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Moretzsohn – Compliance Militar

Prevenção a erros e fraudes nas

áreas de Defesa e Segurança.

 

Eugênio Moretzsohn

1.       Introdução.

Caro leitor: após a deflagração da Operação Lava-Jato, muito está se falando sobre ética, integridade, conformidade e normatização de procedimentos nos setores público e privado, e a palavra Compliance está, aqui e ali, em noticiários sobre o iceberg da corrupção no Brasil (iceberg, pois, até agora, só vimos da corrupção a ponta).

Compliancesignifica “conformidade” e os passageiros habituais de avião que prestam atenção às orientações da comissária-chefe de cabine no seu speech de bordo certamente já ouviram a frase "…in compliance with federal regulations, smoking is not allowed on board" (em conformidade com a legislação federal, não é permitido fumar a bordo).

É este o significado, porém, não exatamente o sentido: o contexto do Compliance não se limita ao da obediência, imposta e autoritária às normas, mas, sim, ao da sua observância, voluntária e consentida, e – exatamente por isso – mais eficiente, agregador e perene que a outra interpretação.

2.      Origens.

Há versões e versões sobre a origem do Compliance e algumas remontam ao início do século XX quando surgiram as primeiras agências reguladoras estadunidenses (a conhecida FDA – Food and Drug Administration – foi criada em 1906); há duas vertentes principais do Compliance no mundo (o outro é o europeu) e, em meu entender, em sua atual formatação estruturada como função ou atividade a origem mais consistente é aquela atribuída ao setor bancário europeu nas décadas de 60-70, quando auditorias independentes perceberam desvios de dinheiro em contas numeradas (aquelas cuja privacidade deveria lhes render segurança); ao receberem pesadas multas, as instituições bancárias decidiram por qualificar seus funcionários em temas relacionados a honestidade, integridade e ética – além de calibrar seus controles – e, para isso, adotaram algumas disciplinas relacionadas ao aperfeiçoamento das atividades humanas. A combinação dessas matérias resultou na cadeira de Governança, já absorvida pela academia, e as principais temáticas desenvolvidas para a área de humanidades foram aglutinadas e denominadas de Função de Compliance.

Relevante lembrar que os citados desvios de dinheiro das contas secretas destinavam-se a financiar organizações terroristas no Velho Continente, dentre elas o IRA britânico, o ETA basco, as Brigadas Vermelhas italianas e o Baader-Meinhof alemão, e o método utilizado por essas organizações era o de cooptar funcionários simpatizantes com a ideologia defendida por elas; não sem razão, o Compliance é descrito como efetiva ferramenta antiterror, e alinha-se de maneira estratégica com a Contrainteligência, uma das propostas destas modestas linhas.

3.         O entendimento sobre a função Compliance

           

O leitor certamente já consultou sítios na rede mundial de computadores sobre esse tema; se ainda não o fez, sugiro iniciar pela apostila gentilmente compartilhada pela FEBRABAN de nome "Função de Compliance", no www.abbi.com.br/download/funcaodecompliance_09.pdf pelo didatismo e leveza de abordagem, já que nossos caros advogados estão apropriando-se do tema e, de tanto insistirem na normatização procedimental, tornando assunto tão interessante num árido check-list

Recentemente, servidor de meu relacionamento que trabalha no setor previdenciário do Estado de Santa Catarina relatou exatamente o que penso a respeito dessa mania de "paragrafar" tudo: o Compliance do órgão é antipatizado pelos servidores que administram o fundo de pensão dos funcionários públicos, pois, a atuação dele limita-se apenas a responsabilizar quem cometeu algum erro, ao invés de atuar preventivamente e de forma educativa. Compliance não é auditoria, e peço emprestado à minha competente professora Márcia Pereira, referência em Compliance no Brasil (mpcompliance.com.br) a emblemática frase de autoria dela: “O Compliance pega na mão; a auditoria pega no pé”.  

