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A modernização do P-3
Cosme Degenar Drumond
degenardrumond@gmail.com
Historicamente, a Marinha foi a primeira instituição militar brasileira a usar o avião em missões de patrulha marítima, desde 1916, quando a aviação naval foi criada. Ao final da Primeira Guerra Mundial seus pilotos ajudaram os ingleses a patrulhar o Canal da Mancha, voando aviões Sopwith Camel da Royal Air Force (RAF). Contudo, essa característica naval desapareceu com a fusão das aviações da Marinha e do Exército que originou o nascimento da Força Aérea Brasileira (FAB), em 1941. Por lei, a nova instituição ficou com a exclusividade da operação de aeronaves militares e passou a realizar, inclusive, as missões de patrulhamento marítimo e anti-submarino. Na Segunda Guerra Mundial, seus aviões atacaram e afundaram submarinos alemães que navegavam na costa brasileira, abatendo navios mercantes.
A Marinha jamais aceitou o fato de haver perdido a atividade aérea, sobretudo, por considerar que os aviões e helicópteros são vetores fundamentais de apoio às operações navais. Além disso, por ter uma imensa costa para patrulhar, considerava legítimo reaver a aviação para otimizar sua missão, a exemplo das demais Esquadras, mundo afora. O governo federal achou justa a pretensão naval e assessorado pelo Ministério da Aeronáutica permitiu a ela operar apenas helicópteros.
A Armada continuou pleiteando a aviação convencional e em 1958 recebeu por decisão presidencial um porta-aviões de segunda-mão, adquirido na Inglaterra – o Minas Gerais. A Aeronáutica acatou a decisão, mas não abriu mão da prerrogativa da FAB de ser a única instituição militar a operar aviões de asa fixa no País. Mas como justificar a compra do Minas e o seu próprio emprego sem aviões para rechear o navio? Na tentativa de resolver o impasse, a Marinha adquiriu por conta própria um punhado de aeronaves embarcadas, composto de aviões norte-americanos e suíços, de ataque ao solo e ligação e observação, respectivamente.
Quando as aeronaves chegaram ao Brasil, a Aeronáutica manifestou-se contrária à operação desses aviões pela Marinha. Foram três anos de difícil entendimento. Em 1965, o presidente da República decidiu a pendenga em favor do Ministério da Aeronáutica e os aviões foram incorporados a FAB. Solucionada a situação, estudos de adequabilidade do Minas levaram à inclusão da FAB como componente do porta-aviões. Aviões de patrulha P-16 Tracker foram adquiridos para operar no navio, tripulados por pilotos da FAB. Mais tarde a missão de patrulha foi desmembrada da função anti-submarino por ser esta considerada uma operação estanque pela doutrina da época.
No mesmo período, uma nova aeronave projetada para a patrulha marítima já voava na Marinha dos Estados Unidos – o P-3 "Orion", criado para substituir o Lockheed P-2VE-5 "Neptune", inclusive nas Armadas que utilizavam o antigo patrulheiro. A FAB, que também operava o Neptune desde 1959, não seguiu a nova opção e decidiu adotar, como solução econômica, um equipamento de fabricação nacional, o Bandeirante Patrulha FAB P-95, apelidado de Bandeirulha, uma versão adaptada para o ambiente marítimo. Nos anos 80, a Armada Argentina adotou o Electra, modificado para uso naval, e na década seguinte a Marinha do Chile optava pelo P-3.
Um dos antigos pilotos da aviação embarcada, chamados de "cardeais", diz que as operações da aviação embarcada eram complexas, uma situação híbrida que causou contratempos, principalmente administrativos. Os aviadores eram da FAB e se reportavam ao comandante da base aérea flutuante. Houve casos de pilotos que presidiram inquéritos no navio sobre fatos da aviação embarcada como qualquer outro oficial da Marinha. Com a degradação da missão anti-submarino, no final dos anos 80 o Ministério da Aeronáutica decidiu retirar o P-16 do navio, sustentando que o avião estava velho e comprometido para operar embarcado. "Foi uma opção de iniciativa da FAB", diz o ex-piloto da embarcada.
