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Embaixador Russo Sergey Akopov – Há uma Guerra de Propaganda contra a Rússia

Eliane Oliveira

O Globo – 16 Março 2016

BRASÍLIA — Aos 61 anos, o embaixador russo no Brasil, Sergey Akopov, afirma que há uma russofobia paranoica no mundo ocidental. Afirma que a Grã-Bretanha acusa, sem provas, o governo de seu país de envenenamento do ex-espião Sergei Skripal e sua filha, nega que Moscou interfira em campanhas políticas de outros países, como nos Estados Unidos e na França, e garante que as relações da Rússia com a Venezuela são excelentes.

 

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O Reino Unido acusa a Rússia de envenenar o espião Sergei Skripal na Inglaterra. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

Consideramos esse ato da Grã-Bretanha como pura provocação, com qual objetivo é difícil dizer. Deixamos isso na consciência do governo britânico. Mas esse fato, ou essa acusação, sem provas praticamente, que foi feita, nos lembra muito aquele famoso caso, quando o secretário de Estado dos Estados Unidos (Collin Powell, em 2003, antes da invasão do Iraque), no Conselho de Segurança, mostrou a todo mundo um frasquinho com um pó branco, assegurando que eram armas químicas encontradas no Iraque.

Sob esse pretexto, um país independente e soberano foi destruído, foi ocupado, mais de um milhão de pessoas foram mortas. E depois resultou que a prova era absolutamente falsa, que era um pó branquinho absolutamente neutro. Duvido muito que eles se atrevam a agredir diretamente a Federação Russa, mas, realmente, estamos vendo que eles estão realizando uma guerra de propaganda, uma guerra informativa, uma guerra psicológica contra o nosso país. E, praticamente, entraram numa situação russofóbio-paranóica no Ocidente.

E cada vez mais estão indo mais profundamente nesse pântano, e parece que eles não sabem como sair de lá. E o que nos surpreende é que os aliados da Grã-Bretanha, como Estados Unidos, França e outros, sem pensar duas vezes, imediatamente fizeram declarações apoiando essa posição, sem investigar o caso. Isso é outra prova de que há uma provocação, que tem claro sentido político. Lamentavelmente é isso. Mas quero repetir que esse fato é muito grave no contexto internacional, que está colocando a todos — a todo o mundo, realmente — num grande perigo, com grande ameaça à paz e à segurança internacional. O que nos preocupa muito.

Quero dizer que a Federação Russa, claro, vai responder. Claro, vai dar uma resposta correspondente a essa provocação por parte da Grã-Bretanha. Mas nós vamos agir com muita seriedade, para não permitir que essa situação se desenvolva para algo mais grave.

Que tipo de resposta será dada?

O que nos surpreende é que os aliados da Grã-Bretanha, sem pensar duas vezes, apoiem essa posição sem investigar o caso. Há uma provocação, que tem claro sentido político’

Em primeiro lugar, a nossa única solução é agir de acordo com as normas do Direito Internacional, aqueles procedimentos que estão claramente descritos na convenção internacional, sobre proibição de uso das armas químicas. Ali está bem claro como os países têm de agir. Se todo mundo, com calma, age nesse sentido, eu penso que o incidente poderá ser rapidamente e facilmente esclarecido.

Houve contatos entre os dois governos?

O governo russo, oficialmente, solicitou que a Grã- Bretanha apresentasse as provas e evidências de que a substância foi usada, aparentemente, para envenenar essas pessoas, para poder realizar uma investigação completa sobre o caso. Mas, lamentavelmente, não recebemos nenhuma resposta da parte britânica. Ao contrário, o governo britânico diz que não vai apresentar nada e nem precisa apresentar nenhuma prova. Apenas se baseando nessas probabilidades, como eles diziam — grandes probabilidades — de que era uma produção russa, com o nome novichok. A propósito, na Rússia nunca existiu esse nome, novichok. Não sei qual o nome dado no Ocidente a essa substância.

Quem produziu o veneno?

Essa substância é bem conhecida pelos serviços secretos britânico, americano e outros, porque, nos anos 90, depois da desintegração da União Soviética, alguns cientistas soviéticos que estavam envolvidos na produção e elaboração dessas substâncias e armas químicas foram para os serviços secretos ocidentais, foram levados ao Ocidente. E eles praticamente deram todas as informações aos ocidentais. Os serviços secretos da Grã-Bretanha conhecem muito bem, perfeitamente, essa substância. E, seguramente, eles mesmos a produziram. A propósito, perto do lugar onde foram encontradas as vítimas, está o maior laboratório britânico, onde estão armazenadas e produzidas as armas químicas. Muito perto dali. Então, nós também poderíamos dizer, sem prova alguma, que foram os britânicos que fizeram isso. Mas não estamos fazendo isso.

