Editorial Estadão
Enquanto a situação continua a se deteriorar no Espírito Santo, em razão da greve da Polícia Militar (PM) – que acaba de receber a adesão da Polícia Civil – já estão claros dois pontos importantes. A ajuda que as Forças Armadas e a Força Nacional de Segurança pode dar, nesses casos, é limitada, estando longe das expectativas nelas depositadas. E deve-se evitar também, daqui para a frente, que a insatisfação dos policiais com seus salários, em geral reconhecidamente baixos, leve à repetição de tais crises.
A presença de 1 mil homens das Forças Armadas e 200 da Força Nacional no patrulhamento das ruas em várias cidades, especialmente na capital, Vitória, produziu um efeito menor do que o esperado e desejado. Houve uma pequena redução do número de homicídios, desde a chegada desse efetivo, mas o total continua muito elevado: 95 até quarta-feira, o quinto dia da greve. A tensão ainda é grande nas principais cidades. (Nota DefesaNet: esse número de mortes é informado pelo sindicato da polícia, assim não é oficial e sim estimado por um grupo em greve, talvez, buscando inflar as estatiticas como forma de pressão ao governo e com intenção de terrorismo)
Em Vitória, o transporte público continua precário, o mesmo acontecendo com outros serviços, como os de saúde e educação. A maioria dos comerciantes resiste a abrir suas lojas, pois em apenas quatro dias de greve da PM 270 lojas foram saqueadas e a Federação do Comércio avalia o prejuízo do setor, até agora, em R$ 110 milhões.
Mensagens compartilhadas nas rede sociais, mostrando assaltos à luz do dia, fazem a maior parte da população ficar em casa. Uma parcela, mais revoltada, saiu às ruas para protestar contra a greve e quase entrou em conflito com os familiares dos policiais que cercam o quartel central da PM para “impedir” sua saída.
E a adesão de grande parte dos policiais civis à greve da PM tende a agravar ainda mais a situação, como teme a população, caso as negociações do governo com os policiais militares demorem a produzir resultado.
A simples comparação dos números dos policiais militares parados – a maioria dos 9.382 que constituem o total do efetivo – e o dos militares e agentes enviados pelo governo federal (1.200) mostra que não se poderia mesmo esperar outra coisa.
Nesse e em outros casos – cada vez mais frequentes – em que essas forças intervêm, elas cumprem um papel complementar, ficando o principal para os polícias locais. Essa é a sua função. Além disso, deve-se considerar que os efetivos das Forças Armadas empregados nessas missões de natureza policial não estão adequadamente preparados para elas, porque essa não é sua missão precípua.
É uma situação excepcional e como tal tem de ser encarada. Não se deve criar expectativas indevidas com relação aos militares, como vem ocorrendo com a população que, em desespero com a crise da segurança pública, vê nas Forças Armadas uma tábua de salvação.
Com relação à Força Nacional, seus homens são de fato apropriados para tais missões, porque recrutados dos quadros das policiais estaduais, mas sabidamente em número muito abaixo do que a situação exige.
O papel principal na manutenção da segurança pública, mesmo em situação de crise, será sempre, como é natural, das Polícias Militar e Civil locais. Por isso, e para evitar que episódios graves como esse do Espírito Santo se repitam, é imperioso que os governos estaduais cuidem melhor do problema salarial dessas corporações.
Embora nada justifique a greve da PM capixaba – movimento ilegal e irresponsável, que deixa a população à mercê dos bandidos –, é inegável que sua queixa sobre os baixos salários procede. Depois que os policiais militares voltarem ao trabalho, essa questão precisa ser resolvida.
O mesmo devem fazer os governos da maioria dos outros Estados, onde o problema não é diferente, antes que a crise se espalhe, com os riscos facilmente imagináveis.
Esse caso chama a atenção para um problema da maior importância, que cedo ou tarde terá de ser enfrentado: a distribuição flagrantemente desigual dos recursos destinados ao pagamento do funcionalismo público, que sobram para a elite dos servidores dos três Poderes e falta para os de setores vitais como segurança pública, saúde e educação, notoriamente mal pagos.