Entrevista Exclusiva concedida ao
Editor-Chefe DefesaNet
Após a apresentação da aeronave cargueira multimissão KC-390 no Farnborough International Airshow, em julho, seguida por um Demo Tour em países parceiros e potenciais clientes, DefesaNet entrevista o Diretor do Programa pela EMBRAER Defesa & Segurança, Paulo Gastão da Silva.
O atual estágio do Programa KC-390 e os resultados da campanha de testes são comentados. Leia a íntegra da entrevista.
DefesaNet: Como foi o Demo Tour que incluiu participação no Farnborough International Airshow (julho 2016) ?
Paulo Gastão: Tivemos 100% de disponibilidade do avião. No total, foram 48h de voo completando mais de 30 mil quilômetros voados (apenas em voos de deslocamento), em 23 dias. Isso tudo sem nenhum problema. Em Farnborough, o KC-390 atraiu muita atenção. Muitas delegações oficiais, potenciais operadores no futuro, nos visitaram e conheceram o avião. O retorno que tivemos sempre foi muito positivo. Nas avaliações, a mesma coisa: o pessoal que voa o avião sai muito satisfeito. Já passamos de 650h (Novembro 2016), em voo acumuladas com os dois protótipos. Adquirimos uma grande confiança. Estamos com um dos protótipos fazendo os ensaios de “Flutter” (vibração) e, na sequência, teremos os ensaios de alta velocidade – aquelas atividades que vão além da velocidade máxima normal de operação.
Cobrimos integralmente o envelope de voo do avião, as configurações, as margens de estol, funcionamento de trem de pouso, corte e reacendimento de motor, da APU. Em junho, fizemos uma grande campanha de lançamentos, tanto de paraquedistas quanto de carga, em Campo Grande, MS. A campanha, junto com a Força Aérea e o Exército, foi muito boa e estamos recebendo deles um apoio espetacular. Com tudo isso, alcançamos excelentes resultados.
Primeiro pouso do KC-390 na República Tcheca. Visita ao país-parceiro
dentro do Demo Tour.
DefesaNet: As capacidades de cargas estimadas permanecem ou foram alteradas?
Paulo Gastão: A especificação está mantida. Os limites de cargas continuam os mesmos: 26 toneladas, carga máxima, concentrada e 24 distribuída. (Ver Tabela de Dados)
Especificações e Performance
Carga Máxima (Concentrada) | 26.000 kg |
Carga Máxima (Distribuida) | 23.000 kg |
Velocidade de Cruzeiro Máx | 470 KTAS / Mach 0.80 |
Teto Operacional | +- 12.000m (36000 ft) |
Autonomia com 23 t | 2.736 km (1,520 nm) |
Translado | 5.950 (3,310 nm) |
DefesaNet: A aeronave que está em testes estruturais também tem mostrado um bom resultado?
Paulo Gastão: Estamos começando agora e fizemos o primeiro pré-carregamento nos últimos dias. Isso quer dizer que estamos com tudo montado, o sistema de atuação para a aplicação de cargas, toda a instrumentação, os milhares de parâmetros, que temos para o ensaio estão sendo registrados. Começamos a fazer alguns carregamentos ainda de valor mais baixo para verificar o funcionamento disso tudo e fazer ajustes. São alguns ciclos de pré-carregamento e de testes neste início. Na sequência, estaremos rodando os ensaios completos da estrutura.
DefesaNet: Há 2 aeronaves voando, mais esse avião estrutural e tem mais 2 outros sendo produzido. É isso?
Paulo Gastão: São 2 protótipos de voos e 2 que são chamados de corpos de prova (ensaios estruturais): um para ensaios estáticos, que já está no hangar, e o segundo que é para o ensaio de fadiga. Este está sendo produzido e vai entrar no mesmo hangar quando o teste estático terminar. Ainda não é possível vê-lo em Gavião Peixoto, porque não está neste estágio de montagem, mas já começamos a produção do número de série 003, que é o primeiro avião de série da FAB.
DefesaNet: Há previsão de quando ele entra na linha de montagem?
Paulo Gastão: Dentro de aproximadamente um ano. Não tenho exatamente a data, mas ele sairá da linha de produção no início de 2018.
DefesaNet: As aeronaves foram testadas em todo o envelope e agora estão testando em velocidade. Como foi o desempenho durante o voo, o consumo, a performance, isso tudo está sendo confirmado nos testes?
Paulo Gastão: Até aqui, sim. Tudo o que fizemos tem confirmado os nossos modelos. Ainda há, naturalmente, muita coisa para fazer. Agora, estamos começando os voos usados para a certificação. Nós temos todos os processos de certificação de todos os sistemas para serem realizados.
DefesaNet: Já começou o processo de certificação ou estão preparando os voos para essa etapa?
Paulo Gastão: O processo de certificação começa lá atrás. Estamos falando dos ensaios em voo, mas há muitas etapas dos processos de certificação realizadas. As autoridades certificadoras – no nosso caso são duas: a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), certificando o avião básico, e o IFI (Instituto de Fomento e Coordenação Industrial – FAB), a partir do trabalho da ANAC, complementando para tudo que é militar – sistemas e operações militares – e dando a certificação final. Esses dois processos de certificação estão em andamento há bastante tempo.