A substância é conhecida pelos serviços secretos britânico, americano, porque, após a desintegração da União Soviética, alguns cientistas soviéticos foram levados para o Ocidente’.

Tendo em vista as discussões em torno da origem desse agente que envenenou Sergei Skripal, a Rússia cumpriu todas as recomendações do acordo para proscrição de armas químicas, levando em conta o que era produzido na extinta União Soviética?

A Rússia cumpriu totalmente as suas obrigações. Muitos outros países não fizeram isso, especialmente os ocidentais. Mas a Rússia cumpriu. E esse fato foi formalmente comprovado pela organização, a OPAQ (Organização para a Proibição de Armas Químicas), e pelos funcionários. No ato da clausura do último laboratório da Rússia que produzia armas químicas estavam presentes os representantes da OPAQ e também da Grã-Bretanha, dos Estados Unidos e de outros países ocidentais.

Dizer agora que a Rússia, aparentemente, guardou alguma coisa, sem prova alguma, é uma invenção total. No caso de existir alguma dúvida do governo britânico, o que é lógico e possível, na convenção de proibição de armas químicas existe um mecanismo que determina como os países membros têm de agir. Nesse caso, o governo britânico deveria enviar uma solicitação oficial à Rússia, pedindo esclarecimentos. E a Rússia tem dez dias para responder e dar toda a informação necessária. E, depois disso tudo, existe um mecanismo, tanto dentro da OPAQ ou unilateralmente, para esclarecer todas as dúvidas que possam surgir e até criar uma comissão independente, composta por peritos, que poderiam examinar.

Mas, em primeiro lugar, temos de verificar qual substância foi usada. E é muito estranho a parte britânica dizer que não vai apresentar nada. Isso nos leva à conclusão de que, ou eles não têm realmente nenhuma prova, ou não sabem quem foi que produziu a substância usada. Mas, sem pensar duas vezes, a primeira-ministra da Grã- Bretanha, sem fazer investigação, fala formalmente, acusando a Federação Russa de uso de armas químicas no seu território. Isso é absolutamente um ato irresponsável do ponto de vista da situação internacional que estamos vivendo. E isso está levando todos nós a uma situação de extrema gravidade e grande perigo.

 

Na última década, a Rússia tem investido muito na América Latina, mas ainda com cifras bem abaixo dos Estados Unidos e da China. Os russos pretendem expandir sua presença na região?

É muito difícil comparar os volumes nas relações econômicas. Os Estados Unidos, por exemplo, estão no mesmo continente e a Rússia fica bastante longe da América Latina. Sobre o Brasil, o país é o primeiro parceiro mais importante da Rússia na América Latina em volume de comércio bilateral. Ainda não cumprimos a meta que foi colocada pelos presidentes dos dois países, de US$ 10 bilhões por ano.

Já apareceram grandes empresas russas no mercado brasileiro, mas ainda não podemos comparar com os principais parceiros brasileiros na Europa, nos Estados Unidos e na China também. O mercado latino-americano, para a Rússia, é relativamente novo e está se desenvolvendo bastante rápido. Nós vimos a tendência de que esses laços de cooperação vão aumentar, especialmente com o Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul).

A Rússia tem ampliado suas relações econômicas com a Venezuela, ao contrário de União Europeia, EUA e outros. Por que essa aproximação?

Nós temos excelentes relações com a Venezuela e, logicamente, como amigos e parceiros da Venezuela, estamos seguindo e observando, às vezes com preocupação, o que está acontecendo lá. O nosso grande desejo é que o amigo povo venezuelano possa resolver esses problemas internos. Mas o grande princípio da política externa da Rússia, independentemente da Venezuela, é igual com todos os países: a não ingerência nos assuntos internos. Nós consideramos que a situação interna de cada país é do povo desse país. O povo de cada país tem de decidir como quer viver e qual é o sistema que deve escolher. O mais importante princípio é que seja respeitada a legislação e a Constituição, o marco de direito de cada país. E, logicamente, sem ingerência do exterior.

Como estão as relações com a Venezuela, que comprava armas da Rússia, em termos de segurança?

