O Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB) traz benefícios relevantes para o Brasil. Além de dar ao País capacitação em projeto e construção de submarino à propulsão nuclear, proporcionando independência tecnológica, resultará em maior proteção para a Amazônia Azul e suas riquezas. Para isso, no entanto, é fundamental a continuidade dos investimentos públicos, sobretudo em formação e capacitação de capital humano, e a garantia da transferência de tecnologia.
Há mais de 30 anos, a Marinha do Brasil (MB) está engajada no desenvolvimento de um programa nuclear (Programa Nuclear da Marinha – PNM), que, lamentavelmente, sofreu recorrentes contingenciamentos de recursos a partir de 1987, o que prejudicou não apenas o PNM como, também, a então base industrial que nascia com o programa (em torno de 60 indústrias/empresas), algumas reduziram drasticamente seu pessoal e outras simplesmente fecharam suas portas. Os cortes orçamentários atingiram duramente o segmento de defesa. Ao contrário de outros empreendimentos, a MB passou a direcionar 50% do seu orçamento total ao Programa, a fim de manter sua preservação integral e as expertises até então conquistadas.
Em 2007, essa situação começou a mudar. O então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, acompanhado do presidente da FIESP, Paulo Skaf e do Diretor Titular do COMDEFESA, Jairo Cândido, visitou o Centro Experimental em ARAMAR, onde pelos benefícios estratégicos e tecnológicos que o programa proporcionaria ao País, Lula anunciou a liberação de um orçamento adicional de R$80 milhões para a conclusão do projeto – somado aos R$50 milhões provenientes da Força – totalizando R$130 milhões anuais durante 8 anos.
A iniciativa está em consonância com a Estratégia Nacional de Defesa (END, criada em dezembro de 2008), que, entre outras medidas, destaca a necessidade do aumento de investimentos e a busca de parcerias necessárias à aquisição e capacitação do País em projeto e fabricação de submarinos convencionais e de propulsão nuclear1.
No final de 2008, o Brasil assinou um acordo com a França para a construção de quatro submarinos convencionais da classe Scorpène, a cooperação no projeto do submarino nuclear brasileiro com transferência de tecnologia para a construção do casco e a construção de um estaleiro e de uma base naval de submarinos. Desde então, iniciou-se o PROSUB e o PNM avançou. Porém, algumas questões ainda devem ser priorizadas.
O acordo franco-brasileiro prevê apenas a transferência de tecnologia para o submarino convencional (incluindo o casco, periscópios, sistemas de combate e de comunicações, testes dos hélices em laboratórios especializados, etc).
Mesmo faltando à MB o conhecimento de ponta na parte crítica de soldagem do casco, ela tornou-se detentora do domínio do ciclo completo do combustível nuclear com a finalização da construção da Usina de Hexafluoreto de Urânio (USEXA), e avança cada vez mais no desenvolvimento do reator nuclear. O Scorpène é um projeto de submarino com propulsão convencional desenvolvido com base nos avanços tecnológicos do submarino nuclear francês SSBN Le Triomphant e deverá ser o patamar tecnológico para transição do submarino nuclear brasileiro.
Não se sabe, contudo, se essa lacuna específica sobre soldagem do casco está contemplada no acordo de cooperação assinado com a França. Outra questão refere-se à capacitação da indústria brasileira, de forma a atender às futuras necessidades de modernização e manutenção dos submarinos, tanto o convencional quanto o nuclear.
A frota de submarinos franceses inclui vários tipos de navios de combate, barcos de patrulha, um porta-aviões nuclear e dez submarinos nucleares (quatro estratégicos da classe SSBN, capazes de lançar mísseis balísticos intercontinentais, e seis outros táticos da classe SSN)2. Por trás dessa importância e expressividade, uma indústria naval pujante e moderna garante a operacionalidade dos meios. Parte da expertise francesa nesse campo deve ser absorvida pela indústria brasileira, por meio de parcerias, joint-ventures e acordos comerciais bilaterais.
A adaptação do modelo convencional da classe Scorpène implicará na possibilidade de nacionalização de aproximados 36.000 itens produzidos por mais de 30 empresas brasileiras. Na Armada do Chile um mesmo submarino possui cerca de 30.000 diferentes itens aplicados, que necessitam de desempenho bastante rigoroso para que este possa se manter em operação.
Colocando em perspectiva, corremos o risco, assim como o Chile, de dependermos consideravelmente de fabricantes estrangeiros, caso o contrato não tenha uma previsão consistente da transferência da documentação técnica e da tecnologia empregados.
É fundamental dirimir dúvidas sobre a forma da cooperação francesa no SN-BR, inserir a indústria brasileira na participação das etapas de negociação de transferência de tecnologia, manter o investimento para formação de capital humano e promover a integração dos centros de pesquisas.
Dois estudos publicados pela RAND Corporation chamam atenção para as dificuldades enfrentadas pela Inglaterra e EUA na manutenção de sua capacidade técnica em capital humano na produção e manutenção constante dos seus projetos de submarinos nucleares, desafio que certamente enfrentará o Brasil3.
Com a construção do estaleiro em Itaguaí, Rio de Janeiro, o PROSUB tem previsão de gerar, no pico da obra, 11.500 empregos diretos e 33.500 indiretos. Hoje já são mais de 4.000 diretos e cerca de 12.000 indiretos na região. Mas deve-se estar atento aos desafios futuros decorrentes do desenvolvimento do projeto. A capacitação de capital humano e da indústria nacional deve ser levada em consideração para que o PROSUB represente de fato um salto tecnológico para o País, garanta efetivamente a segurança da Amazônia Azul, fomente o adensamento da cadeia produtiva e projete soberania.
1 Submarino à propulsão nuclear é um submersível cuja fonte de energia provém de um reator nuclear, onde o calor gerado vaporiza a água possibilitando o emprego desse vapor para movimentar suas turbinas.
2 Atualmente, está em andamento na França a atualização de submarinos nucleares, do Barracuda. Não há perspectivas de cooperação na propulsão nuclear.
3 Autores: John F. Schank, Jessie Riposo, John Birkler, James Chiesa – “Sustaining Design and Production Resources – The UK Nuclear Submarine Industrial Base” (2005) e Autores: John F. Schank, Mark V. Arena, Paul DeLuca, Jessie Riposo, Kimberly Curry Hall, Todd Weeks, James Chiesa – “Sustaining U.S. Nuclear Submarine Design Capabilities” (2007). Disponível em: (www.rand.com).
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