O Compliance não é, em meu entender, simplesmente um regramento administrativo ou jurídico que poderia ser materializado em procedimentos, parágrafos e subitens; nem, tampouco, uma submissão a uma série de normas criadas com determinado fim; isso seria, nos dizeres da citada Márcia Pereira, "uma visão reducionista que não lhe reconhece outras virtudes".

 

Ele é a adesão voluntária a um propósito – no caso, o de ser honesto, ético, proativo, comprometido com o bem e, assim, disposto a seguir as exigências legais – pois, ainda conforme Márcia Pereira, "Compliance é, antes de tudo, um comportamento". Por esta razão, talvez a a Psicologia esteja "com o Compliance na mira", já que a ciência dos comportamentos humanos me parece bastante aderente a essa função, especialmente se juntarmos as competências da Administração e do Direito.

Faço uma comparação com a questão ambiental, hoje tão valorizada nas empresas: do que vale ter no hall de entrada uma placa vistosa onde está impressa a Carta Ambiental (ou Compromisso Ambiental), se, lá nos bastidores, ninguém apaga as luzes desnecessárias, não se economiza água, não se separa o lixo, nem se aproveita a luz solar, o vento e a chuva?  Ou seja, é o comportamento das pessoas que precisa ser alterado, e a única maneira de se atingir isso é pelas vias educacional e motivacional. A função de Compliance funciona de maneira análoga, e somente pelo convencimento poderemos aglutinar honestos, justos, sábios e bons.

4.      Por que criar uma versão militarizada do Compliance?

        

A atividade militar, seja operacional (atividade fim), seja logístico-financeiro-administrativa (meio) é, por suas características realmente atípicas, ambiente formidável para a introdução do tema e pródiga em oportunidades para o desenvolvimento dele, às quais os militares terão facilidade de adaptação por duas razões: 

        

– A disciplina, um dos esteios da profissão das armas, também é um valor na adoção da função de Compliance. Não é exagero admitir que, na maior parte das organizações em que a estruturação da função de Compliance não foi bem-sucedida, houve falha ou relaxamento na disciplina exigida para sua implementação.

        

– A ação de comando, qualidade cultuada por todos os profissionais das armas, misto de iniciativa com responsabilidade funcional que motiva o comandante em todos os níveis hierárquicos a responsabilizar-se em sua esfera de atuação pelas ordens emitidas e recebidas, comprometendo-se com sua fiel execução – e constante fiscalização – desde o recebimento dela até a entrega dos resultados, inclusive incumbindo-se do feedback a seus superiores à medida em que a situação evolui a favor do cumprimento da missão, ou em sentido contrário a esta. No "meio civil" não se encontra prática similar à cadeia de responsabilidades exigida no segmento fardado, pois, o colaborador de uma empresa dificilmente comprometer-se-á com alguma obrigação que não esteja em seu contrato de trabalho, e alegará constrangimento, coação ou desvio de função quando souber que sua responsabilidade estender-se-á ao longo de todas as fases do processo, mesmo sobre aquelas em que ele não controlará diretamente. Por essas razões, a ação de comando nada mais é que a síntese do espírito do Compliance Militar.

         

Ainda – e não menos importante – a função de Compliance servirá para auxiliar a corrigir disfunção histórica que ocorre no meio militar sobre sua mediana eficiência na solução das questões administrativas, realidade motivada pelos seguintes fatores:

        

– Dificuldade em absorver os profissionais oriundos da área operacional em funções administrativas: alguns "operacionais" simplesmente não se enquadram e sofrem transtornos de adaptação, sentem-se ansiosos e inseguros, e são cobrados por seus comandantes como se tivessem a obrigação de terem nascido sabendo;

        

– Pouco investimento em capacitação dos militares deslocados para essas funções, que precisam "se virar" para aprender as infindáveis normas e rotinas, o que redunda em subespecialização e improvisações;

        

