Estevão Taiar e Sergio Lamucci¹
Os investimentos do governo federal, cujo espaço no Orçamento encolhem desde 2015, podem terminar 2017 no menor patamar como proporção das despesas primárias em pelo menos uma década e comprometer ainda mais a retomada da economia.
De janeiro a maio deste ano, os investimentos representaram apenas 2,47% das despesas primárias do governo federal, contra 4,7% no mesmo período do ano passado e 8,7% em 2014, ano em que foi registrado o nível mais alto desde 2007, segundo dados do Tesouro Nacional.
Em valores correntes, as despesas de capital entre janeiro e maio somaram R$ 12,2 bilhões, o menor nível desde 2010. Três fatores principais levaram à contração desse tipo de gasto (aquisição de máquinas, equipamentos, realização de obras e compra de participações acionárias, entre outros).
Enquanto a crise gerou recuo na arrecadação, a rigidez orçamentária impediu cortes significativos em outros tipos de despesas, como gastos previdenciários, deixando os investimentos ao alcance da tesoura governamental. São as despesas discricionárias, que podem ser cortadas com maior facilidade.
Além disso, a dinâmica dos gastos previdenciários, com o envelhecimento da população, e os reajustes salariais concedidos a servidores fizeram essas rubricas crescerem, 'ocupando' o espaço que havia para os investimentos. "A Previdência ganha muito destaque, mas neste ano as despesas com pessoal estão crescendo mais do que os gastos do Regime Geral de Previdência Social (RGPS)", diz Gabriel Leal de Barros, diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do Senado que monitora as contas públicas.
De acordo com os cálculos da IFI, excluídos os precatórios, as despesas com pessoal cresceram 7,6% entre os cinco primeiros meses deste ano e o mesmo período do ano passado, enquanto no caso do RGPS o aumento foi de 5,1%. Já os investimentos caíram 47,6% em termos reais na mesma comparação. "É um recuo que pode ser verificado em praticamente todos os eixos: infraestrutura, política social, produção", diz Barros.
Na saúde, o corte foi de 18,3%. Na educação, chegou a 40,9%. No Ministério das Cidades atingiu 53,1%. Programas sociais e de investimentos em infraestrutura também foram alvo de cortes. As despesas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) caíram 51%.
No caso do Minha Casa, Minha Vida, a redução foi de 66,6%. "Nesse sentido, o governo não está sendo discricionário. Ele está cortando de todo mundo", diz Nelson Marconi, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Para ele, a queda dos investimentos não só tem dificultado a retomada da atividade, como contribuiu para o início da crise, ainda que não tenha sido a responsável por ela. Os cálculos de Marconi apontam que as despesas de capital nos três níveis de governo, excluindo as estatais, passaram de 3% do PIB em 2014 para 1,8% em 2016.
Neste ano, podem chegar a 1,6%. "Neste momento, uma alta dos investimentos seria mais importante ainda, porque precisamos de um estímulo externo à demanda privada para crescer", afirma.
Outro problema é o salto das despesas com pessoal nos últimos anos, que subiram de 9,8% do PIB em 2014 para 10,6% em 2016. Parte desse aumento é estrutural. "Esse tipo de despesa vem subindo desde 1985", diz Marconi.
Mas os reajustes dados a servidores federais nos últimos anos tornaram o cenário ainda mais grave. "É algo incompatível com o discurso e a necessidade de fazer um ajuste."
Entre 2006 e 2016, os gastos do governo federal com servidores cresceram em média 8,4% ao ano, enquanto a inflação média no período foi de 6% e o número de servidores cresceu 5%. "Grande parte da expansão desse tipo de despesa veio de aumento de salário", diz André Gamerman, economista da Opus Investimentos, responsável pelos cálculos.
Para ele, em função dos constantes reajustes, esse grupo poderia ficar sem aumento de salários, ou ter reajustes abaixo da inflação, por um período. "Em quatro anos sem reajustes, você consegue ter um ganho bem razoável [dentro do orçamento]", diz. "E nesse caso você não precisa nem fazer reforma para não dar reajuste, é muito mais fácil nesse aspecto."
