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A Boeing está trabalhando para superar as objeções de militares brasileiros a uma aliança da empresa norte-americana com a Embraer, com alternativas para preservar os direitos de veto do governo a decisões estratégicas e salvaguardas para seus programas de defesa, afirmaram quatro fontes com conhecimento do assunto nesta terça-feira.
A fabricante norte-americana de aviões foi forçada a refazer os planos envolvendo a Embraer depois que autoridades brasileiras na semana passada se posicionaram contra a ideia de tornar a Embraer uma subsidiária como as que a Boeing opera na Austrália e na Inglaterra, afirmaram as fontes. “Boeing veio para comprar a Embraer, não para fazer uma parceria ou uma joint-venture às quais estamos abertos, mas para tomar o controle da companhia. Isso foi rejeitado”, disse uma das fontes, uma autoridade do governo.
“Cabe à Boeing voltar com uma nova proposta.” A proposta de aliança da Boeing com a Embraer daria ao grupo uma participação de liderança no mercado de aeronaves de 70 a 130 assentos e criaria um competidor mais duro ao CSeries desenvolvido pela canadense Bombardier e conduzido pela europeia Airbus desde o ano passado.
A oferta da Boeing avalia a companhia em 5 bilhões a 6 bilhões de dólares, disse uma fonte com conhecimento das discussões. Desde que a notícia de proposta da Boeing foi divulgada no mês passado, as ações da Embraer acumulam valorização de 22 por cento em Nova York, levando o valor de mercado da companhia para 4,6 bilhões de dólares.
Representantes da Embraer afirmaram que a empresa não comenta o assunto e a Boeing e o Ministério da Defesa não responderam de imediado a pedidos de comentários.
Resistência da Força Aérea Autoridades no Ministério da Fazenda e no BNDES, que detém 5 por cento da Embraer, têm apoiado um acordo entre as empresas, mas representantes da área de Defesa são mais céticos, afirmaram as fontes. O BNDES não comentou o assunto e o ministério não se manifestou.
“A Força Aérea é a principal fonte de resistência, afirmou um assessor do presidente Michel Temer. Os militares se opõem a qualquer divisão da Embraer”, disse o assessor comentando que o ministro da Defesa, Raul Jungman, ainda precisa fazer uma recomendação sobre a operação proposta pela Boeing ao presidente.
O Comando da Aeronáutica afirmou em comunicado que “considera a Embraer uma empresa estratégica e fundamental para a soberania nacional, portanto, uma possível parceria entre as empresas Embraer e Boeing deverá ser analisada também sob esses enfoques”.
O comandante da Força Aérea, o tenente-brigadeiro Nivaldo Rossato, participou na semana passada de reunião com Jungman em Brasília com executivos de alto escalão da Boeing, incluindo o vice-presidente financeiro Greg Smith, que não conseguiu convencer as autoridades brasileiras.
Nem o governo, nem as companhias, querem uma divisão completa das operações comerciais e de defesa da Embraer, dada a integração de tecnologia e recursos de engenharia, disseram as fontes.
“Acreditamos que a Boeing vai acabar concordando com uma parceria ou uma joint-venture porque eles foram enfraquecidos pelo acordo Airbus-Bombardier”, disse uma das fontes. “Eles não têm outro possível parceiro e precisam de uma solução rápida.”
Fim de "golden share" não tem previsão legal, diz TCU¹
A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) descartou a extinção imediata das ações de classe especial – conhecidas como "golden shares" – que o governo detém em empresas que foram privatizadas. De acordo com os auditores do órgão, não há previsão legal e nem competência definida para acabar com essas ações, mesmo que existisse, isso só poderia ser feito mediante pagamento de contrapartida financeira em favor da União.
O Valor revelou em agosto do ano passado uma consulta encaminhada ao TCU pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Ele queria saber quais as condições para uma eventual extinção das "golden shares". Em novembro, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) se manifestou favoravelmente à medida.
O TCU, no entanto, lembrou que a lei que trata das sociedades por ações (9.491/97) prevê somente a criação das ações de classe especial, sem fazer menção à possibilidade de extinção. "Sendo assim, entende-se não haver previsão legal para a supressão de direitos concedidos pelas ações", entendem os auditores.
Sobre a necessidade de contrapartida financeira, o entendimento no TCU foi de que a inclusão das "golden shares" na época das privatizações influenciou o valor de mercado das empresas, e que sua eliminação muito provavelmente resultaria em aumento relevante no valor desses ativos.
Os técnicos do TCU acreditam que a discussão de um projeto de lei poderia contemplar todas as etapas necessárias para uma eventual extinção das "golden shares", incluindo as particularidades das empresas que contam com essas ações em seu capital.
O governo têm hoje ações de classe especial na mineradora Vale, na fabricante de aviões Embraer e no Instituto Brasileiro de Resseguros (IRB). Há, ainda, a possibilidade de que o processo de desestatização da Eletrobras inclua a criação de uma "golden share" para preservar alguns interesses específicos da União.
No caso da Embraer, o debate sobre a importância das ações de classe especial ganhou força após vir a público o interesse da americana Boeing em uma parceria com a fabricante brasileira. (ver Boeing e Embraer discutem um novo modelo de negócio). O governo, no entanto, foi enfático ao dizer que usaria seu poder de veto para eventual proposta pelo controle da Embraer.
Em manifestação ao TCU, o Ministério da Defesa disse que a "golden share" da Embraer está diretamente ligada à soberania e garantia do desenvolvimento aeroespacial, "uma vez que a empresa depende de pesquisa de ponta, que viabilize a obtenção e o controle de novas tecnologias sensíveis do setor aeroespacial".
As ações de classe especial do governo na Embraer também dão direito a veto em relação a ações sociais "que criem ou alterem programas militares, bem como a interrupção do fornecimento de peças de manutenção e reposição de aviões militares".
O parecer foi encaminhado ao gabinete do relator, ministro José Múcio, e ao Ministério Público que atua no TCU. Ainda não há prazo para deliberação do plenário, mas são praticamente nulas as chances de que o entendimento dos auditores sofra qualquer mudança que autorize o governo a acabar com as "golden shares".
¹com Valor – Murillo Camarott