A área de cooperação militar, na área de defesa, cooperação que nós chamamos de técnico-militar, é uma das esferas em que a Rússia coopera bastante bem com a Venezuela. Mas isso não é exclusividade da Venezuela, nós temos relações com muitos países da América Latina, com a Colômbia, por exemplo, que está ao lado da Venezuela; com o Peru, que é um grande parceiro nosso; e também com o Brasil.

A Rússia tem sido acusada de interferir em processos eleitorais fora do país, por meio de perfis falsos na internet e hackers. A acusação é levantada não apenas pelos Estados Unidos, mas pela Europa, onde a Rússia teria apoiado uma candidata de extrema-direita (Marine Le Pen) na eleição francesa. Como o senhor vê essas suspeitas?

Essa é uma parte da russofobia que existe no mundo. Raciocinando normalmente, é absurdo pensar que a Rússia iria interferir num processo eleitoral nos Estados Unidos. Com qual finalidade? Qual seria o nosso objetivo em eleger um candidato, que seria um agente de Moscou? É um absurdo, porque esse candidato está sendo eleito pelo povo americano e, vamos supor, se alguns hackers estariam colocando algumas coisas — o que não foi provado —, que importância isso pode ter na decisão do povo americano, por exemplo, ou no povo francês? Interferir para quê? Para eleger um candidato de extrema-direita na França?

A ONG Repórter Sem Fronteiras disse que a Rússia ocupa a 148ª posição do ranking mundial de liberdade de imprensa. O seu governo pretende controlar a imprensa?

Na Rússia, hoje, existe a maior liberdade de imprensa que a gente possa imaginar. Eu acho que nem no Ocidente, nem nos Estados Unidos, os mais famosos países democráticos, que dizem que são os mestres, que têm de dar lições a todo o mundo de como a imprensa tem de ser livre, eu acho que nem eles têm essa liberdade que a Rússia tem hoje. Basta ver os programas políticos, debates, discussões, em que você pode ouvir representantes de tão diferentes pontos de vista, que têm toda a liberdade de expor suas posições.

Às vezes, até algumas pessoas põem na internet: por que eles convidam essas pessoas para entrevistas tão radicais, ligadas à liberdade deles de falarem nos canais principais da Federação Russa, da televisão por exemplo, para expressarem seus pontos de vista? Particularmente, penso que todo mundo tem direito de ter a sua opinião. Não é o fato de que compartilhamos o ponto de vista dessas pessoas, mas o ponto de vista que eles estão expondo tem direito de existir. Então, o povo tem direito de ouvir e entender qual a diferença entre os diferentes pontos de vista.

Até, digamos assim, nos programas de debates sobre a situação internacional, e não somente a situação interna. São convidados especialistas, esquerda, jornalistas de países ocidentais. Por exemplo, a situação da Ucrânia. Todos os dias você pode ver a opinião de representantes que defendem a política da Ucrânia. Esse conflito com o Ocidente, também. Na época da União Soviética, sim, todos os meios de comunicação pertenciam ou ao governo ou ao Partido Comunista, que era o único partido que existia. Hoje, a situação mudou.

A Rússia está preparada para evitar ataques terroristas na Copa do Mundo?

Está muito bem preparada. Foram tomadas medidas extraordinárias para garantir a tranquilidade e a segurança durante os jogos da Copa. Nós temos uma experiência bastante grande e fizemos cooperação internacional. Estudamos muito bem, por exemplo, a experiência brasileira durante a Copa de 2014. Todo o sistema já foi montado. Foi experimentado durante a Copa das Confederações, realizada no ano passado, quando fizemos, digamos assim, uma prova de eficiência do funcionamento desse sistema, e funcionou perfeitamente bem.

A FIFA e os organismos internacionais reconheceram que a eficiência foi muito grande. Os cidadãos brasileiros terão maior tranquilidade, porque não precisam de visto para viajar. Podem ficar 90 dias, tranquilamente. A propósito, o Brasil já ocupa o primeiro lugar entre os países que compraram mais ingressos para a Copa.

Qual a sua expectativa em torno da eleição deste domingo? Se Vladimir Putin for eleito, ele volta ao Brasil?

As pesquisas pré-eleitorais mostram que ele tem maior intenção de voto do que outros candidatos. Na embaixada, bem como nos consulados gerais do Rio e em São Paulo, teremos postos de votação para cidadãos russos que moram no Brasil.

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