– Acúmulo de funções, o que leva à sobrecarga de trabalho e perda de eficiência nas ações;

        

– Subvalorização da área administrativa: um curso de combate é muito mais valorizado que um curso de Administração Pública;

        

– Pouco reconhecimento e valoração dos profissionais dessa área: o número de saltos de um paraquedista é valorado inclusive  monetariamente (pela cota de saltos). Irei relatar sucintamente um fato que ilustra que igual medida não se aplica à área administrativa: um companheiro, exercendo a função de Fiscal Administrativo de um Batalhão de Infantaria, conseguiu, pelo relacionamento social com empresário do setor de construção civil e ex-aluno no NPOR da OM, que um poço artesiano fosse perfurado na Unidade – gratuitamente – o que solucionou problema crônico de abastecimento de água. Foi valorado por isso? Não. A economia gerada no quartel não redundou em qualquer prêmio. Foi reconhecido? No máximo com uma citação nas referências elogiosas contumazes de final de ano.

        

A adoção de um modelo militar de Compliance é providencial para alcançarmos as seguintes metas:

         

– Redução do retrabalho: o leitor militar certamente concordará comigo que é impressionante o volume de documentos que simplesmente "voltam" por desobediência às normas gramaticais, erros de digitação, lançamento de dados incompletos ou equivocados e perdas de prazo; a adoção da função de Compliance desenvolverá a mentalidade de "acertar da primeira vez", pois, documento algum será encaminhado – especialmente os externos – sem passar pelas devidas checagens;

         

– Melhoria na qualidade do que fazemos: a função de Compliance exige a adoção de conformidade de todas etapas dos processos administrativos e operacionais, o que termina por alavancar a qualidade final do produto; além disso, a educação para o Compliance resulta no desenvolvimento da genuína autossatisfação em fazer bem feito e a valorização dos que assim procederem;

         

– Diminuição do erro funcional: quase um somatório das duas questões anteriores, a função de Compliance é, comprovadamente, forte aliada da eficiência administrativa e operacional – o hábito de checar contribui, inclusive, para a diminuição de acidentes na instrução e no serviço;

           

– Redução dos espaços para a atuação de fraudadores: o Compliance é a medida mais indicada para a prevenção de fraudes nos setores público e privado, e isso já é pacificado na doutrina; o culto à ética, a valorização do correto, do bem-feito, do justo, do que diz a verdade espalham-se como metástases do bem dentro da organização, deixando sem espaços para manobra os espertalhões de plantão que rondam nas sombras à procura de oportunidades;

           

– Identificação dos preguiçosos: todos conhecem o significado da expressão "ovos com bacon" (a galinha apenas participa, mas, o porco, coitado, este se compromete). O leitor militar certamente sabe que tais personagens existem na vida real: são os que "vão levando", não se comprometem muito, não são voluntários para nada e adoram ficar doentes nas vésperas dos acampamentos; em contrapartida, há os que colocam o braço na seringa todas as vezes, felizmente, ainda a maioria. A função permite o desenvolvimento de mecanismos que denunciam os omissos e os mal-intencionados, terminando com o nefasto corporativismo disfarçado de espírito de corpo;     

         

 – Calibração da ética e da honestidade: a atividade militar está no pódio das profissões que mais se preocupam com a correção de seus atos; entretanto, falta fazer o "ajuste fino" de questões (poucas) que insistem em sobreviver nas trincheiras. Só como exemplo – e só ficarei neste, pois, o tema é para ser explorado intramuros – na época da Comissão de Seleção, infelizmente, surgem aqueles que procuram influenciar na dispensa das obrigações do Serviço Militar para seus conhecidos, e isto precisa ser corrigido – é favorecimento ilícito – e uma das exigências da função de Compliance é a elaboração de um código de conduta bastante abrangente e detalhado, contextualizando para cada organização militar o que está normatizado nos regulamentos disciplinares;

  

– A função de Compliance mitiga riscos de a organização militar vir a receber punições, restrições legais, multas, sanções judiciais e macular sua reputação nas esferas fiscal, contábil, financeira, ambiental e previdenciária, além dos já citados acidentes em manobras;

  

– O aperfeiçoamento da governança: o comando da organização militar poderá descentralizar ações com mais segurança pelo aumento do nível de confiabilidade das estruturas que lhe são subordinadas, o que permitirá sua dedicação aos problemas mais importantes e prementes.

