ISABELA PALHARES
O dia de Guilherme Dias, de 15 anos, começa como o da maioria dos meninos de sua idade. Ele acorda cedo, se troca, toma café da manhã e vai estudar. A diferença é que Guilherme não vai para a escola. Estuda em casa. Quando tinha 9 anos, os pais do garoto, insatisfeitos com o modelo escolar, decidiram que ele receberia a educação domiciliar – ou homeschooling, como é conhecida em outros países. No entanto, a prática não é legalizada no Brasil. A opção pela educação em casa, que até poucos anos atrás se restringia a algumas famílias, tem ganhado adeptos.
Com grupos nas redes sociais, as famílias têm difundido o homeschooling, aconselhado outros pais, promovido encontros entre as crianças e compartilhado materiais didáticos. A Associação Nacional de Educação Domiciliar (ANED) fez uma pesquisa e identificou que neste ano 3,2 mil famílias já aderiram ao modelo, atendendo cerca de 6 mil crianças. O dobro do que registrou no ano anterior.
A ANED afirma que o número é ainda maior, já que muitas famílias não divulgam que optaram por educar seus filhos em casa por medo de serem denunciadas. No Brasil, os casos de criança fora da escola são ilegais. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) determina que é obrigatória a todas as crianças de 4 a 17 anos a frequência uma instituição de ensino.
Caso não tomem iniciativas para matricular os filhos e garantir a frequência escolar, os pais podem ser denunciados por abandono intelectual. Procurado, o Ministério da Educação destacou que a proposta do ensino domiciliar “não apresenta amparo legal”, ferindo ainda o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – que determina que os pais têm a obrigação de matricular seus filhos na rede regular de ensino – e a Constituição.
Segundo a ANED, tramitam no Judiciário ao menos 18 processos do tipo. O debate chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) após os pais de uma menina de 11 anos entrarem com um mandado de segurança contra ato da Secretaria de Educação de Canela (RS), que negou pedido para que ela fosse educada em casa.
A análise da ação foi suspensa em 2015, quando o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, reconheceu o caráter constitucional do tema e sua repercussão geral – com este instrumento jurídico, Barroso definiu que o órgão analisará o mérito da questão e a decisão resultante será aplicada posteriormente pelas instâncias inferiores em casos idênticos.
Não há prazo para que os ministros decidam a questão. “Muitos países liberam a educação domiciliar (veja ao lado), mas aqui no Brasil a legislação nos trata como pais negligentes porque não queremos que nossos filhos estudem em escolas despreparadas, que não dão a atenção devida às crianças”, disse Ricardo Dias, presidente da ANED e pai de Guilherme e Lorena, que hoje têm 19 anos.
Eles estudavam na rede pública e os pais estavam insatisfeitos com as greves e o comportamento dos alunos, que consideravam desrespeitoso aos professores e desinteressado. Foi quando a filha pediu para sair da escola que eles decidiram por educar os dois em casa. Dias disse que ele e a mulher montaram um programa de estudos, com material didático e o currículo seguido pelas escolas.
Ele também os matriculou em atividades extras, como música, dança, luta e inglês. “Muitas vezes nos acusam de colocar os filhos numa bolha e não nos importarmos com a interação social. Na verdade, queremos uma socialização real, com adultos e crianças de várias idades”, disse. Guilherme conta que estuda sozinho o conteúdo que os pais indicam para cada dia e tem a ajuda de uma professora particular para Matemática, disciplina que tem um pouco de dificuldade.
“Começo de manhã e paro no fim da tarde. Estudo duas ou três matérias por dia, mas quando gosto de um conteúdo fico o dia todo nele. É uma liberdade que não teria na escola.” Ele diz gostar de fazer simulados do ENEM e outros vestibulares para testar seus conhecimentos e assistir aulas de cursinhos pré-vestibulares pela internet. “Não sinto falta da escola, mas às vezes dos colegas, apesar de nos falarmos pelas redes sociais e nos vermos nos fins de semana.”
Decisão. Além dos que defendem que a escola regular tem deficiência, outros optam pela educação domiciliar por questões morais e religiosas. É o caso de Luiz Carlos Farias da Silva, professor do departamento de Educação da Universidade Estadual de Maringá (UEM), que tomou a decisão em 2008, quando os filhos tinham 7 e 8 anos.
“Somos católicos e mesmo na escola confessional a educação não estava em consonância com nossos valores.” O caso chegou a ser judicializado, mas a família conseguiu a liberação para a educação domiciliar. Para evitar as denúncias, as famílias e a ANED defendem que o homeschooling seja legalizado no País. Desde 2008, cinco projetos foram apresentados na Câmara – três foram arquivados e outros dois estão parados.