Carlos César Reis de Oliveira
Historiador Naval – Licenciado em História pela Pontifícia
Universidade Católica do RS – PUCRS (1991). Curso de Estudos de
Política e Estratégia – CEPE – ADESG/RS, em parceria
com a PUCRS (1998). Agraciado com a medalha de
“Amigo da Marinha” (1996).
Ao anúncio da decisão do almirantado em dar baixa ao Navio-Aeródromo “São Paulo” – A12, na terça-feira (14FEV2017), confesso que a informação não me impactou. Não que eu esperasse que isto viesse a ocorrer neste momento. Mas, sim, pelo próprio histórico das atividades desenvolvidas junto ao navio, nos últimos anos. E que foi caracterizada, principalmente, pela inatividade; e pela incapacidade da marinha de guerra de pô-lo em operação plena, como ocorreu logo que o mesmo foi incorporado à Marinha do Brasil. (Ver Nota MB – Desativação NAe A12 São Paulo Link)
Pensando sobre o assunto, recuperei vários fragmentos da história do NAe “São Paulo”. Que para mim começou quando ele chegou, pela primeira vez, no porto da cidade de Rio Grande. Nesta oportunidade, estava embarcado num helicóptero Esquilo do 5º. Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral – HU-5, com sede na ilha do Terrapleno, em Rio Grande. E me recordo que havia, por parte dos pilotos, a expectativa na localização do navio.
Sua presença fora da barra do Rio Grande já era sabida, mas a localização exata ainda era uma incógnita. Esta dúvida, logo deixou de existir. Bastou a aeronave levantar voo e se dirigir rumo ao mar, para que o NAe “São Paulo” fosse avistado. Um navio grande, com silhueta relativamente baixa. E que perto dos demais navios mercantes, principalmente os porta contêineres, acabava ficando relativamente pequeno.
Durante sua permanência em Rio Grande, o navio despertou o interesse de milhares de visitantes. Gerando, nos dias em que esteve aberto à visitação pública, uma fila quilométrica. Que saia da beira do cais e chegava próximo a entrada da Estação Naval, base de apoio dos navios da Marinha.
Diferentemente do dia de sua chegada. A partida do NAe “São Paulo”, rumo a Argentina, ocorreu num dia nublado. O destino do “São Paulo” era o litoral argentino. Onde o mesmo iria participar de uma operação conjunto com a marinha daquele país (Operação TEMPEREX 2002).
E que tinha como principal acontecimento as operações de pouso, decolagem e toque e arremetida com as aeronaves da aviação naval argentina (Grumman Tracker e os Super Etendard). Este tipo de manobra é essencial para validar a licença de piloto naval. E havia anos que isto era feito com o apoio do Navio-Aeródromo Ligeiro “Minas Gerais” (A 11).
Sempre no espírito da cooperação e amizade entre os dois países. E que se enquadra no processo de distensão das tensões históricas existentes entre os países. No qual por meio da cooperação e aproximação das forças militares se buscava construir um espírito de confiança mútua.
As operações realizadas no NAeL “Minas Gerais” eram só de toque e arremetida, sem pouso e decolagem de aeronaves. Tendo em vista que haviam limitações para o lançamento de aeronaves. Principalmente os Super Etendard, de fabricação francesa. Devido a necessidade de regular a potência da catapulta conforme o peso de cada modelo de aeronave.
E que, num caso marcante: uma das aeronaves Super Etendard, ao realizar a manobra de toque e arremetida acabou por ficar presa a um dos cabos de “catrapo” do NAeL “Minas Gerais”. Obrigando-o a desembarcá-la diretamente num dos portos argentinos. Fato que ocorreu com o içamento da mesma por um guindaste.
As manobras navais conjuntas foram um sucesso. Sendo que após o seu término o NAe “São Paulo” retornou a Rio Grande antes de seguir sua viagem rumo ao Rio de Janeiro. Na época este fato chamou a atenção. Pois era de se esperar que o navio atracasse em um porto argentino.
Perdeu-se a chance de se fazer o que só os navios de guerra podem fazer, que é a divulgação e projeção do poder naval e geopolítico de um país, junto a outros países. Quando seus meios visitam os portos das outras nações. Como isto não ocorreu, o que temos, passados todos estes anos, é que as viagens e a vida operativa do NAe “São Paulo” resumiu-se a atracar apenas em portos brasileiros.
Desta viagem um fato relevante dizia respeito à integração entre os militares de ambas as armadas, nas operações de convés de voo (convoo). A velocidade em que os brasileiros e argentinos operavam eram diferente. Os argentinos, que tinham mais experiência com aeronaves de asa fixa, queriam ser mais rápidos, e isto acarretava um tempo maior de lançamento de cada aeronave sua.
Já que os brasileiros estavam mais preocupados com a segurança da operação. Ao final, comparado o tempo de uma equipe para a outra, os lançamentos brasileiros acabavam sendo mais rápidos do que os realizados pelos argentinos.
