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Dagnino – Navios de Guerra em Construção no Mundo: Problemas de Qualidade e suas Causas

CF (Ref.) B. V. Dagnino

Presidente da ABQ – Academia Brasileira da Qualidade

 

 

Enfrentar os desafios estratégicos de cada país na guerra moderna de um lado, e de outro a rapidez da evolução tecnológica dos materiais de defesa, certamente obrigam às áreas de planejamento das Marinhas a um esforço desmedido. A isso se junta a limitação dos recursos orçamentários em quase todos os países, o que torna a tarefa de otimizar sua aplicação um fator que complica ainda mais a tomada de decisão.

Essa limitação, por sua vez, gerou diversas consequências. Com a redução dos investimentos em defesa após 1990 ocorreu uma redução de engenheiros e especialistas em vários setores em todo o mundo, e inúmeras empresas tradicionais no setor fundiram-se ou simplesmente mudaram de ramo. A perda do amplo know-how acumulado ao longo do tempo, pelas aposentadorias e que as profissões como engenharia não atraiu os jovens, foi portanto, considerável, afetando o desenvolvimento de novos projetos.

Há ainda que optar pela aquisição local ou no exterior, tanto de navios como de sistemas, pois a exigência de conteúdo local ou a pressão de prazos está cada vez mais presente. Isso, por sua vez, requer contratos com cláusulas de offset, ou seja com a previsão de cláusulas compensatórias. Esse é o dilema quanto aos futuros submarinos australianos: o problema em discussão é a capacitação dos estaleiros locais para construí-los, ou se os prazos requeridos só poderão ser atendidos com encomendas no exterior.

É importante ainda considerar os aspectos políticos, porquanto a limitação imposta por alguns países do acesso a áreas sensíveis sem dúvida é um fator a considerar. Também a questão logística avulta de relevância, pois há que manter os meios flutuantes em condições operacionais no maior tempo, e considerar uma vida útil a mais longa possível para os mesmos. Isso significa dar atenção aos aspectos de manutenção, inclusive disponibilidade de sobressalentes.

Outro ponto interessante é a questão do primeiro navio da classe. Por mais que os projetistas se esforcem para produzir desenhos e especificações livres de quaisquer possíveis dificuldades por ocasião da construção, é muito comum que ajustes tenham que ser introduzidos nessa etapa. Isso gera a necessidade de produzir os chamados desenhos as built para substituir os originais de projeto. De forma a evitar o descumprimento do orçamento, as alterações de projeto precisam ser analisadas sob o aspecto do custo-benefício.

Cumpre ainda enfatizar os riscos envolvidos na seleção de sistemas e equipamentos. O desejo natural de instalar o que há de mais moderno no mercado, sejam sistemas de armas, de propulsão ou detecção, pode acarretar riscos que têm que ser pesados, pois muitas vezes os mesmos não foram devidamente testados. Eles podem ser cabeças de série e até protótipos, cujo desempenho ainda não foi avaliado na prática.

O fato de na maioria das vezes existirem, além do contratante principal, muitas empresas envolvidas no fornecimento de sistemas e equipamentos, além de serviços, requer um perfeito entrosamento entre todas as partes, através da clara definição de atribuições e responsabilidades de cada uma, além das interfaces entre elas.

Ainda sobre os aspectos contratuais, a modalidade preço fixo é aquela que melhor atende ao contratante, uma vez que o contratado se vê na obrigação de cumprir custos e prazos. Assim, qualquer atraso ou retrabalho que acarrete aumento de custos, por exemplo, será de sua responsabilidade. Multas contratuais devem ser estabelecidas para garantir prazos e desempenho como especificado.

Uma enfoque talvez surpreendente, em particular no caso da Marinha dos EUA, é a possibilidade de utilizar projetos desenvolvidos em outros países, especialmente em razão dos prazos muito curtos para colocar em serviço novas unidades. A ideia é adotar a experiência já comprovada de bom desempenho de unidades já em operação em outras Marinhas, para construir tais projetos em estaleiros americanos. Outras Marinhas, inclusive a do Brasil, em recente solicitação de proposta (RFP), como no caso das Classe Tamandaré, têm adotado postura flexível, aceitando projetos estrangeiros como alternativa.

Um outro ponto é que muitos projetos não têm um só Gerente de Programa, más vários, divididos pelas área de abrangência. Isto é a tentativa de minimizar riscos, geram dezenas de reuniões de avaliações de projeto. Os projetos são mais um consenso (entre as diversas áreas técnicas), muitas vezes distantes dos requisitos operacionais de emprego tático.  

NAVIOS-AERÓDROMOS E PORTA-HELICÓPTEROS

Diversas Marinhas estão apresentando inovações em navios- aeródromos e porta-helicópteros recentemente construídos, tanto em termos de suas dimensões, cada vez maiores, como da forma de emprego, em alguns casos tentando que sejam multipropósito. O uso de pista ascendente de decolagem (sky jump), e de catapulta eletromagnética, e um novo posicionamento e arranjo da ilha são exemplos de novidades desses navios.

