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Contraterrorismo é coisa para profissional

Na atual realidade do terrorismo global, nenhum país pode se considerar a salvo de ataques. À medida que perde territórios na Síria e no Iraque, o Estado Islâmico, a mais ativa organização terrorista da atualidade, passou a intensificar as ações fora de seus domínios.

Como demonstrou o atentado em Nice, na França, em que um terrorista usou um caminhão para matar 84 pessoas num calçadão à beira-mar, os "soldados" do EI, recrutados via internet mediante maciça propaganda virtual, passaram a recorrer a táticas pouco sofisticadas e a mirar aleatoriamente não importa que alvos civis, apenas com o objetivo de disseminar o maior pânico possível. O mundo em que os "lobos solitários" proliferam tornou a vida dos serviços de contraterrorismo muito mais difícil.

Ainda que não tenha um histórico de atentados e esteja longe dos conflitos do Oriente Médio, o Brasil precisa se precaver — ainda mais às vésperas de sediar a Olimpíada do Rio de Janeiro. A Operação Hashtag, deflagrada na última quinta-feira, dia 21, pela Polícia Federal, que prendeu preventivamente dez brasileiros acusados de declarar lealdade ao Estado Islâmico, foi uma demonstração positiva de que o governo brasileiro não está menosprezando o perigo. Mas o anúncio da operação foi um pequeno desastre de comunicação – revelando uma perigosa descoordenação entre as autoridades responsáveis pela segurança das Olimpíadas.

Enquanto o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, falava dos suspeitos de terrorismo, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, os desqualificava. Como se sabe, um dos problemas apontados por investigações sobre as falhas dos serviços de inteligência da França na prevenção dos mega-atentados acontecidos no país foi a disputa – até de vaidades – entre as autoridades da área de segurança, com prejuízos para uma ação mais coordenada.

Moraes, na entrevista em que anunciou a operação, enviou mensagens contraditórias. Ao mesmo tempo que, num esforço de promoção, procurava enfatizar os números grandiosos da operação, como a mobilização de 120 homens da Polícia Federal em diversos estados, minimizava o nível de periculosidade dos presos. O ministro também esnobou uma pergunta simples e direta feita por uma jornalista que indagou como a PF teve acesso às mensagens trocadas por WhatsApp e Telegram pelos suspeitos de serem terroristas.

Conhecido pela autossuficiência. Moraes, que tem origem no Ministério Público de São Paulo, é um novato em Brasília. Talvez seu desempenho se deva ao fato de que ainda está se adaptando aos novos ares federais. Mas é bom que as autoridades, à medida que se aproxima a data da abertura da Olimpíada, passem a exibir um comportamento mais sóbrio e profissional – ainda que lidando com "terroristas" ditos amadores.

O terrorista tecla ao lado¹

Há cerca de um mês, o presidente interino, Michel Temer, se reúne todas as manhãs com o general Sérgio Etchegoyen, ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Só com ele. Sem nenhum outro ministro ou assessor na sala, Etchegoyen apresenta a Temer um detalhado relatório diário das informações trocadas entre a Agência Brasileira de Inteligência, as Forças Armadas e a Polícia Federal, com órgãos de inteligência internacionais, sobre a segurança da Olimpíada no Rio de Janeiro. Etchegoyen se tornou, para Temer, uma espécie de czar antiterrorismo do Brasil.

Há cerca de dez dias, informou o presidente que um grupo começava a preparar atos terroristas na competição. "A inteligência (informação) é dos americanos", explicou Etchegoyen. Na semana passada, Temer foi avisado de que os pedidos de prisão e de buscas seriam encaminhados à Justiça.

No começo da noite da quarta-feira, o presidente foi informado de que a PF localizara os suspeitos e os prenderia na sexta-feira cedo. Temer deixou o Planalto mais tarde que o habitual, após as 22 horas, e logo depois, já no Palácio do Jaburu, foi alertado de que a PF precisaria ir às ruas antes, já na quinta-feira. Chamou Etchegoyen, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, e o diretor-geral da PF, Leandro Daiello. Ficou combinado que anunciariam no fim da manhã – com sobriedade – a primeira operação antiterrorismo do país.

Logo cedo, 130 policiais federais, parte deles do Comando de Operações Táticas, começaram a cumprir 12 mandados de prisão, dois de condução coercitiva e 20 de busca e apreensão em dez estados para desarticular o grupo "Defensores da Sharia" (série de princípios religiosos e de costumes expressos nos textos sagrados muçulmanos), suspeito de manter contatos com o Estado Islâmico e planejar atentados. Começava a Operação Hashtag, comandada pela até pouco tempo obscura Divisão Antiterrorismo da PF.

As investigações começaram após avisos do FBI, o Federal Bureau of Investigation, às agências de inteligência do Brasil, em especial a Abin, sobre a movimentação de jovens suspeitos na internet. Os presos figuram entre os cerca de 50 alvos vigiados pela inteligência brasileira, com o auxílio de agências internacionais.