O segundo contato que tive com o NAe “São Paulo”, ocorreu por ocasião do meu embarque nele. O relato desta experiência faz parte dos textos divulgados pelo site DefesaNet.(Links abaixo). No período em que estive embarcado, pude rever vários amigos e conhecidos. Eram oficiais e praças que eu havia conhecido ao longo dos anos. E que haviam servido na área do 5º. Distrito Naval, ou estavam abordo de algum navio que visitou a cidade de Porto Alegre.
Nesta ocasião, pude ver o esforço que a Marinha do Brasil estava realizando no sentido de garantir a boa operação do navio. Que envolvia não só uma grandeza física, já que este era o maior navio operado pela nossa marinha; mas também pela complexidade das operações ali realizadas.
Que aparentemente eram semelhantes às que eram executadas no antigo NAeL A-11 “Minas Gerais”. Mas que, no entanto o navio era outro e tinha concepções de construção naval diferentes do padrão anglo-saxão adotado até então pela Marinha do Brasil. E conhecê-lo exigia tempo, vivência e muito exercício.
Não é por nada que a chegada do NAe “São Paulo” coincidiu com a baixa progressiva dos velhos Navios Transporte de Tropas “Soares Dutra” e “Custódio de Melo”. Estes navios possuíam praças formados em caldeiras. Uma especialização cuja demanda era grande no novo navio-aeródromo.
E estes praças foram deslocados para assumir as vagas que o novo navio da nossa marinha exigia. Na época eu recebi um relato de um marinheiro que havia optado por deixar a marinha. Devido ao fato do mesmo ter sido designado para fazer o curso de especialização em caldeiras, quando na verdade esta especialização não o atraia.
Para avaliar a magnitude e grandeza da nova realidade imposta pelo NAe A-12 “São Paulo” foi solicitado a informação dentre os oficiais, que compunham a tripulação, eram ex-comandantes e ex-imediatos. Desejava comprovar algo que eu estava vendo, de fato, na realidade do navio. Que era a presença de vários oficiais que já tinham ocupado os postos de comandante, imediatos e chefes de máquinas. Oficiais e praças com experiência comprovada.
E que ali estavam agregando o seu conhecimento, no sucesso operacional do navio. Esta operação, esta realidade, não eram visíveis ao grande público. Que sabe que cada navio possui apenas um comandante. A própria saída do navio para uma operação, reunia vários almirantes que acompanhavam, com muito interesse, as operações das áreas onde eles estavam diretamente ligados.
Possibilitando a troca de experiências, conhecimentos e ideias. Lamentavelmente esta informação nunca foi fornecida. Talveze por que ela era considerada uma informação classificada, ou ser considerada sem relevância pelo serviço de relações públicas do próprio navio.
Outro fato relevante da incorporação do NAe “São Paulo”, diz respeito a nova realidade que ele acabou por impor à esquadra. O NAeL A-11 “Minas Gerais” era um projeto antigo (ex- HMS Vengeance – Classe Colossus), da Segunda Guerra Mundial, ainda muito influenciado pelas necessidades e pela limitação tecnológica do período. Com o passar do tempo, o “L” de “LIGEIRO” ficou apenas como uma referência à classificação original do navio. Na verdade, ele era um navio lento, muito lento (máx 25 nós).
E os navios que serviam de escolta para ele, embora fossem mais modernos e possuíssem tecnologia mais avançada. Tinham de navegar a uma velocidade reduzida, para acompanhá-lo e garantir a sua escolta de segurança.
Com o NAe A-12 “São Paulo” a realidade era outra. O navio era veloz. E quando se preparava para lançar suas aeronaves, desenvolvia uma velocidade ainda maior (podia alcançar + 30 nós). Fato que em pouco tempo foi sentida pelos navios de escoltas. Que acostumados a navegar a baixa velocidade agora eram exigidos a mudarem sua postura. E até as máquinas assimilarem esta mudança no padrão de funcionamento, muito se teve de fazer e resolver.
Mas a incorporação do NAe “São Paulo” se enquadra num contexto complexo e que tem de ser visto num período de tempo maior. Que inclui o final da década de 1990 e que persiste até os dias de hoje. E que é ditado pela perda de recursos financeiros, por parte das Forças Armadas do Brasil. Esta perda de recursos, e também o desvio dos recursos constitucionais da exploração dos recursos do mar (em especial petróleo), exigiu, por um lado, a baixa de diversos meios.
Muitos deles foram navios de pequeno porte. Mas que possuíam uma missão ou função muito bem definida e significativa. Os meios de maior porte como os contra-torpedeiros da classe Pará, foram navios cuja vida-útil em nossa esquadra foi relativamente pequena. E cuja aquisição nada nos custou, tendo em vista que foram recebidos por meio de leasing a custo zero do governo norte-americano.
Por outro lado, a referida perda de meios (navios) foi compensada com compras de ocasião. No qual se inclui, e é digno de destaque, as próprias aeronaves Skyhawk A-4 (20 A-4KU e 3TA-4-KU), vindas do Kuwait e o NAe “São Paulo” adquirido à Marine Nationale (França) . Mas o fôlego financeiro era curto. Por maior e melhor boa vontade e interesse dos franceses.