Na opinião de um ex-chefe do Estado-Maior da Armada, hoje na reserva, as relações entre as duas Forças, nesse campo, eram salutares, de muito profissionalismo e competência de ambas as partes. Segundo ele, os pilotos do GAE (Grupo de Aviação Embarcada) eram bons na arte de voar sobre o mar. "Eu me recordo de um caso apenas em que um piloto foi chamado à atenção, por ter pousado no Minas empunhando uma bandeira do Flamengo do lado de fora da janela do avião, uma brincadeira dele para gozar os vascaínos do Minas", conta o almirante. Para ele, a retirada do P-16 do navio se deu por falta dinheiro para repor os aviões. "Os ministros Mauro Gandra e Lélio Lôbo notificaram a Marinha, por ofício, da decisão de retirar os aviões do navio".
Durante um longo tempo, o porta-aviões navegou como porta-helicópteros, mantendo, contudo, sua catapulta. No início do primeiro governo FHC (1994-1998), a Marinha readquiriu a capacidade de possuir e voar aeronaves de asa fixa (Decreto Presidencial Nº 2538, de 8 de abril de 1998), e comprou no Kuwait jatos de combate A-4 Skyhawk. Em seguida, adquiriu da Armada francesa um porta-aviões usado, o São Paulo (ex-Foch). O presidente convenceu o Ministério da Aeronáutica a aceitar a situação e prometeu fornecer novos meios para a FAB. A Marinha concretizou assim sua antiga aspiração e um dia, quem sabe, poderá operar sua própria aviação de patrulha. "A Marinha tem consciência de que a FAB tem um papel aero-estratégico de maior importância", diz o almirante da reserva, "mas ela sabe também que precisa ter uma aeronave AEW", complementa.
A aviação de patrulha está defasada e diferente do modelo praticado anos atrás. Além disso, com a lacuna que se verificou desde a desativação do Neptune, para retomar essa atividade os pilotos terão de se engajar em um novo processo de aprendizado para cumprir com eficácia a missão, já que "todo o conhecimento do passado foi perdido". Adicionalmente, a FAB não tem avião anti-superfície (o P-95 faz esclarecimento marítimo), a aviação de caça não usa armamento de emprego naval e nem há mais tática e técnica para ela se envolver com a patrulha. "Lamentavelmente, esta é a realidade de hoje, e a introdução do P-3 seria o mesmo que se começar uma faculdade de medicina pelo quinto ano do curso", diz o ex-cardeal.
FIO DA MEADA
O Comando da Aeronáutica está determinado a reativar a aviação de patrulha marítima e combate anti-submarino (ASW), baseada em terra, em grande parte desativada com a retirada de serviço do Neptune. Em 1996 foi lançado o Plano Fênix, um programa que visava recompletar as necessidades materiais da FAB. Dois anos depois, o então vice-chefe do Estado-Maior da Aeronáutica, major-brigadeiro Frederico de Queiroz Veiga, em entrevista à Tecnologia & Defesa, falou da missão anti-submarino: "também consideramos urgente a necessidade do avião anti-submarino, e aí a vantagem seria o Orion, que está disponível".
Para se entender melhor o interesse do Estado-Maior da Aeronáutica pelo Orion é preciso voltar ao final dos anos 80. Quando a Aeronáutica chegou à conclusão de que o Tracker estava velho para o seu sistema de missão e a disponibilidade dos aviões se achava baixa, foi planejada uma tentativa de modernizar o P-16. O programa foi separado em duas fases distintas, conduzidas paralelamente: a modernização estrutural e de motor, e a modernização eletrônica. Lançado o RFP, dos concorrentes que se apresentaram dispostos a fazer a tarefa estrutural e de motor, o vencedor foi uma empresa do Canadá, a IMP. Para trabalhar na atualização eletrônica, a escolhida foi a francesa Thomson-CSF, associada com a Embraer.
