Milícias saquearam lojas e entraram em confronto com as forças de segurança durante a noite na tumultuada região oeste da Venezuela, onde três soldados foram acusados nesta quinta-feira de matar um homem que estava comprando fraldas para seu filho, segundo testemunhas.
Seis semanas de protestos contra o governo resultaram em ao menos 44 mortes, e deixaram centenas de feridos e presos na pior turbulência do mandato de quatro anos do presidente Nicolás Maduro na nação sul-americana membro da Opep.
Manifestantes estão exigindo eleições para derrubar o governo socialista que acusam de destruir a economia e de transformar a Venezuela em uma ditadura. Maduro, de 54 anos, sucessor do falecido líder Hugo Chávez, diz que seus adversários estão tentando realizar um golpe violento.
Um dos principais oponentes de Maduro, o governador local Henrique Capriles, disse na quinta-feira que seu passaporte foi anulado quando ele estava no aeroporto de Caracas prestes a embarcar em uma viagem para denunciar as violações dos direitos humanos nas Nações Unidas em Nova York.
"Meu passaporte é válido até 2020, o que eles querem fazer aqui é evitar que a gente vá para as Nações Unidas", disse ele em um vídeo postado no Twitter. "Não vou poder viajar", acrescentou Capriles.
Embora o governo tenha enviado 2 mil soldados para o Estado de Táchira, na fronteira com a Colômbia, confrontos e saques se espalharam durante a noite, segundo testemunhas.
Forças de segurança usaram gás lacrimogêneo contra grupos que atiravam pedras, enquanto multidões invadiram lojas e escritórios na capital do Estado, San Cristóbal, e outros lugares.
Manuel Castellanos, de 46 anos, foi atingido por um tiro no pescoço na quarta-feira quando se deparou com uma briga enquanto andava para casa após comprar fraldas para seu filho, informaram testemunhas.
Fraldas se tornaram produtos de alto valor na Venezuela devido à ampla escassez de itens domésticos básicos.
Venezuela envia 2 mil soldados para Estado alvo de roubos e protestos
A Venezuela informou estar enviando 2 mil soldados nesta quarta-feira para um Estado fronteiriço que é uma área significativa de radicalismo anti-governo, após uma noite de roubos na qual um jovem de 15 anos morreu, à medida que a agitação política ressoa pelo país.
A maior parte das lojas e empresas em San Cristóbal, capital do Estado de Táchira, na fronteira com a Colômbia, foi fechada e protegida por soldados nesta quarta-feira, embora roubos tenham continuado em setores mais pobres, segundo moradores.
Pessoas fugiram com itens incluindo café, fraldas e óleo de cozinha, em um país onde a brutal crise econômica fez com que alimentos básicos e remédios sumissem das prateleiras.
Barricadas de lixo, pneus de carros e areia foram colocadas nas ruas, à medida que a vida cotidiana parou na cidade que também foi um centro durante a onda de agitações em 2014 contra o presidente Nicolás Maduro.
Centenas de milhares de pessoas foram às ruas na Venezuela desde o início de abril pra exigir eleições, liberdade para ativistas presos, ajuda estrangeira e autonomia para o Legislativo, controlado pela oposição.
O governo de Maduro acusa a oposição de tentar um golpe violento e diz que muitos dos manifestantes não são mais do que “terroristas”. A petroleira estatal PDVSA também culpou bloqueios nas estradas por faltas de gasolina em algumas partes do país nesta quarta-feira.
Em Táchira, o adolescente José Francisco Guerrero foi morto a tiros durante o surto de roubos, disseram seus parentes.
“Minha mãe enviou meu irmão ontem para comprar farinha para a janta e um pouco depois recebemos uma ligação dizendo que ele tinha sido ferido por uma bala”, disse sua irmã Maria Contreras, aguardando que o corpo fosse levado para o necrotério de San Cristóbal.
O escritório do procurador estatal confirmou a morte do jovem, que eleva o número de mortos para ao menos 43.
Judeus do Século 21
Com pressão internacional contra o governo da Venezuela crescendo, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas chamou atenção para a crise do país pela primeira vez nesta quarta-feira.
“O objetivo desta reunião é garantir que todos estejam cientes da situação… não estamos buscando ação do Conselho de Segurança”, disse a embaixadora dos Estados Unidos na ONU, Nikki Haley, a repórteres após a sessão.
“A comunidade internacional precisa dizer ‘respeite os direitos humanos de seu povo ou isto irá em uma direção que vimos muitos outros irem’ … Estivemos neste caminho com a Síria, com a Coreia do Norte, com o Sudão do Sul, com Burundi, com Mianmar”.
O enviado da Venezuela na ONU, Rafael Ramírez, por sua vez acusou os EUA de tentarem derrubar o governo Maduro.
“O envolvimento dos EUA estimula a ação de grupos violentos na Venezuela”, disse, mostrando fotos de vandalismo e violência que disse terem sido causados por apoiadores da oposição.
Venezuelanos morando no exterior, muitos fugidos do caos econômico do país, nas semanas recentes abordaram autoridades estatais em visitas e seus parentes.
Maduro comparou na terça-feira o assédio ao tratamento de judeus sob regime nazista.
“Somos os novos judeus do século 21 que Hitler perseguiu”, disse Maduro durante encontro do seu gabinete. “Nós não carregamos a estrela amarela de Davi… carregamos corações vermelhos que estão repletos de desejo de lutar pela dignidade humana. E iremos derrotá-los, estes nazistas do século 21”.
Os nazistas alemães e seus colaboradores perseguiram e mataram seis milhões de judeus no Holocausto durante as décadas de 1930 e 1940.
As redes sociais espalharam nas semanas recentes vídeos de migrantes venezuelanos em país como Austrália e EUA gritando insultos contra autoridades públicas e em alguns casos membros de seus famílias em espaços públicos.
Críticos de Maduro dizem ser absurdo que autoridades gastem dinheiro com viagens ao exterior quando pessoas estão sofrendo para obter comida e crianças estão morrendo por falta de remédios básicos.
Mas alguns simpatizantes da oposição dizem que tais assédios são a maneira errada de confrontar o governo.