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Base de Tifariti: Lições do deserto

Ten Jussara Peccini

Literalmente no meio do deserto. Não há nada além de areia a menos de 250 quilômetros em qualquer direção. “Água, alimentos, combustível… Precisávamos de reabastecimento para tudo. É como se estivéssemos em Marte.”, compara o Major Intendente Adriano Maia Ribeiro de Azevedo sobre a logística semanal para abastecimento do team site Tifariti, uma das nove bases da missão da Organização das Nações Unidas (ONU) para referendo no Saara Ocidental. O oficial brasileiro comandou a base no continente africano entre 2014 e 2015.

“O deserto é impressionante! A área é gigante e por vezes andamos mais de 100 km sem ter nenhuma habitação, o que existe são alguns nômades do lado leste que criam camelos”, relata o Major de Infantaria Alex Mendes, que está trabalhando desde maio deste ano no team site de Mijek, mais ao sul.

Os dois militares integram o grupo de 17 oficiais que a Força Aérea Brasileira já enviou para a região desde 2008 para desempenhar a função de observador militar com objetivo de garantir o cessar-fogo no território do Saara Ocidental. A duração da missão de cada um deles é de um ano. “É um território, não é um país. Está sob os auspícios da ONU para se definir quem seria o povo soberano sobre aquela área”, detalha o Major Adriano.

Em 1991, após assinatura de cessar-fogo, a ONU criou a missão com o objetivo de realizar um referendo na região. Em seis meses, o povo decidiria de quem seria autonomia sobre a região de 266 mil km2, disputada entre o Marrocos e a Frente Polisario (acrônimo para Frente Popular de Liberación de Saguía el Hamra y Río de Oro), incluindo o povo Saharaui. O entrave é que, até hoje, 25 anos depois, não se decidiu quem estaria habilitado a votar. “Nunca houve um consenso entre as duas partes do conflito sobre quem votaria e até como seria feito o referendo”, explica o Major Adriano.

O Saara Ocidental está dividido por um muro de areia, chamado de ‘berma’, mas ambos os lados mantêm características da herança colonial. Um deles está sob o domínio do Marrocos, onde se fala o árabe e o francês. O outro, da Frente Polisario, onde predomina o árabe e o espanhol, tem poucos habitantes, em sua maioria nômades que seguem para a região durante o inverno – período chuvoso. 

Neste momento, o Brasil conta com dez oficiais na missão, sendo dois da FAB, dois da Marinha e seis do Exército Brasileiro. Está sob a responsabilidade do grupo que trabalha em cada team site, em torno de 15 profissionais de diferentes nacionalidades, realizar a atividade fim da missão: buscar a manutenção da paz. O observador militar verifica se os acordos estão sendo cumpridos por ambas as partes, realiza patrulhas terrestres e aéreas na região e reporta qualquer tipo de violação e incidente à ONU em Nova York, por meio do quartel general da missão. 

Em uma dessas patrulhas, em 2015, o Major Adriano encontrou cinco refugiados sírios, um casal, dois filhos – com idades entre dois e três anos – e um homem em meio a buffer strip, uma zona de transição entre os dois lados do conflito. “Era verão, eles estavam no meio da terra, debaixo de sol, em uma área altamente minada, sem alimentação, sem nada”, relata. Os sírios queriam entrar no Marrocos. Haviam sido largados no deserto por “coiotes”, onde a temperatura facilmente chega aos 45° C.

“Minha principal missão foi tentar convencê-los a voltar para o lado Polisario e ir para um campo de refugiados na Mauritânia”, conta o oficial brasileiro que interpelou a advogados da ONU para acelerar o amparo ao grupo que ficou cerca de dez dias nessas condições. Eles sobreviveram com a ajuda dos militares do team site que providenciaram comida, água , chapéus e materiais para eles se protegerem do sol. “Foi o fato que mais me tocou”, diz.

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