Os dois programas se desenvolveram entre os anos de 1991 e 1993, com a modernização do motor saindo na frente. Numa certa etapa do processo, o empreendimento fracassou por colapso total da modernização do motor; a empresa canadense escolhera um tipo de motor Pratt & whitney para o P-16, que não foi qualificado no Minas, porque apresentava problemas de aceleração para arremetida, de resistência estrutural própria (num primeiro pouso defletiu o berço), de resistência de eixo de hélice, e de geração de energia incompatível com a necessidade dos novos sistemas eletrônicos. A conclusão final foi de que o motor tinha sido selecionado de forma equivocada.
Quase no mesmo período, a Marinha Argentina também decidiu reformar seu P-16, cujo programa de modernização se desenvolveu melhor do que o congênere brasileiro, com a seleção de outro tipo de motor, de uma empresa norte-americana chamada Marsh. O processo argentino foi concluído de acordo com o planejado. Ainda hoje o P-16 argentino está voando, e chegou a ser operado no porta-aviões 25 de Mayo, e no Minas Gerais e no São Paulo, em operações conjuntas com a Marinha do Brasil. Em grande parte, o segredo do sucesso do programa argentino deveu-se ao fato de a empresa contratada ter escolhido um motor adequado e compatível com a aviação embarcada. "Estivemos com o Minas no litoral argentino, acompanhado de dois contratorpedeiros nossos, para os testes de pouso e arremetida do P-16 da Armada Argentina. Certa vez, eles pousaram até um Super Etendard no nosso navio", lembra o almirante da reserva.
Por lei, a FAB tinha que operar o P-16 junto à Marinha. Bem ou mal, ela cumpriu esse papel, mas abandonou o produto. Quando o programa de modernização do P-16 deu errado, devido à escolha equivocada do motor, ao invés de se buscar outra opção de motor, a Aeronáutica resolveu arcar com o prejuízo financeiro e cancelou o processo. O Estado-Maior da Aeronáutica e o Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento (DEPED), que acompanharam o processo deixado de lado, concluíram que a FAB precisava ter uma nova aeronave de patrulha marítima e a necessidade foi incluída no Plano Fênix. Ao escrever o requisito de uma aeronave de patrulha que pudesse servir também como vetor anti-submarino, na visão do Estado-Maior da Aeronáutica ela deveria economizar meios e compartilhar da plataforma prevista para o CL-X, outro ponto espelhado no Plano. Assim nasceu o programa CL-X/P-X, que tencionava comprar de três a quatro dezenas de aeronaves, com seis ou oito delas para patrulha marítima e anti-submarino.
A idéia de compartilhar plataforma era procedente. O próprio brigadeiro Veiga, um dos artífices do Plano Fênix, falou sobre isto na entrevista à Tecnologia & Defesa, exibindo uma visão pragmática ao observar que é no equipamento que estava o principal "calcanhar de Aquiles" da FAB, tanto em qualidade quanto em quantidade. Dizia ele: "a aviação constitui uma atividade muito cara, aqui e em qualquer parte do mundo. A diversificação da quantidade de tipos de aeronaves existente hoje na FAB (35 modelos e versões diferentes), é um problema que afeta a sua operacionalidade".
O brigadeiro estava correto. Realmente, tal situação encarece e dificulta a manutenção e também exige um enorme estoque de sobressalentes, além de procedimentos específicos. A meta do Estado-Maior da Aeronáutica, portanto, seria reduzir para 13 as versões básicas usadas pela FAB, inclusive com a aquisição dos chamados multifuncionais.
Na parte de transporte tático estavam em cogitação as plataformas CASA 235 (Espanha) e Alenia C-27J (Itália). A Aeronáutica desejava ter um avião devidamente adequado e que pudesse servir também para cumprir a missão de patrulha marítima, embora com fortes limitações de operação, já que nenhum deles era um equipamento originalmente desenvolvido para a missão de patrulha. Mas o argumento se auto-sustentava – a frota única beneficiaria aspectos logísticos e reduziria custos. O requisito operacional para as aeronaves de patrulha e anti-submarino previa um desempenho e uma capacidade operacional não muito diferente da executada pelo P-16. O objetivo era usar o avião em missão anti-submarino, entre 200 a 300 milhas da costa, em apoio às operações navais. Caso a Marinha tivesse que se afastar mais do continente, ela usaria seus próprios meios anti-submarino – os helicópteros embarcados (em meados dos anos 90, era essa a tendência das operações de patrulha de aeronaves baseadas em terra).