Estes foram apenas alguns exemplos dos benefícios e metas a serem alcançados pelo desenvolvimento de um modelo de Compliance no segmento fardado. 

5.     Como implantar?

        

O Exército perdeu a oportunidade de melhorar sua governança e de implantar a função de Compliance quando instituiu o programa de Excelência Gerencial (PEG), inspirado no PQSP (Programa de Qualidade do Serviço Público), no início dos anos 2000.

        

Àquela época, poderíamos ter aproveitado a finalização da decisiva etapa do Mapeamento dos Processos para incluir medidas de Compliance em cada um deles; como não o fizemos, teremos de aproveitar o que já foi feito, desde que sejam efetuadas criteriosas revisão e atualização.

        

Concluída esta etapa, modestamente sugiro seguir o modelo imaginado por mim:Compliance por Comunidades de PráticasPara tal, vamos definir o que são essas comunidades? São equipes multidisciplinares orientadas por especialistas e coordenadas por carismática liderança. que se reúnem em torno de um mesmo tema e segundo um cronograma, trabalhando integradas para encontrar soluções a desafios atuais e futuros, por meio de forte interação entre seus integrantes, com o compartilhamento de informações subsidiadas por pesquisas, em reuniões presenciais ou não (definição deste autor). A comunidade é agregadora e contributiva por excelência, sem competições internas e estrelismos individuais.

         

Não é novidade e não estou reinventando a roda: todos os que já fizeram bons trabalhos em grupo no colégio ou na graduação chegaram perto disso, e a diferença está em que o trabalho será em equipes (e não em grupos), formadas por voluntários desejosos de participar dessa importante e desafiadora maratona; cada equipe terá um líder e um relator, e todo o trabalho será presidido por um coordenador eleito pelo voto secreto de todos (é necessário compreender que o tradicional modelo de "o mais antigo coordena" não deverá ser imposto, porém, poderá ser aceito se houver consenso). Se a organização assim o entender, o coordenador poderá ser o mais antigo, mas, terá um secretário-executivo eleito conforme já explicado, cabendo-lhe a condução dos trabalhos na prática, e, ao coordenador, as questões "políticas" e administrativas para viabilizar as reuniões.

         

O relator é muito importante na equipe, pois, será ele que lançará as medidas de Compliance nas fichas que serão abertas para cada prática; portanto, sua escolha deverá observar a necessidade de que, ao final dos trabalhos de Comunidades de Prática, os integrantes das equipes regressarão às suas seções de origem para a multiplicação do conhecimento, e cada relator deverá apresentar aos demais companheiros as marcações de Compliance efetuadas nas práticas que dizem respeito àquela seção – deverá haver, então, um arranjo para que nenhuma seção deixe de ter um relator que a represente durante a duração das Comunidades de Práticas. Outra atribuição do relator de cada equipe é fazer as anotações preliminares que servirão de insumos para a composição do Código de Posturas da Organização, a última atividade da Comunidade de Práticas.

         

As equipes serão multidisciplinares, ou seja, com representantes de todas as funções, dos vários cargos e níveis hierárquicos da organização; quando houver apenas um representante de determinada especialização (o médico, por exemplo), ele se disponibilizará para atender a todas as equipes.

         

Constituídas as equipes, estando os processos já devidamente mapeados e revisados, o coordenador convidará um consultor para ministrar minicurso (de 4 horas), ao longo do qual os conhecimentos sobre a função de Compliance e a condução de trabalhos por Comunidades de Práticas serão nivelados; após, os itens de discussão serão distribuídos por sorteio ou por afinidades, de forma que cada equipe receberá suas questões de maneira proporcional.