Começamos a fazer as demonstrações em voo e, daqui para frente, teremos uma concentração forte para a certificação. É uma mistura de voos de desenvolvimento e de certificação, pois o voo de desenvolvimento é válido para a certificação, porque olhamos a campanha como um todo. Faz-se uma aproximação progressiva para as coisas e vamos amadurecendo. Algumas etapas dependem da autoridade certificadora voar o avião. Outras não. Esse conjunto todo é que representa a campanha. No final, a campanha, que tem 2 mil horas de voos de ensaio, tem o desenvolvimento e a certificação de modo integrado.
EMBRAER recebe Certificado de Tipo Provisório para o
O trabalho conjunto das equipes da EMBRAER e do IFI tem se mostrado de grande valia para seu maior entrosamento, assim como para o aperfeiçoamento e a validação dos processos e procedimentos do programa, com vistas à declaração de atingimento da capacidade operacional inicial (IOC), no segundo semestre de 2017, e à certificação da capacidade operacional final (FOC), no segundo semestre de 2018. Desde o início da campanha de testes em voo, em 26 de outubro de 2015, os protótipos do KC-390 têm apresentado uma alta taxa de disponibilidade, acumulando um número sem precedentes de horas de voo para o programa, com mais de 650 horas de voo acumuladas no início de novembro. |
DefesaNet: A EMBRAER fez uma decisão arrojada em conceber os sistemas de controle de voo, os painéis da cabine do KC-390 são de primeiríssima geração. Como tem sido a integração e performance do Fly by Wire na aeronave, com os demais sistemas, que inclui vários processos bastante sofisticados na aeronave?
Paulo Gastão: A integração está excelente. Esta é uma das maiores satisfações que estamos tendo, porque tomamos uma decisão arrojada: no KC-390, foi a primeira vez que fizemos toda a integração dos comandos de voo com o nosso time na EMBRAER. Escrevemos o software de comandos de voo e foi uma decisão acertada. Temos uma agilidade muito grande para fazer qualquer ajuste, na configuração do sistema para a campanha de ensaios, pois às vezes precisamos reconfigurar a aeronave de um voo para outro, e os resultados são excelentes. Todos que pilotam o avião saem encantados. Está tudo se comportando como prevíamos, como simulamos. Está muito bom de voar.
DefesaNet: Como o piloto sente a aeronave? Quais são as principais características de performance em voo para o piloto?
Paulo Gastão: A grande vantagem no KC-390 é permitir que a tripulação se concentre na missão. Ela não deve ter uma carga de trabalho excessiva ou uma necessidade de atenção extrema em voar a plataforma, em ficar controlando os seus limites. A tripulação precisa se concentrar na missão, que é a função básica do avião. Então, tudo que fazemos é para que a tripulação possa voar de modo a tirar do avião tudo o que ele pode dar.
O sistema faz automaticamente as proteções de envelope. São facilidades para que a tripulação tire da máquina tudo que ela é capaz de oferecer. Neste ponto de vista, ele é um avião fácil de voar como se fosse um avião comercial ou um jato executivo, de última geração. Havíamos terminado recentemente os Legacy 500 e 450, que também são aviões fáceis de voar. Do ponto de vista do voo, da plataforma básica, é uma coisa bem semelhante, tem mais ou menos a mesma filosofia de otimizar a operação do avião e facilitar a vida da tripulação.
Quando você vai para os aspectos de missão, para o emprego operacional do avião, aí você usa toda essa capacidade para cumprir da melhor maneira a missão. Pode-se adaptar a resposta do avião às necessidades de cada missão. Com esse aspecto da proteção do envelope, o piloto pode, sempre nos limites, tirar o máximo da aeronave sem a preocupação de exceder um limite de fator de carga, um limite de velocidade ou de “estolar” a aeronave. O sistema garante que isso não aconteça na operação normal da aeronave, de modo que o piloto consiga se concentrar na missão.
Sobre qualidade de voo, fizemos testes em ambientes bastante desafiadores como calor e perfil de voo de baixa altitude. Os pilotos testaram os limites do avião e o avião se comportou extremamente bem. Recentemente, houve o sobrevoo, na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, na comemoração do dia da Independência. As próprias aeronaves da FAB que acompanharam o KC-390, os caças (F-5EM), se posicionaram na posição de pré-contato para o reabastecimento. Não aconteceu nenhum problema para voar ali, nenhuma interferência da aerodinâmica, nada. Foi excelente.
O cargueiro KC-390 Multimissão ladeado por dois caças F-5 sobrevoou Brasília, abrindo as solenidades de 7 de Setembro. Foto – FAB
Para a frente, vamos continuar os ensaios, com foco crescente na certificação. Faremos daqui a pouco uma campanha fora do Brasil, de demonstração de vento cruzado. O ano que vem devemos levar o avião para os Estados Unidos, para as campanhas de gelo natural, em voo, e na câmara climática em Eglin (Flórida). São ensaios que sempre fazemos lá. Além disso, se der tudo certo, estaremos com o avião em Le Bourget, em junho de 2017. Naturalmente, devemos visitar mais alguns clientes potenciais, aproveitando que o avião está em campanha de ensaios.
