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Nelson Jobim: “Sem paz entre Lula e FHC, podemos ter um ‘Trump caboclo’”

 

GUILHERME EVELIN E MARCELO MOURA


Desde que deixou o governo Dilma Roussef fem 2011, o ex-ministro Nelson Jobim guardou suas opiniões para si. Ele raramente dá entrevistas. Tem motivos para isso. Desde 2016, ele se tornou sócio do banco BTG Pactual, suspeito de receber informações privilegiadas no governo Lula – o banqueiro André Esteves chegou a ser preso por suspeita de obstruir a Justiça. Como advogado, já atuou como consultor informal de Lula e de empreiteiras envolvidas na Operação Lava Jato.

Diante de um público mais restrito, contudo, Jobim sentiu-se à vontade para opinar. Convidado para um debate, na última terça-feira, dia 21, em homenagem ao economista boliviano Enrique García Rodríguez, que está deixando, depois de 25 anos, a presidência do CAF (um banco de desenvolvimento da América Latina), na Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, Jobim bateu nos juízes do Supremo Tribunal Federal, que, segundo eles, pensam mais na própria biografia do que na instituição, disse que é inviável tirar Temer do governo antes das próprias eleições de 2018 e defendeu um mínimo de entendimento nacional, conduzido por Lula e Fernando Henrique Cardoso, a fim de evitar a eleição de “um Trump caboclo”. Atacou também as corporações que “assumiram o controle de vários setores do Brasil e preferem inflação alta e desajuste fiscal para assegurar privilégio”.

Nelson Jobim conhece vários lados do poder. Foi deputado federal constituinte pelo PMDB. No governo Fernando Henrique Cardoso, foi ministro da Justiça e tornou-se ministro do Supremo Tribunal Federal. No governo Lula, foi nomeado ministro da Defesa, com o papel de resolver o caos aéreo. Ali, ganhou pontos com os militares. Foi demitido no governo Dilma Rousseff, em 2011, após dizer que “os idiotas perderam a modéstia”.

Abaixo, os principais trechos do discurso.

O risco de um Trump brasileiro

“Os personagens de oposição e os da situação precisam ter pelo menos um mínimo de entendimento, sem renunciar a suas disputas eleitorais, evidentemente, para assegurar uma eleição em 2018 minimamente razoável. Senão, vamos ter um Trump caboclo. Um Trump caboclo que pode ser tanto da direita como da esquerda.

O grande problema que se enfrenta é que se introduziu dentro do processo político brasileiro algo completamente inusitado ou desconhecido. A intolerância e o ódio, que inviabilizam o diálogo. Em política, não se escolhe o interlocutor. Não se faz política sem considerar o entorno. O entorno é o que está aí, e não aquilo que desejaríamos que fosse. Quer queira, quer não, para construir a tal pinguela, a tal ponte, o diálogo tem de botar na mesa tanto Fernando Henrique como Lula. Se de um lado FHC tem densidade moral, Lula tem densidade eleitoral.”

Reforma da Previdência

“O governo erra quando discute a questão da Previdência Social, começa a fazer conta. Meu caro vice-presidente: não adianta fazer conta. Não. Precisa encontrar o inimigo. O economista Roberto Campos era responsável pelo cálculo das tarifas públicas do governo Jânio Quadros. Certa vez, ele queria expor a necessidade de aumentar o preço da gasolina. Jânio perguntou: quem são os inimigos? Me traga os inimigos. Para você ter apoio popular, você precisa ter um objeto de ódio. O povo não se junta para amar, ele se junta para ter alguém a odiar. Depois, Roberto ligou o rádio e ouviu Jânio atacar duramente os Estados Unidos. Depois de um longo ataque, terminou o discurso dizendo que precisaria aumentar a gasolina por causa dos americanos. O Roberto levou um susto, uma coisa não tinha nada a ver com a outra. Ligou para o embaixador dos Estados Unidos, mas ele respondeu: ‘Não se preocupe, Jânio nos ligou antes’. Vale uma frase do Ulysses que dizia que, em política, até a raiva é combinada. Quem não o fizer, não constrói soluções. O pragmatismo é absolutamente fundamental. Neste caso da Previdência, não adianta fazer a conta de que daqui a 20 ou 30 anos vai quebrar o país. Lá, estaremos todos mortos. Não quero saber disso. É fundamental dizer e mostrar de que a tentativa de reforma da Previdência é para levar à igualdade de todos e reduzir privilégios. Aí você aponta a quem a maioria tem de odiar.”

Judicialização da política

“Todos que foram indicados a membros do Tribunal tinham uma relação direta ou indireta com o presidente que os indicou. A diferença não está na origem da indicação, está na origem da relação. Uns tinham sua relação a partir de sua biografia. Outros só tinham relações. Aqueles que só tinham relações passaram a necessitar do Tribunal par fazer a sua biografia. Ponto. Aí você identifica, digamos, os problemas. Hoje esse estímulo é irreversível, que é o problema da televisão. Quando entrei, em 1997, o relator fazia aquelas chatices dos relatórios do Tribunal e depois votava. Fulano, como vota o ministro fulano? De acordo. Você não ouve mais ‘de acordo’ em hipótese alguma. Você não tem a manifestação do Tribunal, você tem a manifestação dos ministros do Tribunal. Que fazem opiniões sobre política. Que valorizam mais a exposição de uma palestra pública a uma sessão do Tribunal. Matérias acabam não sendo votadas no Tribunal por falta de quórum.”

Lula

[Com]Qualquer tipo de linha de proibição [contra a candidatura de Lula], nós aguçamos a radicalização. Nós podemos impedir, agora, que ele não seja candidato? Por quê? Porque temos medo de que seja eleito? Se nós o proibirmos de ser candidato, estamos fazendo a mesma coisa que fizeram os militares. Contra nós! Nós não gostamos, naquela época.”

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