Porém, fatores diversos, principalmente orçamentários, atropelaram tais objetivos e o Plano Fênix sofreu modificações. Já em 1996, um dos primeiros idealizadores desse planejamento, o tenente-brigadeiro Sérgio Ferolla, deixou a chefia do Estado-Maior da Aeronáutica para assumir uma vaga de ministro no Superior Tribunal Militar (STM). Com sua saída e as alterações do Fênix, o conceito do velho patrulheiro P-3 ganhou força no Estado-Maior da Aeronáutica. Os requisitos iniciais, que tinham sido escritos para uma aeronave menor, de menor capacidade e voltada para o ambiente das 200 milhas, foram influenciados no sentido de que as missões fossem desempenhadas em mar aberto, alteração que não foi discutida com a Marinha.
Em 1999 os Requisitos Operacionais Preliminares (ROP) do Plano Fênix evoluíram para o ciclo de aquisições. O ROP é o instrumento que orienta a missão a ser cumprida e projeta o ambiente de meios em que a missão precisa se desenvolver. Basicamente é isso. E deveria sinalizar para o mercado que a Aeronáutica estava em busca de uma aeronave para cumprir certas funções e que tivesse a capacidade operacional voltada para os seus objetivos. Porém, o requisito para o avião de patrulha especificou que a FAB precisava de uma aeronave "quadrimotor, turboélice, com baía de armamentos". No mercado mundial só existem dois aviões quadrimotores, dotados com baía de armamentos: o russo Ilyushin 18 (que Rússia e Índia operam), e o P-3 Orion. O ROP não levou em conta o Nimrod inglês, o Atlantic francês ou qualquer alternativa de aeronave.
TRAJETÓRIA DO ORION
O Lockheed P-3 é uma aeronave derivada do Electra. Desenvolvido nos anos 50, foram produzidos três modelos – as versões A, B e C. O primeiro modelo (P-3A) não voou por muito tempo, e logo foi substituído pela versão seguinte. As experiências operacionais com a primeira versão mostraram que o avião precisava aumentar de peso e receber motores mais potentes. Surgiu então o P-3B com maior potencialidade. A Marinha americana quis um modelo melhor, mais avançado. A Lockheed Martin criou então o P-3C, uma versão atualizada dotada com maiores capacidades a bordo.
No período da Guerra Fria, o mundo equipou-se com aeronaves anti-submarino e os P-3A e P-3B foram exportados. Quando surgiu o último modelo, muitos dos países que operavam, e alguns ainda operam as duas primeiras versões, mudaram de equipamento, adquirindo o P-3C. Muitos modelos A e B foram desativados e guardados no deserto do Arizona, juntos a outros aviões das forças armadas norte-americanas. Muitos Orion, de modelos A e B, receberam modernização eletrônica e contínuos trabalhos de atualização e expansão de vida estrutural. Mas operam no limite.
Quando optou pelo P-3, a Aeronáutica também considerou que os EUA não concordariam em vender para o Brasil a última versão do avião. Só em casos excepcionais a Casa Branca liberava a venda da última versão do patrulheiro. No início da década de 90, a Lockheed produziu um pequeno lote do avião, oito exemplares apenas, para atender uma decisão nesse sentido, havida entre os governos da Coréia do Sul e dos Estados Unidos. Mas existiam dezenas dos modelos anteriores no deserto do Arizona, e a Aeronáutica achou que o P-3A poderia ser reformado para voar na FAB; em fins de 1999, início de 2000, foram compradas 12 unidades do modelo P-3A.
Em termos de preço, foi um excelente negócio, algo em torno dos US$ 7 milhões pelo lote. Mas o custo de modernização das aeronaves poderá não ser tão barato assim. Como são "velhas carcaças", como o brigadeiro Sergio Ferolla classificou-as em entrevista à imprensa, o trabalho de recuperação será caro e demorado. Sem levar em conta a arquitetura aviônica e demais acessórios, será preciso retirar toda a corrosão das aeronaves, trocar os painéis de asa e os motores, mudar o trem de pouso e introduzir reforços estruturais para se atingir o mesmo peso do P-3C, pois em caso contrário a aeronave vai operar limitadamente, como operava quarenta anos atrás. Nos planos da Aeronáutica, dos 12 P-3A adquiridos nem todos serão modernizados; alguns serão preservados como estão, para servir de fonte de suprimento de peças estruturais para os reformados.