São exemplos: da U.S. Navy o super navio-aeródromo Gerald R. Ford, da Royal Navy com os Queen Elizabeth II e HMS Prince of Wales  , da Armada Española o Príncipe D. Juan I (também vendido para a Austrália), e da Marinha do Exército de Libertação Popular (China), o Liaoning (da classe “Amirante Kuznetsov”, da era soviética) e sucessores em construção.

U.S.Navy

USS CVN78 Gerald Ford. Lançado em julho 2017 0 CVN78 estará em testes até 2020/21. Desloca 100.000 toneladas. Foto US Navy

Além de ter excedido de muito o orçamento original, chegando a estimados 16 bilhões de dólares (bi!), um problema finalmente solucionado no novo navio aeródromo com propulsão nuclear Gerald R. Ford (CVN78), é a catapulta eletromagnética, inovação aprovada após muitos atrasos em razão de problemas na série de testes a que foi submetida.

Outro grave problema são os turbogeradores principais, cuja origem foi identificada como sendo o software que os comanda. Numa das máquinas o problema foi bastante sério, uma vez que causou explosão a bordo.

Já os estrategistas colocam em dúvida o real poderio e a vulnerabilidade desses super-navios aeródromos, que com toda a defesa própria e escolta poderia, segundo alguns, ser afundado por um míssil de 16 milhões de dólares (mi!). O míssil hipersônico russo Tsirkon é a nova ameaça que preocupa os EUA.

Uma particularidade do navio é que ele não terá mictórios, ou seja, sanitários exclusivos para homens, já que foi projetado para ter tripulação mista, em proporção flexível.

Reino Unido

Com toda a pompa e circunstância, na presença da Rainha Elizabeth II, foi incorporado à Royal Navy o navio-aeródromo Queen Elizabeth. Também nesse caso os estrategistas discutem se o Reino Unido necessita efetivamente de navios aeródromos, ou seria mais adequado construir uma frota de navios menores, mais adequados para patrulhar as Ilhas Britânicas.

Logo após a incorporação, realizada sem que a construção do navio fosse concluída, apareceram problemas de estanqueidade do casco. Uma possível causa seriam soldas de chapas, já que se reconhece a criticidade do processo de soldagem, denominado especial pela impossibilidade de garantir 100% sua qualidade após executado apenas com o uso de ensaios não-destrutivos  (radiografia, ultrassom, partículas magnéticas, líquido penetrante etc.). Essa classe de processo requer o uso de soldadores qualificados, materiais de adição (solda) e procedimentos certificados. No caso de áreas críticas, um corpo de provas precisa ser submetido a ensaios destrutivos, de forma que a qualidade seja garantida.

 

 

 

O HMS Queen Elizabeth II com sua inconfudível silhueta de 2 ilhas. Comissionado em Dezembro 2017 deverá entrar em operação em 2020. Desloca 65.000 toneladas Foto – BAE Systems

Espanha e Austrália

O LHD (Landing Helicopter Dock na nomenclatura OTAN), buque anfibio portaeronaves da Armada Española Juan Carlos I é o maior navio de guerra já construído na Espanha. O navio não apresentou sérios problemas quanto à qualidade: o principal foi a necessidade de substituir um dos motores Diesel que apresentou defeito, operação complexa em razão das dimensões do motor.  Além disso, os hélices foram substituídos por problemas de cavitação.

 

 

O LHD L61 Juan Carlos I, da Armada de España. Comissionado em 2010, desloca 26.000 toneladas.

 

Já as unidades vendidas para a Marinha Australiana da mesma classe, HMAS Canberra e HMAS Adelaide, cujo casco foi construído na Espanha pelo estaleiro Navantia, mas a instalação de sistemas e equipamentos foi realizada em Melbourne na Austrália pela BAe, apresentaram grande número de problemas, especialmente no sistema de propulsão, com o aparecimento de fragmentos metálicos no óleo lubrificante, provavelmente por vedação inadequada nos selos e juntas. O assunto teve grande repercussão na imprensa, especialmente quando o HMAS não pôde participar de manobras programadas com a Marinha dos EUA por estar sofrendo reparos.

O HMAS Canberra, navio de desembarque de tropas e a maior unidade da Marinha Australiana, ao ser entregue apresentava 14.000 defeitos. Embora muitos fossem de pequena importância, o tempo necessário para corrigi-los foi considerável, cerca de seis meses. Os problemas abrangiam falhas elétricas, corrosão nos hélices, vazamentos em juntas e desalinhamento.

A construção do casco foi realizada pelo estaleiro Navantia na Espanha, e a instalação dos sistemas e equipamentos em Melbourne na Austrália pela BAe. O navio apresentou problemas típicos de primeiro da classe. Já o segundo, HMAS Adelaide, foi entregue em muito melhores condições.

 

Rússia, China e Índia

O obsoleto navio-aeródromo russo Almirante Kuztnetsov tem sérios problemas em seu sistema de propulsão, especialmente nas caldeiras, o que poderia explicar os grossos rolos de fumaça que têm sido observados em sua recente longa derrota até a Síria. O navio deverá entrar brevemente em período de grandes reparos para modernização.