Eles nunca tinham se encontrado pessoalmente – apenas quatro já tinham se reunido ao vivo. O grupo de jovens presos não tinha um líder que os orientava, mas os dois principais membros da página do Facebook, que mais geravam engajamento dos demais, eram Leonid El Kadre e Allisson Luan de Oliveira. A Polícia Federal vigiou mensagens que o grupo trocava entre si por meio de aplicativos de celular, como WhatsApp e Telegram, e com o Estado Islâmico, pelas redes sociais Facebook e Twitter. Desde 10 de maio, com ajuda do Facebook, a polícia monitorava mensagens trocadas pelo grupo em um ambiente fechado.

Oziris Moris Lundi dos Santos, que se autodenominava Ali Lundi, escreveu: "Fugir da jihad não salvará ninguém da morte. Você morrerá ou como um covarde, ou como um mártir". O monitoramento começou em abril e seguia o roteiro de outras investigações: análise de riscos e validação das informações trocadas no grupo para discernir o que era apenas bravata e o que poderia ser, de fato, uma ameaça.

O perfil dos alvos encaixava-se no grupo que é hoje considerado o de maior risco: jovens recém-convertidos ao islamismo, de todo o país, que se frustraram com o tom pacifista das mesquitas brasileiras e partiram para a internet em busca do radicalismo do Estaca do Islâmico. As mensagens eram agressivas, comemoravam os atentados terroristas em Orlando, nos Estados Unidos, e na França.

Poderia ser apenas um grupo de apologia do terrorismo. Entretanto, nos últimos dias, a turma cruzou uma fronteira perigosa. Pelo menos dois integrantes prestaram juramento ao Estado Islâmico, via on-line. Nas mensagens internas, passaram a trocar informações sobre treinamentos de artes marciais e uso de armas.

Um dos participantes cogitou viajar para o exterior para fazer contato pessoal com integrantes do Estado Islâmico. O discurso de ódio se agravava à medida que a Olimpíada se aproximava. Em uma postagem, Allisson Luan de Oliveira fala claramente da possibilidade de um ataque. "O Brasil não está na coalizão, mas nada impede os ataques na Olimpíada", diz.

O mesmo Allisson encomendou um fuzil AK-47 a um site de venda de armas no Paraguai. Foi o estopim. A PF teve certeza de que era hora de agir. "Diante disso, tínhamos poucas opções. Só chamá-los para uma conversa não era uma delas", afirma um dos envolvidos na operação.

Dos 12 alvos que a Justiça Federal mandou prender, dez foram pegos e levados para um presídio de segurança máxima em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Até a noite de sexta-feira, dia 22, a Polícia Federal informava que um dos suspeitos estava foragido. Considerado pelos investigadores o mais perigoso, Leonid El Kadre de Melo entregou-se na noite de sexta-feira.

Ele já foi condenado por roubo e homicídio qualificado e fugiu de um presídio no Tocantins. Outro alvo, Zaid Duarte, mantinha um blog com frases em favor do Estado Islâmico. Entre elas, o anúncio de que o califado está chegando — uma das terminologias usadas pelo EI. ÉPOCA não localizou os advogados deles. Vitor Magalhães, que preferia ser Vitor Abdullah e vive em Guarulhos, na Grande São Paulo, foi outro alvo.

Sua mulher, Larissa Rodrigues, publicou nas redes sociais uma crítica à investigação, dizendo que ele usava o WhatsApp para tirar dúvidas sobre o idioma árabe, que estudava.

situação é, de certa maneira, similar à do físico franco-argelino Adlène Hicheur, deportado na semana passada. Como ÉPOCA revelou em janeiro, Hicheur lecionava na Universidade Federal do Rio de Janeiro e era investigado pela Polícia Federal porque já fora preso e condenado na França por planejar atentados terroristas.

Assim como no caso dos brasileiros, na França as conversas de Hicheur eram monitoradas e, quando o tom escalou de críticas ao governo para a violência, as autoridades o prenderam por três anos. No Brasil, a Polícia Federal passou pelo mesmo dilema. A partir de que ponto conversas privadas podem apenas ser um passatempo de "aloprados" no WhatsApp e passam a ser uma ameaça? "É comum, na reta final para os Jogos, a polícia e as agências de inteligência serem mais ativas e avessas a correr riscos na abordagem a ameaças" diz Richard Walton, chefe de contra-terrorismo da polícia de Londres na Olimpíada de 2012. "Normalmente há um aumento nas operações preventivas contra aquele que se considera ter inclinações ao terrorismo”.

A Operação Hashtag foi a primeira desencadeada com base na Lei Antiterrorismo, sancionada em março. "Não podemos dizer que há uma quadrilha, mas sim um grupo cujos valores são radicais", disse a ÉPOCA o juiz Marcos Josegrei da Silva, 14ª Vara Federal de Curitiba. "Essa operação foi possível porque houve uma legislação adequada e nova para esse tipo de delito, que permite que as instituições funcionem cada uma na sua atribuição."

Ao contrário de outros crimes, não há espaço para esperar para ver até onde vai à ameaça quando o assunto é terrorismo. A inteligência brasileira considerou que o grupo extrapolava os riscos dos chamados "ratos solitários" e poderia ser uma estrutura que começava a se organizar. Anulou o grupo em seu nascedouro.

¹Filipe Coutinho, Diego Escosteguy, Ana Clara Costa e Alana Rizzo

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