Diversos equipamentos que estavam embarcados no “Foch” não foram incluídos na compra. Seu custo final inviabilizaria a compra. E o que se queria, era garantir um casco em boas condições de uso e operativo. Outro fato que reforça esta realidade é que o desdobramento da aviação de asa fixa, com a compra e a operação de novas aeronaves.
Capazes de realizar missões de transporte, vigilância e reabastecimento nunca se concretizaram. A própria segurança física do navio contra ameaças aéreas foi melhorada de forma muito singela.
Temos de dizer, que se as verbas foram poucas. E isto prejudicou o desenvolvimento do grande projeto que envolvia a aquisição do NAe “São Paulo”. A causa da sua baixa também tem relação com um fator interno. E que diz respeito a própria política desenvolvida pela força naval brasileira.
Que prioriza o complexo Programa Nuclear da Marinha (PNM), o Programa de Obtenção do Submarino (PROSUB) e a construção de um complexo industrial para produção de 4 submarinos convencionais classe Scorpene e um com propulsão nuclear.
Drenando para este projeto um volume significativo de recursos financeiros. Com os royaltes da extração do petróleo, que tornaram-se miragem, e a crise financeira pós 2008, exauriram os recursos ao extremo, prejudicando os demais setores que a compõem a Força Naval.
Diante disso é pertinente um questionamento sobre algo que liga os Projetos PROSUB e PNM, e a viabilização da operacionalidade de um navio-aeródromo. No caso do NAe “São Paulo” os problemas não resolvidos, diziam respeito ao sistema de catapulta do navio, caldeiras de propulsão e geração de vapor. Sistemas de catapultas (CATOBAR – Catapult Assisted Take-Off But Arrested Recovery), como é do conhecimento geral, funcionam ainda por meio de um sistema de vapor a alta pressão.
O sistema de catapultas eletromagnética (EMALS) estará disponível só na futura geração de porta-aviões da US Navy Classe Gerald Ford ou dos misteriosos chineses. Considerando que o problema não foi solucionado, ou no mínimo equacionado de forma satisfatória no NAe “São Paulo”.
E que em um submarino nuclear, um sistema de alta pressão é essencial para garantir a sua propulsão. Como será possível obtermos sucesso neste segundo projeto, se naquele, que era mais simples e menos perigoso, nós não conseguimos um resultado mínimo e satisfatório?
Creio que o adeus ao NAe “São Paulo” seja o encerramento de mais um capítulo da nossa história naval. Sem, contudo represente o encerramento deste tema tão importante para a nossa Marinha de Guerra.
O fim das operações do NAe São Paulo deixa em aberto uma série de questões, tecnológicas como já vimos, porém outras complexas no âmbito operacional.
Qual o destino do Esquadrão de Aviões de Interceptação e Ataque (VF-1), criado por Portaria Ministerial nº 256, de 2 de outubro de 1998? E o próprio futuro da aviação de Asa Fixa na MB.
Criado através do Decreto 2538/98 (08ABR1998), dispõe sobre os meios aéreos da Marinha e dá outras providências.
Tem o seu primeiro artigo redigido de forma elucidativa:
Art 1º A Marinha disporá de aviões e helicópteros destinados ao guarnecimento dos navios de superfície e de helicópteros de emprego geral, todos orgânicos e por ela operados, necessários ao cumprimento de sua destinação constitucional.
Qual o futuro da modernização das 12 aeronaves AF-1 Falcão? Previsão operacional até os fins da década de 20, quando deveria ser dado baixa, originalmente, ou 2035 se fosse aprovada a modernização do o NAe São Paulo.
Outro projeto abatido em plena decolagem é o Sea Gripen, cujo desenvolvimento seria financiado pelos acordos de contrapartidas comerciais do Caça Gripen adquirido pela FAB.
E qual o futuro de projeção de poder do Brasil na sua área de influência, o Atlântico Sul?
Encerra-se um capítulo da História Naval Brasileira. Mas será de forma definitiva? Por envolver recursos públicos e por dizer respeito à Segurança Nacional acompanharemos o desenrolar.
Dados do Navio-Aeródromo A-12 São Paulo Batimento de Quilha: 15 de fevereiro de 1957 Lançamento: 28 de julho de 1960 Incorporação (Marine Nationale): 15 de julho de 1963 Baixa (Marine Nationale): 15 de novembro de 2000 Incorporação (Marinha do Brasil): 15 de novembro de 2000 Deslocamento: 27.307 ton (padrão), 32.780 (carregado) Dimensões: 265 m de comprimento, 51.20 m (convôo) ou 31.72 (casco) de boca e 8.60 m de calado. Propulsão: Vapor; 6 caldeiras La Valle de 45 kg/cm2 a 450º C, 4 turbinas a vapor Parsons gerando 126.000 shp, acopladas a 2 eixos. Energia Elétrica: 2 turboalternadores de 2.000 Kw e 6 geradores diesel de 2.000 Kw. Velocidade: máxima de 32 nós. Raio de Ação: 7.500 milhas náuticas à 18 nós ou 4.800mn à 24 nós; e 60 dias de autonomia. |
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Belo vídeo de jornalistas holandeses mostrando o NAe São Paulo na Operação TEMPEREX 2002.