        

As questões serão apresentadas pelo coordenador (ou secretário-executivo) assistido pelo consultor em Compliance, e serão, simplesmente, a distribuição controlada de cópias dos processos já mapeados pela organização, talvez em formatos de tiras ou por e-mail, se estiverem todos on line; as equipes analisarão os quesitos e procurarão construir, por meio de discussão, as melhores soluções para que aquela prática seja fielmente executada conforme a legislação.

         

A missão de cada equipe não será a de discutir a pertinência do processo, mas, sim, qual(is) medida(s) de Compliance será(ão) marcada(s) nele a fim de assegurar que sejam cumpridos prazos, modelos e conteúdos previstos para essas obrigações.  As medidas de Compliance serão compiladas das normas que regulam cada prática, de forma objetiva, acrescidas de contribuições dos integrantes a partir de suas experiências; saudáveis são as anotações de boas práticas resultantes das APA (Análise Pós Ação), pois, a memória sobre os erros pretéritos é a base para a construção dos acertos futuros. As marcações de Compliance serão as inscrições sintéticas nas fichas abertas para cada prática.

         

Em casos de conflitos dentro da equipe – não pacificados pela doutrina, nem pelos especialistas consultados – a decisão interna será por voto de cada integrante. Evidentemente, a doutrina será consultada durante todo o tempo, a fim de impedir a proposta de soluções contrárias à regulamentação, requisito que está no DNA do Compliance. Essa necessidade de consulta exigirá um planejamento para a sala de reuniões, a qual deverá contemplar espaço para uma pequena biblioteca e terminais ligados à internet.

         

As equipes abordarão processos diferentes para otimização de tempo (daí a importância de representantes de cada especialidade dentre as existentes nos quadros da organização); quando um processo for considerado por demais crítico, mais de uma equipe ou todas elas o discutirão, e esse entendimento será uma das atribuições do coordenador.

        

Temas que exigirem confidencialidade deverão ser analisados separadamente, mas, ainda assim, a prática da formação de equipes multidisciplinares dentre os cadastrados naquela credencial de segurança deverá ser observada.

        

Após cada reunião, deverá ser exarada uma Ata ou Relatório, e cada integrante receberá uma cópia para "análise doméstica" (sabemos que o ócio é criativo); assuntos sensíveis, evidentemente, terão tratamento à parte.

        

Nesse amplo debate, certamente serão percebidos "furos" (inconsistências) e será necessária a adequação dos processos internos da organização às normas técnicas recomendadas – o que representará uma vitória para a equipe que encontrar um erro em curso (que está sendo cometido), apontando a solução para ele dentro das normas. Aliás, essas oficinas de Comunidades de Práticas são ambientes perfeitos para a leitura dos procedimentos, comparando-se o que deveria ser feito com o que está sendo feito. Quando tal situação ocorrer, deverá ser emitida uma Nota Técnica explicando detalhadamente a ocorrência e as providências recomendadas.

      

Vamos a um exemplo?

      

A Seção de Comunicação Social de uma Organização Militar possui diversos processos mapeados (macroprocessos, processos, microprocessos e práticas); consideraremos apenas um macroprocesso, o de "manter bom relacionamento com os diversos públicos" (lembrando, o direcionamento estratégico da organização é que orienta seus macroprocessos).

      

O macroprocesso escolhido desdobra-se em processos, e um deles é o de "cumprimentar os aniversariantes do dia"; este, por sua vez, desdobra-se em microprocessos:

– aniversariantes integrantes daquela organização militar; 

– aniversariantes cônjuges de integrantes daquela organização;

– aniversariantes militares da reserva e que residem naquela guarnição;

– aniversariantes civis externos à organização;

– aniversariantes autoridades militares externas à organização;

– aniversariantes autoridades civis externas à organização etc e, assim, poderemos encontrar mais uns 5 ou 6 microprocessos, cada um desdobrando-se em diversas práticas.

