundo pedido de habeas corpus apresentado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) foi rejeitado pelo ministro Félix Fischer, já na sexta-feira. O recurso que apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) foi indeferido ontem pelo ministro-relator da Operação Lava-Jato, Edson Fachin.
Em seu discurso, Lula voltou a atacar o juiz federal Sérgio Moro, os procuradores federais, delegados da PF e até o Supremo. Na vigília na sede do Sindicato, havia demonstrado grande revolta em relação a cinco ministros nomeados por indicação do PT que votaram contra o habeas corpus, rejeitado no Supremo por 6 a 5.
Entretanto, comportou-se como aquele sujeito que, para evitar uma briga, procura dar a impressão de que não está com medo, mas também não desafia o adversário. Disse que está sendo preso porque não querem que volte à Presidência, mas anunciou que cumpriria a decisão de Moro e se apresentaria à Polícia Federal.
O ex-presidente da República politiza os processos a que responde na Justiça, na esperança de que isso mantenha agrupada em torno do PT a sua base eleitoral. Novamente, se colocou como um mito político acima do bem e do mal, da lei e das instituições. "Quero saber quantos dias eles vão pensar que estão me prendendo, quanto mais dias eles me deixarem lá mais Lulas surgirão no país", bradou. Entretanto, revelou certo desespero com a situação, ao reconhecer que existe um ambiente adverso do ponto de vista judicial.
Reinvenção
As atitudes de Lula foram estudadas para ter um simbolismo político robinwoodiano, inspirado no famoso "bandido social" que tirava dos ricos para dar aos pobres. A estratégia de politização dos processos a que responde na Operação Lava-Jato, porém, até agora, foi um tiro no pé. Há que se considerar outros processos, como o caso do sítio de Atibaia (SP), que também está nas mãos do juiz federal Sérgio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba.
A decisão de se entregar sem resistência, apesar dos protestos, estava diretamente associada aos riscos de ter uma prisão cautelar ou preventiva decretada por causa dos demais processos, se afrontasse a Justiça para além do chamado "jus esperneandi". Lula está sob cerco judicial. Sua retórica explora o clima emocional dos militantes, mas também estimula o ódio e a violência. É um bumerangue político e judicial.
Lula já escolheu o seu substituto nas eleições, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, somente falta a unção oficial. No carro de som, em São Bernardo, desfilaram todos os candidatos majoritários do PT, menos os governadores da Bahia, Rui Costa, e de Minas Gerais, Fernando Pimentel, que pleiteiam a reeleição. Também estava lá a ex-presidente Dilma Rousseff, que transferiu o título de eleitor de Porto Alegre para Belo Horizonte.
Deve concorrer ao Senado por Minas, embora eleitoralmente seja o nome mais forte para a Presidência entre os petistas, depois de Lula. Os líderes petistas enrolados na Lava-Jato não querem ficar sem mandato, para não perder o foro especial. Dilma também é investigada por causa dos escândalos da Petrobras e do caixa dois eleitoral. O PT precisará se reinventar, sobretudo se Lula não conseguir reverter sua prisão no Supremo.