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“Jihadistas nos percebem como fracos”

Professor de ciências políticas da Universidade de Buckingham, o britânico Anthony Glees afirma que o ataque em Londres deve fortalecer a primeira-ministra Theresa May, que tenta a reeleição e enfrenta uma eleição parlamentar na próxima quinta-feira (8/6). 

Segundo Glees, a mensagem pacifista do trabalhista Jeremy Corbyn, principal adversário de May, vai ser ser percebida como fraca pelos eleitores.

Em entrevista à DW, o professor também afirmou que os britânicos já estão prontos para pedir medidas mais severas contra radicais islâmicos.

DW: Os principais partidos políticos do Reino Unido suspenderam temporariamente a campanha eleitoral. É possível avaliar as consequências políticas desse ataque, que ocorreu pouco antes das eleições parlamentares?

Anthony Glees: Acho que é possível avaliar as consequências. Por um lado, temos um Partido Trabalhista liderado por alguém que acredita que pode conversar com terroristas e trazê-los para uma mesa de negociações. Os jihadistas não são pessoas que querem conversar com alguém em uma mesa. Eles querem explodir essa mesa.

Nós também temos uma primeira-ministra conservadora que, quando estava no Ministério do Interior, aboliu uma das poucas medidas que poderiam ter protegido as pessoas na Grã-Bretanha desse tipo de ataque: as ordens de controle.

Penso que é inevitável que nos próximos dias da campanha eleitoral as pessoas procurem saber mais sobre o histórico de segurança do trabalhista Jeremy Corbyn, que já disse se opor a uma política de atirar para matar. Não acho que você vai encontrar alguém em Londres nesta manhã que não tenha ficado grato que a polícia tenha atirado para matar nessas pessoas apenas oito minutos após ser acionada.

Jeremy Corbyn também se gaba do seu relacionamento com o IRA e outros grupos, como o Fatah e o Hamas, que muitas pessoas consideram como terroristas.

No entanto, também vão surgir perguntas sobre a conduta de Theresa May porque seu passado até agora não foi, de forma alguma, colocado em questão.

Como ministra do Interior, May foi responsável por cortes no orçamento da polícia. Por outro lado, os cidadãos geralmente confiam mais nos conservadores do que na esquerda. Qual desses fatores deve influenciar mais no dia das eleições?

Depois do ataque em Manchester, duas semanas atrás, as pessoas sabiam muito bem quais eram os dois espectros da questão. Jeremy Corbyn, que enxerga a questão de um ponto de vista global, disse que a Grã-Bretanha não deveria intervir em guerras no estrangeiro – que devemos promover a paz no mundo em vez de intervir, e que existe um tipo de ligação, uma ligação não especificada, entre o terrorismo islâmico e o tipo de política externa que a Grã-Bretanha teve no passado.

E também temos Theresa May, que tem dito que precisamos fazer mais do mesmo, mas não em uma escala muito dramática.

Estes são argumentos que já eram conhecidos no contexto do ataque terrorista de Manchester. O que tem acontecido é que Jeremy Corbyn está indo bem. Jeremy Corbyn e o Partido Trabalhista estão aumentando seu apoio popular. Já Theresa May vem perdendo apoio.

Mas acho que até quinta-feira, o cenário deve voltar a ser favorável para Theresa May. Ainda que ela tenha cometido erros e que os conservadores também tenham cometido erros, a ideologia do partido conservador nos temas de segurança sempre foi clara e firme, enquanto a ideologia dos trabalhistas sob Corbyn tem sido decididamente pacifica e fraca. Não acho que essa última visão será bem-sucedida na quinta-feira, quando as pessoas finalmente encararem as urnas.

Sempre que ocorre um ataque, vemos a polícia sendo descolocada e líderes estrangeiros expressando sua solidariedade. No entanto, nada muda. Os políticos são impotentes quando se trata de terrorismo?

Não acho que eles são impotentes. Acho que há coisas que eles podem fazer, mas que eles relutam em implantar. Theresa May falou na manhã de domingo sobre a necessidade de reforçar substancialmente os poderes de prisão, os poderes de detenção e os poderes de banimento no Reino Unido.

Dobrar o número de pessoas no MI5, o serviço de segurança da Grã-Bretanha, também é muito importante. Eles dizem que existem no país 23 mil pessoas que querem nos prejudicar. Não podemos lutar contra essas pessoas – e muito menos vencê-las – com o mesmo número de funcionários de quando tínhamos que lidar com apenas algumas centenas ou poucos milhares.

Ainda não temos informações sobre os organizadores do ataque, mas existe a suposição de que estamos lidando com o terrorismo islâmico. O Reino Unido parece ser alvo com relativa frequência. Existe um motivo específico para isso?

Penso que o motivo é porque nos tornamos enfraquecidos como país por uma série de fatores: eleições sucessivas, o referendo escocês, as eleições gerais, o referendo do Brexit e agora as eleições gerais.

Somos um país muito dividido, muito incerto, e nós parecemos vulneráveis. Os jihadistas são como os grandes animais da selva: eles vão para cima daqueles que percebem como fracos, e essa é a posição em que a Grã-Bretanha está agora. Sem dúvida, a questão de Brexit enfraqueceu a Grã-Bretanha porque ninguém sabe o que significa Brexit ou como isso vai acontecer. Ninguém sabe, nem mesmo aqueles que o apoiaram apresentaram uma ideia clara.

Há razões históricas, como a invasão do Iraque – não que tenha sido um ataque ao islã, era um ataque contra Saddam Hussein e suas supostas armas de destruição em massa.

Até agora, as pessoas na Grã-Bretanha têm mostrado comedimento. Você vê alguma possibilidade de isso mudar no futuro?

Os britânicos são mesmo prudentes. O prefeito de Londres disse que "que nós não podemos alterar nosso modo de vida por causa dos terroristas", que isso seria uma vitória para o terrorismo, que nós devemos continuar como temos feito até agora.

Mas a grande questão é: se continuarmos como estamos, o terrorismo vai continuar a aumentar. E não achoa que a população do país vai aceitar isso. Algo precisa mudar agora. Se nada for feito, algumas pessoas podem começar a querer resolver o assunto com suas próprias mãos.

O ex-presidente francês François Hollande ordenou um ataque da sua Força Aérea contra jihadistas em Raqqa três dias depois dos ataques em Paris. Nós não fizemos nada parecido no Reino Unido nem mesmo duas semanas após o atentado em Manchester, que teve crianças como alvo.

É possível que a insatisfação esteja aumentando, que seja o começo de algo novo. Acho que o povo britânico exigirá que as luvas sejam tiradas. Acho que haverá mais ordens de controle, mais banimentos, mais oficiais do MI5 e outras medidas também. O povo britânico não quer continuar como antes.

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