       

Ganhando tempo, tomemos o microprocesso "aniversariantes integrantes daquela organização militar". Ele dá origem a diversas práticas, dentre elas a de "encaminhar um cartão impresso a cada aniversariante do dia com a assinatura do comandante".  A fim de certificar que essa prática será feita com exatidão, quais medidas de Compliance deverão estar atreladas a ela?

        

Vamos lá?

         

– Formato: o cartão impresso está no modelo e tamanho previstos? Contém rasuras? Está limpo e sem amassados? O envelope está disponível e de acordo?

– Conteúdo: as inscrições do cartão são as previstas? Há erros de gramática ou de digitação?  A data está correta? O comandante já assinou o cartão?

         

– Pertinência: o militar está realmente de aniversário? Ele ainda está lotado na organização?

          

– Oportunidade: o militar aniversariante estará no quartel? (poderia estar de férias ou fazendo um curso, por exemplo). Haverá expediente no dia do aniversário dele? O melhor horário para a entrega do cartão já foi combinado?

        

Como visto, as medidas de Compliance são garantidoras de que aquela prática será cumprida conforme as normas, por nos obrigarem a checar os passos necessários à sua efetivação. E as marcações são as inscrições resumidas a serem feitas a lápis nas fichas em branco abertas para cada prática.

         

Como fazer essas marcações? Cada equipe deverá debruçar-se sobre os processos que lhe forem destinados (caso não estejam decompostos em microprocessos e práticas será necessário fazê-lo). É obrigatória a consulta às normas, pois, as anotações (marcações) a serem incluídas nas fichas serão nada mais que alertas sobre o que deverá ser observado (o alerta é um sinal proativo que desperta nossa atenção e nos informa sobre fatos, situações, entregas ou recebimentos de remessas e ocorrências de exceções). 

         

Sugiro que, inicialmente, seja utilizado, por seção ou repartição, um fichário pequeno, de acrílico, com fichas separadoras para identificar os macroprocessos, outras para os processos, outras para os microprocessos e fichas em branco apenas para as práticas. A lápis, após a devida aprovação da medida de Compliance, cada relator de equipe anotará no corpo das fichas as várias marcações de Compliance que aquela prática deverá observar para ser executada em conformidade; deverá anotar, ainda, as referências na legislação.

Veja as ilustrações:

Exemplos de ficha e de arquivo:

Prática:encaminhar um cartão impresso a cada aniversariante do dia com a assinatura do comandante

Ficha no ——

Microprocesso: aniversariantes do dia integrante da organização militar.

Processo: cumprimentar os aniversariantes do dia

Macroprocesso: manter bom relacionamento com os diversos públicos

Marcações de Compliance:

(escreva a lápis)

 

1. Formato: o cartão é o previsto? Rasuras? Limpo e sem amassados? Envelope idem?

2. Conteúdo: inscrições corretas? Erros de gramática ou digitação?  Data  correta? Assinatura do Cmt?

 

3. Pertinência: o militar está de aniversário? Está pronto para o serviço?

 

4. Oportunidade: aniversariante está no quartel? Haverá expediente na data? O horário está combinado?

 

Etc…

Referências: Plano de Comunicação Social (modelo de cartão no Anexo X)

 

Obs: na versão digital, as referências deverão remeter a links na WEB para consulta.

 

Claro que, tão logo a prática esteja implantada – e havendo tempo para isso – digitalizar as fichas é bem-vindo, especialmente pela agilidade obtida ao se fazer link na legislação para consulta, bastando, para tal, clicar nos itens constantes das referências.

6.   Continuando os trabalhos da comunidade.

O coordenador deverá deliberar sobre a apresentação dos resultados dos trabalhos das equipes, o que poderá ser efetuado ao final de cada reunião, ou, após um número x de reuniões. É relevante apresentar as conclusões das equipes, pois, a anuência de todos validará o trabalho; além disso, eventual dissidência poderá der debatida e conduzir a uma reflexão útil sobre o produto final.