No passado, a própria Lockheed Martin realizou trabalhos de modernização de Orion. A partir de um certo momento, porém, quando se viu sobrecarregada para produzir o P-3C, uma empresa do grupo Raytheon Integration Systems, do Texas, a E-Systems, envolveu-se com upgrade de P-3 até recentemente, quando foi adquirida pela L3 COM, outra empresa norte-americana. A Lockheed e a L3 COM são as empresas que detém os dados proprietários do P-3, a primeira por ser a fabricante original do avião e a outra por ter se envolvido com atualização da aeronave, a pedido da US Navy, e pagou para ter acesso aos dados do avião.
O trabalho de modernização do P-3A é tão complexo e dispendioso que essas duas empresas não se entusiasmaram com a licitação aberta pelo Comando da Aeronáutica. Na verdade, foram convidadas várias empresas para fazer a recuperação da estrutura, motores, cabos de comando, enfim, colocar o avião em condição de vôo, inclusive o sistema de missão. O problema é que não será apenas retirar a poeira, cobras, escorpiões, aranhas e insetos de dentro do avião. Antes de tudo, será preciso fazer uma análise profunda da estrutura das aeronaves. Se os aviões já eram limitados estruturalmente quando pararam de voar, imagine depois de anos largados ao tempo, sofrendo a degradação das intempéries. Vida nova para os aviões é possível de se dar. Mas a que custo? E que garantias a FAB terá em relação às estruturas das aeronaves, que já têm mais de quarenta anos?
Para o processo de licitação, foram convidadas a Boeing, a L3 COM e a Lockheed Martin (EUA), IAI (Israel), British Aerospace Systems (Inglaterra), Thales (França), Alenia (Itália), CASA (Espanha), OGMA (Portugal), e outras. Quase todas desistiram do processo quando se certificaram do orçamento que teriam para o trabalho – US$ 330 milhões. Numa primeira avaliação, as empresas fizeram suas contas e concluíram que o orçamento oferecido não daria para se cumprir a plenitude do requisito. "Seria muito trabalho para pouco dinheiro, devido ao estado dos aviões", diz o representante de uma delas, com escritório no Rio.
Restaram a Lockheed Martin, a EADS CASA e a ALENIA, esta associada a uma empresa da Nova Zelândia. A CASA venceu a concorrência. Trata-se de uma indústria com uma história salientada na produção de aeronaves e com larga experiência no mercado internacional. Ela conhece bem a área de reforma e manutenção de aviões, e inclusive já fez trabalhos em P-3, seguindo os procedimentos ditados pela US Navy ou pela Lockheed Martin. No entanto, para reformar o P-3A sua engenharia terá que fazer um grande esforço para cumprir o requisito. Recentemente, a EADS CASA divulgou um boletim em que menciona a entrega de um P-3 espanhol, modernizado nas suas instalações. Mas entre os modelos a diferença é enorme; o P-3 que ela modernizou estava em operação regular de vôo e entrou em oficina para receber um novo sistema de missão. Não era um avião guardado no deserto, nem estava deteriorado pelo tempo.
A Lockheed Martin se interessou pelo programa brasileiro depois de apostar que o orçamento para a modernização do P-3A seria aumentado, e até incentivou o Comando da Aeronáutica nessa direção. Por ocasião da elaboração dos requisitos, deu sugestões abalizadas sobre o P-3; afinal, é uma aeronave gerada nas suas entranhas. Mas nem tudo o que foi sugerido foi absorvido, principalmente na parte de estrutura do avião, o que pode ser observado por especialista que examinar o requisito.
