Mateus Coutinho
A Procuradoria da República no Distrito Federal vai investigar a atuação do ex-procurador Marcello Miller também nos acordos de colaboração da Embraer, que admitiu pagamento de propina e práticas irregulares em negócios fechados na República Dominicana, Arábia Saudita, Moçambique e Índia.
A empresa fechou em 2016 acordo com os EUA no qual se comprometeu a pagar US$ 206 milhões e revelar os crimes cometidos nos negócios com os quatro países. No mesmo período a empresa firmou um termo de compromisso e de ajustamento com a Procuradoria da República no Rio, representada na ocasião pelos procuradores Marcello Miller e Thiago Andrade, e também com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
No acordo com as autoridades brasileiras a Embraer foi representada pelo escritório Trench Rossi Watanabe, o mesmo que atuou na delação dos executivos da J&F, controladora da JBS, e se comprometeu a colaborar com as investigações por suspeita de corrupção transnacional, lavagem de dinheiro e falsa contabilidade envolvendo os negócios da empresa no exterior.
Na ocasião a empresa se comprometeu a pagar R$ 64 milhões as autoridades brasileiras. Os investigadores de Brasília solicitaram ao Ministério Público Federal no Rio o compartilhamento das informações sobre o acordo firmado com a estatal na época.
O objetivo é apurar como se deu a relação de Miller com o escritório Trench Rossi e Watanabe desde aquele período. O ex-procurador foi contratado pelo escritório no ano passado para atuar na delação premiada da J&F antes de deixar oficialmente a PGR.
Ele foi levado ao escritório pela então sócia Esther Flesch, que também assinou o acordo da Embraer. No Trench Rossi, os dois cuidaram do acordo da empresa dos irmãos Batista. Após virem à tona as suspeitas sobre o ex-procurador, Esther acabou deixando a sociedade e Miller passou a ser investigado por suspeita de orientar a delação da J&F e teve seus sigilos quebrados.
A PF chegou a apreender o celular dele, onde foram encontradas trocas de mensagens entre o ex-procurador e Esther sobre o acordo da Embraer. Por meio de nota, Miller informou que o acordo da Embraer foi discutido “primordialmente” com a advogada Erica Sarubbi, que deixou o escritório antes de ele ser contratado.
“Houve também interlocução, sempre em razão de minhas atribuições no Ministério Público, com os advogados Bruno Maeda e Esther Flesch, assim como com diversos outros advogados de grandes bancas de advocacia que estivessem à frente da negociação de acordos de leniência”, diz o ex-procurador, que afirma ainda que o acordo com a estatal foi celebrado “simultaneamente e em estreita coordenação com as autoridades dos EUA”.
A suposta atuação de Miller em favor dos irmãos Batista veio à tona em uma gravação entregada pelos delatores às autoridades. Joesley Batista e Ricardo Saud gravaram acidentalmente uma conversa no qual mencionam a atuação do então procurador em prol da empresa.
“Nós somos a joia da coroa deles [Ministério Público Federal]. O Marcello [Miller] já descobriu e já falou com o Janot: "Ô, Janot, nós temos o cara [Joesley], nós temos o pessoal que vai dar todas as provas que nós precisamos". Ele já entendeu isso", ressaltou Joesley ao diretor da J&F em meio à conversa de quatro horas.
No diálogos eles citam o nome de Miller em vários momentos e sugerem que ele teria intermediado a aproximação dos dirigentes do grupo empresarial com o chefe do Ministério Público na ocasião. Após os áudios virem à tona, o então procurador-geral da República Rodrigo Janot pediu a rescisão do acordo de delação e a prisão dos executivos da J&F e a prisão deles.
O caso foi remetido para a primeira instância e, em março deste ano, o juiz Marcus Vinícius Reis, da 12ª Vara Federal do DF mandou soltar Joesley e Saud após os dois prestarem novos depoimentos nas investigações abertas em decorrência de suas delações.
Em parecer encaminhado ao Supremo Tribunal Federal na semana passada em resposta a defesa do senador Aécio Neves (PSDB) na denúncia apresentada contra ele, a procuradora-geral da República Raquel Dodge afirmou que há provas de que o ex-procurador teria agido de modo ilícito ao auxiliar os executivos da J&F.
Ela apontou ainda que Miller teria agido em interesse próprio sem o conhecimento de outros integrantes da PGR. Procurado, o escritório Trench Rossi e Watanabe informou que vem colaborando com as autoridades nas investigações do caso.
A defesa de Esther Flesch não foi localizada até o fechamento deste texto. A reportagem encaminhou e-mail para a assessoria da Embraer que ainda não se manifestou sobre o pedido do MPF.