     

Aprovadas todas as deliberações, deverá ser emitido um relatório de conclusão, com a juntada de todas as Atas, além da inclusão de outros dados julgados úteis; conforme dito anteriormente, os assuntos sensíveis serão objeto de separatas.

     

O consultor deverá, então, realizar a capacitação dos presentes na atividade de multiplicador (4 horas), incluindo dinâmicas como recurso pedagógico; em seguida, finalizando sua participação, deverá instigar os presentes à escrituração do Código de Posturas da Organização (8 horas), cujos insumos devem ser anotados em rascunho desde o início dos trabalhos. 

7.      O fator tempo        

Estimar o tempo investido na estruturação da função de Compliance numa organização dependerá da dedicação que ela dispensar ao tema. Se os processos já estiverem mapeados e explodidos em microprocessos, tomando como base a montagem de 5 equipes multidisciplinares com 10 integrantes cada, realizando 3 reuniões semanais (meio expediente para cada reunião), pode-se gastar 12 semanas para marcar todos os alertas de Compliance, num total de 4 horas x 3 dias x 12 semanas = 144 horas de dedicação. Somadas a elas 4 horas de capacitação em multiplicação do conhecimento e mais 8 horas na construção do Código de Posturas, teremos, finalmente, 156 horas de trabalhos, evidentemente arredondadas para 160 horas. Pode parecer excessivo, mas, ao observar as medidas de Compliance que eles próprios criaram, os colaboradores participantes das Comunidades de Práticas sentir-se-ão motivados – e moralmente obrigados – a cumpri-las e a disseminar a necessidade de seu cumprimento. Como dito no início destas linhas, "…o contexto do Compliance não se limita ao da obediência, imposta e autoritária às normas, mas, sim, ao da sua observância, voluntária e consentida, e – exatamente por isso – mais eficiente, agregador e perene."

8.      Mudanças à vista        

        

Não é só pelas razões já apresentadas que a organização passará por uma revolução ética. A verdadeira mudança dar-se-á a partir do programa educacional de duas vertentes que acompanhará as atividades das Comunidades de Práticas – uma delas implícita ao longo dos trabalhos de discussão sobre quais e quantas marcações serão atreladas às práticas, fomentada pelos debates e argumentações que só ocorrem na modalidade Comunidades de Práticas e que realmente provocam reflexões.

           

Pessoas que participaram da experiência comunitária declaram ter sido de muito valor, inclusive para a vida privada; quase o efeito de uma terapia pelas oportunidades de debate e argumentação, passando a limpo os relacionamentos profissionais e as causas de suas desavenças. Este autor já teve essa vivência algumas vezes e avaliza essas falas. A consolidação das amizades e a formação de novas é outra consequência muito benéfica da comunidade, efeitos colaterais positivos que fortalecem o pertencimento, qualidade essencial dos militares e civis em organizações vencedoras.

         

A outra vertente do programa educacional é explícita e formal, e deve ser proporcionada pelo coordenador que reservará 1 hora por semana para o culto aos valores da probidade, responsabilidade, compromisso, ética e proatividade, dentre outros. Ao longo das 12 semanas estimadas de trabalho, cada equipe será incumbida de uma palestra, uma dinâmica, um teatro, enfim, uma apresentação para compartilhar com os demais esses anticorpos, sobre temas complementares e convergentes à função de Compliance.

      

Portanto, ao final do programa, teremos uma parte importante dentre os colaboradores da organização já vacinada e pronta para atuar como multiplicadora, a penúltima das capacitações de responsabilidade do consultor.  São essas pessoas que escreverão a proposta do Código de Posturas da Organização, esta, sim, a derradeira missão do consultor como orientador. 