Nos cálculos da IFI, a Previdência consumiu 43% das despesas primárias nos cinco primeiros meses do ano. "Isso tira espaço para o avanço de outras áreas, como saúde, educação e infraestrutura", diz Barros, destacando, no entanto, que "há espaço para trabalhar e reduzir gastos nos [mais de] 50% restantes", incluídas aí principalmente as despesas com pessoal. Gamerman, da Opus, é mais cético em relação à capacidade de os investimentos do governo federal contribuírem de maneira significativa para a retomada do crescimento. "Fundamental mesmo é a volta da confiança", diz.
Produtividade encolhe quase 5% em três anos
A produtividade total dos fatores (PTF) recuou pelo terceiro ano consecutivo em 2016, fechando em baixa de 1,9%. Desde 2014, houve uma retração de 4,8%, segundo cálculos da equipe do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Medida de eficiência com que os fatores capital e trabalho se transformam em produção, uma PTF em baixa é um sinal ruim para as perspectivas de crescimento a taxas mais elevadas de modo sustentado. Um dos responsáveis pelas estimativas, o pesquisador Samuel Pessôa, do Ibre da FGV, acredita em mais uma queda em 2017, embora mais moderada.
Depois de aumentar com mais força entre 2004 e 2011, a produtividade perdeu fôlego em 2012, passando a encolher a partir de 2014. Para Pessôa, o mau desempenho nos últimos anos reflete as alterações na política econômica que se intensificaram principalmente no primeiro governo da ex-presidente Dilma Rousseff, marcada por grande intervencionismo na economia, em boa parte para tentar manter o investimento alto a todo custo, o descontrole crescente das contas públicas, a queda forçada dos juros e a administração da taxa de câmbio, em vez de deixá-la flutuar.
Essa é a visão de muitos economistas ortodoxos, que enfatizam o efeito negativo sobre a produtividade da má alocação de capital induzida por políticas adotadas em especial na gestão de Dilma.
A inflexão, porém, já havia começado no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na visão de Pessôa. Já alguns economistas heterodoxos veem a perda de dinamismo da indústria e o espaço maior na economia de serviços poucos sofisticados como o grande fator para explicar o recuo da PTF nos últimos anos.
Ao falar da queda da produtividade, Pessôa lembra que a medida tem um caráter pró-cíclico – tende a aumentar mais em períodos de crescimento e a recuar mais quando a economia encolhe. "Isso ocorre porque não há medidas precisas da utilização dos fatores de produção [capital e trabalho]", diz ele.
"Quando se está na alta do ciclo econômico, o uso dos fatores tende a ser subestimado; na baixa, a ser superestimado." A magnitude do tombo recente, contudo, indica que o problema vai muito além do problema de medição da PTF, avalia Pessôa.
Ele destaca que a queda da produtividade do capital foi maior do que a do trabalho, lembrando do mergulho do investimento na atual crise. Desde o terceiro trimestre de 2013, a formação bruta de capital fixo (FBCF, medida das contas nacionais do que se investe em máquinas e equipamentos, construção civil e inovação) caiu quase 30%.
"O investimento despencou nos últimos anos, e o principal motivo foi que o país perseguiu um conjunto de políticas intervencionistas a partir de 2009 para mantê-lo o mais alto possível", diz Pessôa, citando medidas como as que levaram à reconstrução da indústria naval, os incentivos à cadeia do setor de petróleo e gás e os estímulos à indústria automobilística, além do entusiasmo do segmento de construção civil com o programa Minha Casa Minha Vida.
Com tudo isso, houve uma alocação muito mal feita do capital. "Investiu-se em setores em que o retorno era muito baixo, o que gerou endividamento, mas não capacidade de geração de caixa nas principais empresas", diz Pessôa, observando que isso tem um impacto negativo sobre a produtividade do capital.
Para ele, a PTF deve encolher mais uma vez em 2017, embora a queda tenda a ser menor do que nos últimos três anos. "Ainda há má alocação de capital para ser digerida." Economista da Opus Gestão de Recursos, José Marcio Camargo diz que a queda da PTF ocorrida nos últimos anos é algo "perfeitamente esperado".