DefesaNet: Vocês já fizeram testes em ambiente quente, gelo programado para o ano que vem. E pousos e decolagem em grandes altitudes?
Paulo Gastão: Está mais para a frente, costumamos fazer isso em cidades como La Paz, ou outras com características parecidas. Acho que esse ensaio ocorrerá só em 2018.
DefesaNet: A decisão de levar o KC-390 a Farnborough foi um desafio. Como tudo no projeto tem sido. Qual a sua impressão, como Diretor do Programa, de como o KC-390 foi percebido, tanto pela mídia, como concorrência?
Paulo Gastão: Não costumamos conversar com a concorrência, mas fazemos avaliações. A mídia respondeu muito bem, muitos jornalistas na coletiva de imprensa. Dos clientes, recebemos mais de 20 delegações. A concorrência é de peso, por isso fazemos avaliações e dá para perceber que a competição vai ficar mais dura. Quando você acompanha a reação da concorrência, a conclusão é que ela entendeu que é pra valer, que não vai ser fácil para ninguém. Isso nos faz lembrar que também não vai ser fácil para nós.
DefesaNet: Como está a organização industrial do KC-390? E como isto está sendo viabilizado? Já estão em produção as partes iniciais do primeiro avião de série, o KC-390 003. Como está esta relação com a Argentina, República Tcheca e Portugal?
Paulo Gastão: Está indo muito bem. Todos estão fazendo a sua parte corretamente, as coisas estão chegando, estão montando. Esse começo é difícil para todos. Para nós e para eles há muitos ajustes. A transição do avião protótipo para avião em série requer alguns ajustes, mas tudo está acontecendo dentro do processo normal.
DefesaNet: Estão sendo mantidos os prazos de entrega?
Paulo Gastão: Sim. Essa fase é sempre bastante agitada porque nós temos que sair do zero e colocar uma linha para rodar. Atrasamos um pouco devido a alguns problemas com o orçamento. O começo é mais sofrido, porque tem todos os ajustes de processo para serem feitos. Mas nada que não seja normal para esta fase, que nós não estivéssemos prevendo e nos preparando para absorver.
DefesaNet: Poderia se dizer que a EMBRAER continua procurando nichos de mercado civil para atuar?
Paulo Gastão: Não é que nós continuamos procurando, vamos colocar de outra forma. Sempre me perguntam: vai ter uma versão civil do KC-390? A possibilidade existe e foi contemplada nos nossos estudos desde o início. Hoje, no estágio que o programa está, estamos naturalmente explorando melhor essas oportunidades. Atualmente acredito com muito mais força que nós vamos ter uma versão civil do KC-390 e que esta versão vai atender a uma necessidade clara do mercado pelas próximas décadas. É fácil? Está pronto? Não. Tem muito trabalho para fazer e temos uma concorrência forte.
DefesaNet: E o acordo com a Boeing? Como está a questão comercial e de projeto?
Paulo Gastão: O acordo que temos em vigor com a Boeing contempla o seguinte aspecto: trabalhamos juntos na busca de oportunidades e a Boeing entra no suporte pós-vendas do KC-390. Além disso, temos mantido uma troca de informações técnicas que foi importante na fase de desenvolvimento, na validação de algumas de nossas soluções. Nós iniciamos e continuamos um trabalho integrado de análise de mercado e de identificação de oportunidades, mas o principal é no suporte pós-vendas do KC-390.
DefesaNet: Para finalizar, solicitamos uma mensagem do Diretor do Programa, que lidera desde o primeiro passo nas diversas opções, até chegar ao atual estágio do KC-390.
Paulo Gastão: Não poderia ser outra mensagem que não seja satisfação e otimismo. Satisfação por estar vendo bons resultados em tudo o que nós estamos fazendo nesses anos e otimismo de que nós temos um excelente avião em mãos e devemos conseguir uma boa inserção no mercado, nos próximos anos. Agora, é colher os frutos que plantamos e ver que tudo o que construímos está valendo a pena.
Video da EMBRAER Defesa & Segurança mostrando as etapas da
campanha de testes do KC-390.
Nota Hangouts |
DefesaNet em parceria com o jornal O Globo realizou dois hangouts em Junho de 2014.
Os links das transcrições e dos vídeos seguem:
KC-390 E O SALTO QUALITATIVO DA INDÚSTRIA AERONÁUTICA BRASILEIRA – Participação FAB I
a – Transcrição Link
b – Vídeo Link
KC-390 E O SALTO QUALITATIVO DA INDÚSTRIA AERONÁUTICA BRASILEIRA – Participação EMBRAER Defesa & Segurança II
a – Transcrição Link
b – Video Link
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DefesaNet tem acompanhado o desenvolvimento do Programa KC-390 desde o seu início.
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