Foi uma divisão violenta. Cerca de 1 milhão de pessoas morreram em consequência dela, e milhões foram deslocadas e afastadas de suas regiões de origem. O subcontinente indiano, que era o lar de gente de várias confissões, foi dividido e mutilado. Uma nação foi extraída à força dele, com base na religião, na alteridade e na desconfiança.
Ela foi chamada Paquistão. As dores do parto, as graves lesões corporais, o sofrimento físico e emocional nunca deixaram a antiga colônia britânica. Em 2017, quando Índia e Paquistão celebram o 70º aniversário de sua independência, os sentimentos de divisão e separação continuam intactos, exatamente como eram na meia-noite de 14 de agosto de 1947.
Os primeiros meses da partição deram o tom para o futuro das relações. Índia e Paquistão se envolveram num conflito territorial em torno da região da Caxemira, com os conselheiros do fundador do Paquistão, Muhammad Ali Jinnah, enviando um grupo de guerreiros tribais para "libertar" a Caxemira do domínio de um marajá hindu.
Em resposta, a Índia enviou suas tropas para a área, ocupando a maior parte do território, enquanto o Paquistão assumia o controle do resto. Desde então, os dois países já se envolveram em três guerras por causa da Caxemira, e o conflito continua sendo o maior impedimento para se chegar a relações bilaterais cordiais. Com o apoio do Paquistão a grupos separatistas islâmicos na Caxemira, uma disputa de tom secular e étnico se transformou numa batalha disputada ao longo de linhas confessionais.
Já em 1948, as duas nações passaram a tentar superar a influência da outra no Afeganistão, uma região que os colonialistas britânicos nunca conseguiram conquistar. O Paquistão temia que um governo pró-Índia no Afeganistão pudesse significar uma ameaça à sua existência, e muitos pachtuns paquistaneses estavam insatisfeitos com a autoridade de Jinnah e buscavam a unidade com o Afeganistão, também uma região de maioria pachtun. Esse foi o início do conflito afegão, que culminou com a invasão do Afeganistão pela antiga União Soviética.
Como a Índia era mais próxima da Rússia, o Paquistão ofereceu seu amplo apoio aos Estados Unidos, lançando a região numa guerra civil mortal que continua até os dias atuais.
As primeiras decisões de política externa tomadas pelos dois países tiveram também um profundo impacto nas suas políticas domésticas. A desconfiança mútua se infiltrou na sua propaganda oficial, livros de história, aparato de segurança e, ainda mais significativo, sua psiquê.
Quando bengalis que habitavam a região oriental do Paquistão (o atual Bangladesh) começaram a exigir seus direitos e autonomia, a primeira reação das autoridades no então Paquistão Ocidental foi tachá-los de "agentes indianos".
A proximidade do Paquistão Oriental, majoritariamente muçulmano, com a Índia, suas ligações históricas com a parte indiana de Bengala e sua afinidade cultural com os hindus bengalis eram as principais razões por trás dessa suspeita. A linha artificial de partição que foi talhada com sangue nas regiões ocidentais da Índia britânica não existia no leste. Ironicamente, a Liga Muçulmana, que exigia um país apenas para os muçulmanos indianos, foi fundada em Bengala.
Mas a ideia original de Jinnah, de que os grupos minoritários na Índia ganhassem direitos políticos e legais mais amplos, foi traída pelos seus sucessores no Paquistão. Os governantes do Paquistão se recusaram a aceitar as exigências dos bengalis e usaram a força contra eles, o que resultou num movimento de independência no Paquistão Oriental e na criação de Bangladesh, em 1971.
Foi a segunda partição num espaço de 24 anos – e, mais uma vez, uma partição violenta que custou a vida de milhões de bengalis. Milhares de mulheres bengalis foram estupradas, intelectuais foram torturados e casas, incendiadas. Islamabad nunca se desculpou perante Bangladesh pelo massacre e o "justifica" oficialmente acusando a Índia de ter conspirado para desintegrar o Paquistão.
A segunda partição foi, portanto, o resultado de um medo mútuo. O discurso do inimigo, que foi posto em movimento por Jinnah e por líderes do Congresso Nacional Indiano em 1947 perpetuou a si mesmo e, em 1971, gerou o ódio.
A maioria dos problemas que Índia e Paquistão enfrenta hoje em dia tem suas raízes na partição de 1947. Qualquer estudo de teoria pós-colonial apontaria problemas similares em outras partes do mundo, como o Oriente Médio, a América Latina e a África.
Na Índia ainda se fala sobre a partição e seus efeitos, mas no Paquistão predomina um silêncio absoluto, apesar de o debate sobre a partição ser um passo importante para solucionar a questão da governança política e econômica no Paquistão.
A "tomada do Estado pela elite", em 1947, quando a classe detentora de terras, apoiada pelos britânicos, assumiu os recursos e o governo do país recém-independente, segue intacta, bem como a perseguição de minorias religiosas, que é um resultado da assim chamada "teoria das duas nações", sobre a qual o Paquistão foi fundado.
Debater a partição da Índia britânica também é necessária para entender por que o extremismo islâmico se espalhou pelo Paquistão ou por que o país escolheu usar o islã como uma ferramenta de política externa e segurança. Quando o primeiro-ministro Narendra Modi se inclina a reviver o hindutva (hinduísmo, uma doutrina da supremacia hindu), é necessário voltar à partição de 1947 para entender suas raízes.
Índia e Paquistão celebram o 70º aniversário da partição com fervor nacionalista, mas as populações dos dois países não têm muito o que festejar.
As duas nações se vangloriam de ter armas nucleares e sistemas de defesa militar avançados, mas a maioria dos indianos e dos paquistaneses não tem acesso a infraestruturas básicas. Ainda assim, a retórica de guerra continua dos dois lados, com uma história mentirosa sobre a partição da Índia sendo servida aos habitantes do subcontinente – são relatos de glórias e supremacias falsas.
Este não é o 70º aniversário de independência, mas o 70º aniversário de animosidades mútuas. A partição não pode mais ser desfeita, mas o muro de ódio pode ser derrubado. Que ele seja derrubado!
Batalha nas nuvens
O conflito na Caxemira, entre a Índia e o Paquistão, se arrasta desde 1948, e especialistas têm poucas esperanças de uma solução no futuro próximo. Os dois países gastam muito com seus respectivos exércitos em cada uma das metades divididas do território. Os soldados estão espalhados pelo que alguns chamam de "o campo de batalha mais alto do mundo", na geleira Siachen (5.753 metros de altitude).