Seja como for, no final do ano passado o governo FHC anunciou a empresa vencedora da licitação P-3BR. O novo governo, ao tomar posse suspendeu o processo. Após a visita do presidente Lula à Espanha, o programa foi retomado. O contrato está sendo discutido para assinatura. Algumas coisas, no entanto, não estão definidas, como a compra dos dados proprietários do avião. Tanto a Lockheed Martin como a L3 COM não repassam os dados. Resta aguardar para ver como fica. "Estamos próximos de um final feliz", foi o que disse o representante da empresa espanhola, ao ser consultado para esta matéria.
VIDA EM FADIGA
Dois anos atrás, a Marinha americana lançou o programa MMA – Multi Mission Maritime Aircraft, que visa substituir o P-3C. O novo programa foi baseado na atual quantidade de P-3C em operação, cuja parada definitiva deverá se iniciar em 2012. No passado, a US Navy pensou em aposentar o Orion, mas desistiu dessa idéia e reformou os aviões, que são os seus modelos atuais, cerca de 250 aeronaves. O MMA previu uma produção inicial de 150 aviões, mas este número foi diminuído para 100 unidades, depois que a US Navy considerou que os novos aviões serão mais eficientes do que o Orion modernizado. O programa MMA está previsto entrar em produção por volta de 2015; o último P-3C deixará de voar nos EUA em 2017.
No final de outubro passado saiu o Request For Proposal (RFP) do MMA. Concorrem a Boeing, com um modelo do Boeing 737-800/700, e a Lockheed Martin, com um projeto novo de P-3, com motores e asas novos, o que o mercado já chama de "Petresaço", e que deverá custar ao redor de US$ 100 milhões a unidade. Três bilhões de dólares deverão ser gastos para desenvolver os aviões.
O Orion tem apresentado problemas estruturais resultantes de sua idade avançada e uso prolongado. A Marinha dos EUA adotou um programa de testes para determinar que modificações ele deveria receber para permitir sua utilização por alguns anos a mais, enquanto a aeronave do MMA não fica pronta. Concebido em 1998, o programa de testes é denominado SLAP (Service Life Assessment Program), conduzido pela Lockheed Martin e pela L3 COM. Entre 2001 e 2003, a Lockheed Martin pegou um P-3, encheu-o com instrumentos de ensaios e realizou uma bateria de testes para reavaliar a aeronave, que colocada no laboratório manteve sua estrutura original, mas recebeu uma asa direita totalmente nova para fins de comparação de resultados.
Os primeiros testes revelaram resultados negativos: o nível de corrosão da estrutura (devido à prolongada operação em ambiente marítimo) revelou-se muito maior do que o esperado e ocorreram falhas estruturais na empenagem horizontal (cauda), de forma inesperada e prematura, e na estrutura da asa original, muito antes do tempo previsto. A conclusão preliminar é a de que a frota de P-3 deve permanecer em operação por um tempo menor que o esperado.
A aeronave testada, do tipo P-3C, foi produzida nos anos 70. Já o modelo P-3A nasceu entre 1964-1965 e se encontra desativado desde 1982, estacionado no deserto. Das 12 "carcaças" que adquiriu, a Aeronáutica espera poder recuperar entre 6 a 8 aeronaves que estejam em melhores condições; as restantes serão usadas para a retirada de peças e partes não mais fabricadas. O P-3A foi fabricado com liga de alumínio menos resistente à corrosão que os materiais usados no P-3C. A conseqüência natural indica que o P-3A poderá sofrer problemas mais graves do que os apresentados pelo P-3C. Fontes do mercado dizem que uma frota reformada de P-3A, após sua entrada em serviço, somente poderá voar por cerca de 5-6 anos, tendo então que passar por reforma estrutural cara e complexa ou ser desativada. "Isto sem se considerar o fator de segurança de vôo, cujo risco existe em aeronaves com idade muito avançada", acentua uma fonte da indústria.
Durante um seminário internacional de vigilância marítima, ocorrido em Londres, em novembro de 2002, a Lockheed Martin divulgou os resultados dos ensaios do SLAP. Ao tomar conhecimento do relatório, o Comando da Aeronáutica consultou a US Navy, que confirmou a ocorrência das falhas verificadas nas asas e na cauda do Orion. Proximamente, a US Navy deverá emitir boletim para os operadores de P-3, de qualquer modelo, recomendando a troca o mais imediatamente possível das asas e da cauda do avião. Segundo avaliação no mercado, o custo para essa troca será de cerca de US$ 30 milhões por aeronave.