Com o colapso da URSS, outro navio da classe, o Varyag, foi adquirido da Ucrânia e modernizado para se tornar o Liaoning na Marinha Chinesa.

 

O cruzador Almirante Gorschkov foi adquirido e transformado na própria Rússia para se tornar o NAe INS Vikramaditya da Marinha da Índia. O navio, originalmente construído na Ucrânia, foi modernizado em estaleiro russo sem experiência nesse tipo de navio. Isso gerou grandes atrasos e sobrepreço. Na viagem da Rússia para a Índia, apesar de o NAe ter recebido oito novas caldeiras, ocorreram problemas relacionados com os tijolos do revestimento térmico, que segundo o estaleiro eram de origem chinesa, o que os chineses negam.

 

França

O Navio Aeródromo Charles de Gaulle é o único NAE nuclear construído fora dos EUA, o que é motivo de orgulho nacional. Foram resolvidos os problemas iniciais de projeto e de confiabilidade do reator nuclear, porém seu custo operacional obrigou o cancelamento de um segundo navio da classe, bem como de um projeto conjunto com a Royal Navy.

 

                 O Porta-Aviões R91 Charles DeGaulle 

CONTRATORPEDEIROS

 

 

 

A primeira estranheza ao se ver uma foto de um contratorpedeiro da Marinha dos EUA equipado com mísseis teleguiados classe Zumwalt (DDG1000) é sua aparência externa. Projetado para ter uma assinatura radar mínima, suas superfícies angulosas o tornam algo completamente diferente da imagem que se tem de um navio de guerra.

O navio tem apresentado problemas nos resfriadores do óleo de lubrificação do rolamento dos eixos principais, acionados por turbinas a gás. Cada um dos dois eixos propulsores tem dois conjuntos de rolamentos com um sistema de óleo lubrificante e radiador. O sistema apresentou vazamento de água do mar usada para o resfriamento, obrigando o navio a ser rebocado quando atravessando o Canal do Panamá.

 

Além disso, seu projeto revolucionário esbarra numa complexa discussão sobre sua estabilidade, envolvendo acalorada troca de opiniões contraditórias entre projetistas de renome de um lado, e a Marinha dos EUA e o estaleiro construtor General Dynamics do outro.

O navio foi incorporado em 2016, com dois anos de atraso. Entretanto, ele só estará pronto com a instalação dos sistemas de informações e combate pela Raytheon em 2018.

A classe, inicialmente prevista para 32 unidades, foi progressivamente sendo reduzida para 28, 7 e 2, sendo seu número finalmente fixado em 3.

 

SUBMARINOS

Índia

O primeiro submarino nuclear da Marinha Indiana, Arihant, está sendo considerado uma espécie de piloto ou navio experimental. Consta que a Rússia apoiou seu projeto e construção, além de ter arrendado uma das suas unidades da casse Akula, rebatizado Chakra, para familiarização da tripulação indiana com a operação de um submarino nuclear.

O Arihant tem uma séria limitação pelo tempo demasiado curto para necessitar recarga do seu reator, o que reduz significativamente sua autonomia.

 

 

 

 

Circulam duas questões relacionadas à segurança da informação: planos dos submarinos classe Scorpène teriam vazado, e visita de inspeção ao submarino arrendado pelos russos teria sido facilitada aos americanos.

Os planos da Marinha da Índia em matéria de submarinos nucleares são ambiciosos, prevendo a construção de 13 unidades, dos quais cinco equipados com mísseis balísticos e oito de ataque. Enquanto isso, a construção dos seis submarinos convencionais da classe Scorpène está atrasada quatro anos, devendo ser prorrogada até 2017.

                          

Rússia

 

Os novos submarinos russos equipados com mísseis teleguiados classe Yasen preocupam os EUA pelo seu extraordinário desempenho em termos de velocidade, grau de automação e baixa assinatura acústica, além do seu porte (14.000 toneladas, 120 metros). O primeiro, Severodvinsk já entrou em serviço.

Não são disponíveis informações sobre eventuais problemas técnicos da unidade, mas seu elevado custo, estimado em 1,5 bilhões de dólares, é considerada uma grave limitação, já que impediria uma produção seriada.

 

CONCLUSÕES     

A decisão para a construção de navios de guerra requer a consideração de uma série de fatores que se interpenetram, cuja análise obriga a uma extensa e profunda avaliação global, até que a melhor solução, consideradas as condições de contorno, seja encontrada.

O levantamento dos riscos de toda ordem envolvidos e a sua mitigação necessitam reflexão com enfoque sistêmico, pois por se tratar de questão que envolve a segurança nacional, o denominado apetite de risco é extremamente limitado.

A US Navy desenvolveu uma metodologia especial de acompanhamento de projetos complexos com o Programa de Submarinos Nucleares Polaris, conhecido como PERT (Program evaluation and review technique). Praticamente todos os projetos complexos, militares ou não, utilizam a metodologia PERT.

 Porém, nada substitui a experiência profissional adquirida ao longo dos anos.

 

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