         

Após retornarem às suas rotinas de trabalho originais na organização, a primeira missão dos  vacinados será a de explicar aos demais companheiros de seção a importância – e a obrigatoriedade – de se consultar o arquivo de fichas onde estão marcadas as medidas de Compliance, para evitarem – o quanto antes – erros e retrabalho nas muitas práticas da repartição; deverão, ainda, contar com 1 hora por semana para se reunirem com os demais colegas a fim de disseminarem as experiências adquiridas, angariando adesões e simpatizantes à causa. Mas, nem tudo será um mar de rosas, pois, logicamente, dentre os que não participaram da experiência de Comunidades de Prática haverá descontentes, invejosos e os resistentes a mudanças.  Sobre isso, vejamos o item a seguir.

9.      Ações paralelas

       

O segmento militar conta com a vantagem da hierarquia e da disciplina, e as ordens emanadas serão cumpridas; ainda assim, deve-se procurar obter resultados pela motivação – e não pela imposição hierárquica pura e simples.

         

As Comunidades de Práticas possuem uma fragilidade comum às demais ações inovadoras: o descrédito dos excluídos, o que se chama de "Síndrome da Raposa e as Uvas", em alusão à milenar fábula do genial Esopo, escritor grego que viveu no século VI A.C. A fim de minimizar os impactos da "turma do contra", orienta-se que:

       

– Colaboradores não incluídos na comunidade (por não terem se voluntariado, por exemplo), sejam convidados para alguma oficina interessante (teatro, dinâmica etc).

       

– Edição de um boletim de notícias semanal, eletrônico e compartilhável, disseminando as atividades da comunidade de forma sucinta; como sugestão de título: "Comunidade Informa".

      

– Mantenha-se aberto um canal de comunicação entre a comunidade e os demais, motivando contribuições e feedbacks dos boletins de notícias – assim, mesmo que o colega não esteja matriculado na comunidade, ele poderá enviar sua contribuição acerca de alguma prática; todas as contribuições devem ser lidas e respondidas.

        

– Manter-se as portas da sala de reuniões abertas, com a inscrição: "Seja Bem-Vindo".

       

Não custa lembrar que é importante cultuar a tolerância, especialmente com pessoas de pouco saber, os quais, às vezes justamente por isso, nunca se voluntariam para nada.   

10.    Compliance e Contrainteligência.

         

"O trabalho desenvolvido pela Contrainteligência tem foco na defesa contra ameaças como a espionagem, a sabotagem, o vazamento de informações e o terrorismo, patrocinadas por instituições, grupos ou governos estrangeiros" (http://www.abin.gov.br/atividadeinteligencia/inteligenciaecontrainteligencia/contrainteligencia/).

        

As agências internacionais de segurança apontam que a função de Compliance é vital para negar ao terrorismo uma de suas mais valiosas fontes de recursos – aquele proveniente da corrupção e da lavagem de dinheiro.  Investir em Compliance é investir em segurança, de maneira sofisticada e perene, e isso é uma exigência mundial já consolidada na Europa, Japão, Canadá e EUA.

       

Por meio da capacitação e da convivência na Comunidade de Práticas, ocorre uma elevação do patamar ético das pessoas, e a segurança se beneficia disso de várias formas, inclusive pelo aumento da capacidade de percepção de indícios de fraudes, o que é absolutamente convergente com a Contrainteligência. 

      

Na opinião deste autor, a “Contra” deveria vencer a inércia de ser apenas “complementar à atividade de Inteligência” e assumir o papel de protagonista, pois, nesta época de denúncias sem fim sobre corrupção e outros desmandos, deveríamos nos arrepender de não possuirmos uma Contrainteligência estruturada de forma departamental, da qual a função de Compliance seria valioso braço preventivo e educacional, especialmente após a entrada em vigor daLei nº 12.846, de 2013, a qual dispõe acerca da responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública nacional ou estrangeira, conhecida como Lei Anticorrupção.

      

 

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