O Comando da Aeronáutica sempre foi muito capaz ao elaborar os planos de aquisição material e escrever os requisitos operacionais da FAB. Porém, em razão da problemática burocracia brasileira, onde os processos são lentos e complexos e normalmente sofrem influências de todo o tipo, de capacidade orçamentária, principalmente (basta verificar o longo tempo dos projetos), neste caso específico fatores novos e inusitados parecem conspirar contra a pretensão da FAB.
O Tenente-Brigadeiro Sergio Xavier Ferolla, que no dia 11 de janeiro de 2004, por imposição legal, estará deixando o serviço ativo da Aeronáutica, após mais de meio século envergando a farda da Força Aérea, considera o projeto de modernização do P-3 uma péssima opção pela FAB. "A aeronave é obsoleta, problemática e dispendiosa. Se o projeto vier a ser concretizado, estaremos mais uma vez desprezando a engenharia nacional e garantindo empregos no exterior", disse o ministro do STM.
No dia 11 de novembro, em Porto Alegre (RS), nas instalações da Aeromot, durante a cerimônia de entrega da aeronave "GURI" para o Departamento de Aviação Civil (DAC), o Tenente-Brigadeiro Luiz Carlos da Silva Bueno declarou para DefesaNet que o contrato para a modernização do P-3 está andando bem, "praticamente pronto para a assinatura final". O Comandante da Aeronáutica disse ainda que "os juros que estão sendo aplicados no contrato são muito menos do que os previstos".
Seja como for, é recomendável ter muita calma nesta hora e tomar precauções no sentido de evitar que no futuro alguma surpresa possa incomodar quem nada teve a ver com as decisões atuais.
Nota do Autor:
– Durante a realização da presente matéria, fontes consultadas (oficiais da ativa e da reserva da Marinha do Brasil e da Força Aérea Brasileira, e profissionais do mercado civil) mencionaram decisões e posicionamentos do Comando da Aeronáutica, Marinha do Brasil, Ministério da Defesa e EADS CASA sobre o tema abordado. Com o objetivo de retratar o assunto com transparência, clareza e abrangência, nos dias 4 e 10 de novembro foram enviadas às instituições citadas mensagens pedindo maiores informações e esclarecimentos sobre determinados pontos da matéria.
Até o momento em que a presente reportagem entrou no ar (21/11), os resultados deste esforço foram os seguintes:
– No dia 4 de novembro, o representante da EADS CASA no Brasil informou que considerando "o status das negociações com a FAB, muito próximas de um final feliz no que se refere às discussões contratuais", ele lamentava não poder acrescentar à reportagem nenhuma informação neste momento, em virtude de postura adotada pela empresa quanto a pronunciamentos na imprensa. Em sua mensagem, o autor solicitara esclarecimentos referentes à obtenção ou não dos dados proprietários do P-3, pertencentes à Lockheed Martin e à L3 COM, pedindo ainda informações sobre o andamento do processo de modernização da aeronave.
– No dia 14 de novembro, o Centro de Comunicação Social da Aeronáutica (CECOMSAER) respondeu as informações solicitadas: motivação para modernizar os P-3A; responsabilidade pela operação de patrulha marítima no Brasil; sobre as falhas ocorridas com as asas e cauda do P-3C; e, andamento do processo de modernização. (ver link a respeito).
- A Assessoria de Imprensa do Ministério da Defesa comunicou que a solicitação dirigida ao MD, sobre a legislação pertinente ao assunto, tinha sido retransmitida ao Serviço de Relações-Públicas da Marinha (SRPM), que por sua vez não atendeu o pedido do autor, nem respondeu a questão que lhe fora encaminhada por e-mail, sobre a legitimidade da operação de patrulha marítima, tendo informado apenas, por telefone, que as respostas estavam sendo providenciadas. Na manhã do dia 21 de novembro, o SRPM foi informado, por telefone, de que a matéria entraria no ar no final da tarde. Ainda assim, a Marinha não se manifestou sobre o assunto em pauta.
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