Segundo ele, as decisões de política econômica que aumentaram a intervenção do Estado na economia levaram à perda da eficiência. "A intervenção no setor elétrico gerou perda de produtividade, o que ocorreu na Petrobras gerou perda de produtividade", diz Camargo, também professor da PUC-Rio.
O período de maiores ganhos da PTF ocorreu durante grande parte dos dois governos de Lula, que comandou o país entre 2003 e 2010. Nesse período, a produtividade avançou a uma média anual de 1,8%, segundo número do Ibre.
Foi uma aceleração expressiva em relação à média de 0,4% observada entre 1994 e 2002 (intervalo que inclui o último ano do governo de Itamar Franco, quando o Plano Real foi lançado, e os oito anos dos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso).
Na média de 1983 a 1993, porém, a PTF caiu a uma taxa anual de 0,9%. Para Pessôa, a aceleração da produtividade nos anos Lula se deve principalmente a um longo ciclo de reformas institucionais que se iniciam no começo dos anos 1990, com a abertura da economia promovida no governo Collor.
Essas mudanças seguiram na gestão de Itamar, com a implementação do Plano Real, que derrubou a inflação, e ao longo do governo Fernando Henrique, como as privatizações e adoção do câmbio flutuante, regime de metas de inflação e geração de superávits primários elevados. No primeiro governo Lula, as reformas continuaram, segundo Pessôa, apontando entre elas a melhora no mercado de crédito e a aprovação da lei de falências.
Camargo faz um diagnóstico parecido, avaliando que o país fez uma "revolução institucional" entre 1990 e 2005. Tudo isso contribuiu para o país aumentar a produtividade, avalia ele. Na visão de Pessôa, também colaborou nesse processo a transição política civilizada, com o PT assumindo o poder em 2003 e adotando de início políticas fiscais responsáveis, sem promover rupturas.
A maturação dessas reformas, segundo Pessôa e Camargo, levou aos ganhos maiores de produtividade nos anos 2000. Para o primeiro, o boom de commodities também contribuiu para o aumento da PTF, embora o efeito seja "subsidiário". Segundo Pessôa, a alta dos preços das matérias-primas "permite ao país perseguir caminhos de crescimento investindo no que é mais produtivo".
Estrategista da Fator Administração de Recursos (FAR), o economista Paulo Gala tem uma interpretação diferente dos motivos que teriam levado à aceleração da PTF na década passada. Para ele, o movimento não se deve ao impacto de reformas institucionais ocorridas anos antes.
O que explica o salto, segundo Gala, é que o período foi marcado por um aumento expressivo da produção industrial, cujo volume subiu quase 28% entre o fim de 2003 e setembro de 2008. Com o impacto da crise financeira global, agravada pela quebra do Lehman Brothers, a indústria levou um tombo expressivo no fim de 2008, mas logo se recuperou e retomou com relativa rapidez os níveis pré-crise, sendo superado em abril de 2010. "O aumento de produtividade ocorre por causa dos ganhos de escala do setor industrial", diz ele. Segundo Gala, esse foi um momento em que muitas empresas trabalharam em três turnos, elevando o volume produzido por trabalhador.
Na visão de Gala, o que gera produtividade são economias de escala, que são obtidas basicamente na indústria e setores de serviços sofisticados, como os serviços empresariais, financeiros, digitais e da tecnologia da informação. O problema é que, no Brasil, os serviços pouco sofisticados, de baixa produtividade, é que têm ganhado terreno na economia.
A queda recente da PTF, para ele, se explica pelo tombo da produção industrial nos últimos anos. Para calcular a produtividade total dos fatores, Pessôa estimou o quanto o PIB cresceu devido à acumulação do capital e do trabalho. O resíduo, ou a sobra, se explica pela evolução da PTF.
Para chegar à variação do capital, Pessôa utilizou os dados de investimento das contas nacionais. No caso da variação do trabalho, a base é uma série que consolida informações sobre horas trabalhadas de três levantamentos – a Pesquisa Mensal de Emprego (PME), a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e a PNAD Contínua.
Estevão Taiar e Sergio Lamucci¹